Educação do campo: como articular os conhecimentos escolares aos saberes da cultura camponesa
Como a escola pode promover o diálogo e a valorização dos saberes prévios de estudantes da zona rural? Confira artigo publicado em 2015 na Plataforma do Letramento (Cenpec).
Raimunda Alves Melo*
Conta uma parábola que certo professor, interessado em saberes culturais diversos, procurava na sua prática de pesquisa e docência descobrir os segredos que fundamentavam os comportamentos e as opiniões das pessoas. Um dia, nas andanças da vida, foi a uma comunidade rural para participar de uma reunião a respeito dos problemas locais. Durante a reunião, de repente o tempo fechou e, ao primeiro relâmpago, seguido de forte trovão, uma dona da casa começou a cobrir os espelhos com uma toalha. O professor questionou a senhora sobre o porquê de sua ação, e ela respondeu que tinha esse costume por acreditar que os espelhos atraíam raios.
Devido à curiosidade do professor, os participantes da reunião começaram a questionar e buscar respostas para entender a razão pela qual os espelhos pudessem atrair raios. Esses questionamentos deram margem a uma investigação sobre os diferentes materiais de que é feito um espelho − madeira, vidro, papelão, pregos, entre outros − e sobre a relação desses materiais com a atração dos raios. Descobriram que a tinta detrás do vidro do espelho é composta do mesmo material com que se faz o pára-raios. Portanto, o que parecia “ignorância” ou crendice tinha fundamento.
Parábola reelaborada com base no Programa de Fortalecimento dos Conselhos Escolares:
No encontro respeitoso entre parceiras(os) com diferentes saberes, o professor não desqualificou seus interlocutores como ignorantes nem desqualificou sua explicação como crendice sem sentido. Os portadores do costume de cobrir espelhos com toalha não se recusaram a explicar por que tinham esse costume e muito menos deixaram de buscar coletivamente o que, no espelho, tinha o poder de atrair raios. No diálogo respeitoso, realizou-se um encontro de saberes diferentes e tanto o professor como a comunidade aprenderam.
Apropriamo-nos da parábola do encontro de saberes porque ela contém reflexões muito importantes sobre a articulação de conhecimentos com os saberes culturais da população campesina. Essa reflexão nos ajuda a perceber a importância de as(os) docentes organizarem e mediarem situações capazes de assegurar às(aos) estudantes o direito aos seus saberes, à sua diversidade e aos conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade.
Contudo, sabemos que discutir a articulação dos conhecimentos escolares aos saberes da cultura camponesa implica, entre outras questões, refletir sobre a necessidade de mudanças nos projetos educativos das escolas, de modo que as(os) professoras(es) valorizem os diferentes saberes e que estes sejam integrados ao fazer educativo. Trata-se de uma questão desafiadora, tendo em vista que as práticas escolares têm sido historicamente desenvolvidas com base em um distanciamento da vida das(os) educandas(os), na artificialização da aprendizagem e na fragmentação do conhecimento escolar.
Nesse sentido, o que propomos é que esta riqueza de saberes da cultura camponesa seja incorporada aos conhecimentos escolares, oportunizando às(aos) estudantes a construção de uma identidade política como sujeitos de conhecimentos e experiências, pois o trabalho com conteúdos fragmentados e distantes das vivências não atende aos interesses das(os) alunas(os) e não respeita as especificidades do campo.
A inserção efetiva das(os) alunas(os) das escolas do campo nas práticas letradas ocorre por meio de processos educativos que vão além da seleção de conteúdos, das tradicionais formas de organização das práticas, caracterizadas basicamente pelo uso do livro didático, pelo professor enquanto único sujeito que ensina e pela sala de aula como único espaço de aprendizagem.
Por esta proposta (articulação de conhecimentos escolares aos saberes da cultura camponesa) as aprendizagens ocorrem pelo respeito, pela valorização dos saberes dos educandos e pela inclusão destes nos conhecimentos escolares.
O entendimento, portanto, é que os conhecimentos escolares não podem ficar restritos a informações estanques de disciplinas fragmentadas. As(Os) estudantes precisam entender como se processam essas articulações para romper com a visão compartimentada do conhecimento.
Ao trabalhar os conhecimentos escolares, as(os) professoras(es) não devem se limitar a ministrar o conteúdo de sua disciplina, mas que os articulem a outros saberes que as(os) estudantes já possuem e que são relevantes para elas e eles.
Desse modo, o conhecimento escolar é um dos elementos necessários para fazer articulações entre as disciplinas e entre outros saberes já construídos, bem como com a sua vida e a sua cultura. Se o conteúdo trabalhado na escola não provocar interações com a realidade em que vivem, provavelmente será logo descartado e, portanto, não cumprirá a sua função educativa.
A articulação dos conhecimentos escolares aos saberes da cultura camponesa se torna possível quando as(os) educadoras(es) selecionam e organizam, nas salas de aula e em outros espaços escolares e/ou comunitários, experiências educativas de aprendizagem contextualizadas, em que as(os) educandas(os) se afirmem como sujeitos de identidades coletivas e individuais.
Em síntese, a prática docente nas escolas do campo deve contemplar saberes que possam contribuir para a preservação e transformações dos processos sociais do campo para além da escolarização dos sujeitos.
Para concretizá-la, faz-se necessário, entre outras ações, estabelecer como eixo estruturante uma proposta que integre as diversas áreas do conhecimento, de forma contextualizada, integrando, estreitando e respeitando os vínculos entre escola e comunidade, entre conhecimentos escolares e cultura camponesa.
Portanto, uma escola do campo precisa assegurar que a prática docente faça a articulação entre conhecimento escolar e saberes da cultura camponesa e que estes sejam construídos com base no vínculo entre escola e comunidade, no sentido de fazer da educação, concretamente, um espaço de desenvolvimento social e cultural.
Sobre a autora
Raimunda Alves Melo é Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Foi consultora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) em 25 municípios piauienses.
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