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Alimentação, consumo e meio ambiente. E você com isso?
Artigo publicado originalmente em 2016 na plataforma Educação&Participação
- Tamara Castro
Adriana Charoux
Você se lembra do que comeu há dois dias? E na semana passada? E se, além de suas últimas refeições, eu perguntar se você sabe por quem e de que forma esses alimentos foram produzidos? Qual a sua origem e o que acontece do momento em que se extrai a matéria-prima até o momento em que ele chega até você? Além disso, você conhece os impactos ambientais associados?
Quando me fiz essas perguntas, me dei conta do universo de coisas que ainda não conhecia. Não só não me lembrava do que havia comido há poucos dias, como também não fazia ideia da história por trás da produção daquele alimento. No máximo, pensava no valor calórico do que consumia para tentar fazer refeições mais leves da próxima vez. Ao buscar entender o ciclo de produção daquele alimento, percebi os custos ambientais e sociais implicados para trazer à mesa coisas que gosto de comer.
Não deixa de ser um paradoxo constatar que algo tão básico e espontâneo de nossa vida às vezes passe de forma tão despercebida. Mas, se prestarmos atenção, brotam oportunidades de aprendizagem quando o assunto é a nossa alimentação.
Aquilo que comemos diz muito sobre a forma de organização da sociedade de consumo, assim como sobre as diferenças nos aspectos sociais, culturais e econômicos de uma região ou de um país para outro, tal como registraram Peter Menzel e Faith D’Aluisio. O casal de fotógrafos viajou o mundo e registrou 36 famílias de diferentes países ao redor de suas mesas de refeição, com tudo aquilo que costumam comer no período de uma semana, e calcularam quanto gastavam.
As imagens dão pano pra manga para um debate profundo sobre os diferentes contextos de produção e a equidade na distribuição e consumo dos alimentos. Embora o projeto fotográfico não relacione diretamente as mudanças climáticas com os hábitos alimentares daquelas famílias, esse é um outro aspecto para se pensar a partir do projeto. A escassez de comida em algumas mesas e o consumo excessivo em outras famílias mostra que o aquecimento do planeta já chegou na vida delas e na de todos os brasileiros, pobres e ricos, negros e brancos, moradores das grandes cidades e das áreas rurais. Obviamente, não com a mesma intensidade ou grau de perversidade.
Por conta da ação humana o planeta está ficando cada vez mais quente e, com o aquecimento, aumentam também os riscos climáticos. Cientistas do mundo todo reunidos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), instância mais respeitada atualmente para estudar causas e efeitos do aquecimento global, dizem que entre 1880 e 2012 a temperatura média global aumentou 0,85 °C. Parece pouco, mas esse aumento já foi suficiente para intensificar a ocorrência de diversos desastres climáticos, como as fortes secas e as chuvas torrenciais, que levam a enchentes, obrigando as pessoas a se deslocar de suas casas. Eventos assim triplicaram no mundo entre 2010-2014 se compararmos com os primeiros anos da década de 1980.
Na prática, o que essas mudanças todas significam para o Brasil e o que isso tem a ver com a nossa alimentação? Tudo!
O Brasil é um dos países que mais produz e exporta alimentos. Segue apostando na exploração predatória de seus recursos naturais, como acontecia desde o período colonial, quando os portugueses chegaram aqui.
O ciclo de extrair recursos naturais de forma irresponsável para manter uma economia de base agroexportadora e de monocultivo vem se repetindo há mais de 500 anos. Além de toda a discussão sobre justiça social, há um enorme problema ambiental embutido nesse modelo de desenvolvimento.
Um dos principais fatores da emissão de gases do efeito estufa, responsáveis pelas mudanças climáticas no Brasil, é o desmatamento. Isto é, eliminar uma floresta para dar lugar a outra coisa.
O principal motivo de destruição de floresta é para atender à expansão da fronteira da produção agropecuária, especialmente gado de corte e grãos como a soja, que é exportada para servir de base da alimentação de animais, que serão consumidos pelos seres humanos ao redor do mundo.
Juntamente com árvores que tombam, desaparecem também diversas espécies de animais e plantas. Povos indígenas e demais populações tradicionais são expulsos de seus territórios de origem e sustento há décadas. É negado também o direito de futuras gerações usufruírem da natureza e dos benefícios tangíveis e intangíveis que a floresta pode proporcionar para muito além de suas fronteiras.
Os efeitos do desmatamento já podem ser sentidos por aqueles que estão em grandes cidades, a quilômetros de distância da floresta ou mesmo em outros países, uma vez que, com menos floresta há menos chuva e menos água para bebermos também. Com a escassez das chuvas, a produção de alimentos também cai consideravelmente. Estimativas mostram que já em 2020, a produção agrícola poderá ter prejuízo anual da ordem de R$ 7,4 bilhões, como consequência da redução de chuvas em diferentes regiões, em especial no Norte e no Centro-Oeste.
Além dessa cifra bilionária de prejuízo para os agricultores, os consumidores também estão pagando cada vez mais caro pelo que comem. Os produtos mais saudáveis são os que ficaram mais caros, empobrecendo a alimentação da maior parte da população que não pode pagar ainda mais por ela.
Dados do IBGE publicados no jornal Folha de S.Paulo este ano [2016] indicam um aumento de preços de alimentos frescos, como hortaliças e legumes, muito maior do que o de produtos industrializados. Um pé de alface teve aumento de quase 1.000% de 1994 para 2016 e a batata, de 846% nesse mesmo período. Enquanto isso, biscoitos subiram pouco mais de 260% e bombons 310%. Esse encarecimento vem acompanhado do crescimento absurdo do consumo de alimentos processados – de 80 quilos per capta para 110, de 1990 para 2013. Não à toa, atualmente um em cada três meninos e meninas de 5 a 9 anos estão acima do peso normal para a idade, e o sobrepeso atinge cerca de 20% dos brasileiros na faixa etária entre 10 e 19 anos.
A mudança no padrão de alimentação do brasileiro não acontece do nada. O que comemos, o quanto comemos, por que escolhemos um alimento dentre outras possibilidades? Muitas vezes, não temos liberdade de escolha sequer para decidir o que vai parar nos nossos pratos, pois são práticas determinadas socialmente.
Quando a maior parte das crianças e dos jovens passam mais tempo na frente da TV do que brincando nas ruas ou em espaços públicos, interagindo ao ar livre e explorando a natureza, suas decisões de consumo não podem ser encaradas como atitudes isoladas.
A preferência por um salgadinho e um refrigerante em vez de uma fruta da estação típica da região na qual se vive não surpreende quando essas crianças e jovens são expostos a tantas horas de publicidade de alimentos pouco nutritivos. Especialmente quando o slogan de um refrigerante associa o ato de consumi-lo como uma atitude de “abrir a felicidade”.
Vale também investigar quais alimentos são vendidos na cantina da escola. Há restrição de produtos altamente processados ou pelo menos há alternativas saudáveis de alimentação, preferencialmente produzidas localmente e livre de agrotóxicos para quem não trouxe lanche de casa?
O que essa história toda tem a ver com meio ambiente? A publicidade, especialmente voltada para crianças e jovens, muitas vezes reforça estilos de vida totalmente insustentáveis. Um exemplo que merece atenção é a quantidade de propagandas que estimulam o consumo de carne.
Tida como natural, saudável, segura e mesmo digna de status, é comum ter a carne presente em todas as refeições, além do churrasco no fim de semana, nas férias e no carnaval. Isso não era tão comum anos atrás, quando a carne aparecia no cardápio em dias especiais.
Embora seja tão festejada, poucos relacionam a produção de carne ao desmatamento e às mudanças climáticas, isso sem contar o trabalho escravo contemporâneo diretamente ligado a essa atividade. E menos ainda o quanto o aumento do consumo per capta em âmbito global implica a exploração de recursos naturais que não existem disponíveis na quantidade necessária para sustentar esse crescimento.
Para piorar, embora seja direito de todo cidadão brasileiro ter acesso à informação clara e simples sobre a origem do que consumimos, isso é frequentemente desrespeitado pelas empresas e até mesmo pelo poder público. O Código de Defesa do Consumidor prevê punição para quem nega o direito básico de acesso à informação e também para quem pratica propaganda enganosa. Embora estejam previstas punições severas, pense agora quantas vezes você ficou com mais perguntas do que respostas ao ver uma informação de algum produto.
As escolas e outros espaços educativos nem sempre educam para o consumo e nem para consumirmos de forma mais responsável. Mas, quando o fazem, trazem a oportunidade de gerar uma aprendizagem profunda e integral. Pensemos em ideias concretas de atividades.
Há inúmeras outras ideias que podem e devem ser propostas pelos próprios estudantes. Entretanto, é importante reforçar que escolas e organizações precisam estar abertas para garantir os espaços para tal problematização. Há, por exemplo, disponibilidade para mudar a oferta dos alimentos que são vendidos na cantina ou que compõem a merenda oferecida?
Mais importante: antes de tudo isso, os próprios educadores precisam fazer o exercício de se perguntar o quanto já relacionaram o próprio consumo com os impactos gerados, não apenas sob o aspecto ambiental, mas também social, cultural, político e subjetivo. Até que ponto estão dispostos a mudar seus hábitos ou pelo menos tentar?
Compartilhar esse desconforto com seus estudantes, pais e demais atores educativos, fazendo dessa experiência uma jornada de aprendizagem honesta, divertida e coletiva, pode ser extremamente transformador para a escola inteira e para muito além de seus muros.
Formada em Relações Públicas pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em São Paulo (SP).
Atua na defesa dos direitos humanos e ambientais. Atualmente é ativista da campanha Amazônia, do Greenpeace.
EMBRAPA/UNICAMP. Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil. São Paulo, 2008.
MACIEL, Marina. O que famílias de diferentes países comem em uma semana. Superinteressante, 10 jun. 2013.
MENZEL, Peter; D’ALUISIO, Faith. Hungry Planet: What the World Eats. Nova York: Penguin Random House, 2007.
RANGEL, Anna. Comida fresca encarece mais rápido e empobrece a alimentação. Folha de S.Paulo, 4 abr. 2016.
Acessos em: 2 ago. 2018.
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