Qual deve ser o lugar da religião na educação básica?
Artigo originalmente publicado na plataforma Educação&Participação.
Por Silas Fiorotti
A intenção aqui é refletir sobre o lugar da religião e do ensino religioso na educação básica. Algumas questões se impõem: é necessário abordar as religiões nas escolas? O ensino religioso contempla esse papel, sem deixar de valorizar a diversidade religiosa e desconstruir estereótipos? Todo tipo de ensino religioso fere a laicidade do Estado?
Não tenho a pretensão de oferecer respostas definitivas para questões tão complexas, mas aponto para aquilo que considero importante. Para desenvolver essa reflexão sobre a religião na educação básica, parto de três premissas:
É fundamental abordar as religiões na educação básica;
É preciso definir de forma clara que tipo de ensino religioso será oferecido nas escolas;
Mesmo defendendo um ensino religioso não confessional ou uma disciplina como história das religiões, é preciso admitir que nem todo tipo de ensino religioso confessional fere o princípio da laicidade.
1. Por que é fundamental abordar as religiões na educação básica?
Por si só, a exclusão de qualquer abordagem das religiões nas escolas não garante a formação adequada dos estudantes para exercerem a cidadania e respeitarem os direitos humanos. Não garante nem mesmo a convivência pacífica entre estudantes e profissionais da educação adeptos de diferentes crenças ou descrenças.
Antes de defender a exclusão de qualquer abordagem das religiões, é preciso lembrar que a educação básica tem um compromisso com a promoção dos direitos humanos, com a promoção da liberdade religiosa e, consequentemente, com o combate à intolerância religiosa.
A abordagem das religiões pode contribuir no sentido de combater a intolerância religiosa
Constata-se, nas últimas décadas, um crescimento dos casos de intolerância religiosa no Brasil, principalmente ataques contra adeptos das religiões afro-brasileiras (ou religiões brasileiras de matrizes africanas) e contra muçulmanos.
Isso também tem seus reflexos na educação básica. Algumas pesquisas indicam que estudantes e profissionais da educação que são adeptos das religiões minoritárias acabam, muitas vezes, negando suas identidades religiosas para evitarem constrangimentos e conflitos, principalmente quando as escolas obrigam ou convocam todos os estudantes a participarem de momentos de rezas ou orações.
O argumento de que crianças pequenas, por exemplo, não podem ser expostas a conteúdos religiosos conflitantes ao que recebem em casa – argumento daqueles que defendem a exclusão de qualquer abordagem das religiões – ignora que muitas dessas crianças pequenas acabam negando sua própria identidade religiosa dentro das escolas.
É preciso, portanto, pensar em uma forma de abordar as religiões até mesmo com crianças pequenas.
Não se trata de utilizar diferentes crenças para promover o respeito aos direitos humanos, mas de enfatizar que adeptos de diferentes crenças ou descrenças podem assumir publicamente suas identidades religiosas ou arreligiosas, merecem respeito e amizade, não podem ser obrigados a rezar ou orar e não são simplesmente pessoas atrasadas, perigosas, sujas, estúpidas ou cheias de demônios.”
Dessa maneira, é preciso pontuar que as crenças e práticas católicas e evangélicas não podem ser privilegiadas na abordagem das religiões e também não podem ser tomadas como referência para abordar outras crenças e práticas religiosas.
Por quê?
Porque os grupos católicos e evangélicos já têm grande visibilidade na sociedade brasileira, e esse tipo de abordagem não contribuirá para combater a intolerância religiosa e promover o respeito às minorias religiosas (candomblecistas, umbandistas, muçulmanos, entre outros grupos).
Havendo tais privilégios, muitos estudantes não terão outra oportunidade de conhecer alguns aspectos de diferentes crenças e descrenças no sentido de desconstruir estereótipos e preconceitos.
2. Por que é preciso definir de forma clara que tipo de ensino religioso será oferecido nas escolas?
O ensino religioso pode desempenhar esse papel na promoção da liberdade religiosa e no combate à intolerância religiosa. Infelizmente, diversas soluções dadas ao ensino religioso são muito ruins, porque o Ministério da Educação (MEC) delegou a responsabilidade sobre os conteúdos do ensino religioso aos estados e municípios, os quais, por sua vez, privilegiam os grupos religiosos majoritários (católicos e evangélicos).
Mesmo com as menções ao ensino religioso na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB; Lei nº 9.934, de 1996), falta um paradigma nacional para definir os conteúdos dessa disciplina e o profissional habilitado para ministrar as aulas.
“O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” (Constituição, art. 210, parágrafo 1º)
“O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.” (LDB, art. 33)
Essa falta de um paradigma nacional fez com que estados e municípios passassem a oferecer o ensino religioso com diferentes modelos (confessional, interconfessional ou não confessional) e ministrado por diferentes professores, inclusive na condição de representantes de confissões religiosas.
As confissões religiosas majoritárias, ao lado de diversos estados e municípios, chegam a definir os conteúdos do ensino religioso. Isso evidencia que, em muitos casos, o ensino religioso não tem desempenhado o papel de abordar diferentes religiões, de valorizar a diversidade religiosa e de desconstruir estereótipos.
3. Por que nem todo tipo de ensino religioso confessional fere o princípio da laicidade?
O ensino religioso de modelo confessional tem sido muito contestado. A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com uma ação (ADI nº 4.439, de 2010) contestando a constitucionalidade do ensino religioso de modelo confessional e interconfessional. O argumento da PGR foi de que a subvenção estatal ao ensino religioso ligado direta ou indiretamente a alguma confissão religiosa feria o artigo 19 da Constituição.
É vedado ao estado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; recusar fé aos documentos públicos; criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.” (Constituição, art. 19)
O argumento foi vencido em 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ensino religioso pode ser confessional. A maioria dos ministros considerou, na ocasião, que o ensino religioso de modelo confessional, por conta de seu caráter facultativo e supostamente não proselitista, não é inconstitucional.
Contrariando a opinião dos ministros que defenderam apenas o modelo não confessional, o plenário do STF entendeu que a subvenção estatal ao ensino religioso confessional ou a remuneração de professores na condição de representantes de confissões religiosas – algo que acontece em alguns estados e municípios – são justificáveis porque se trata de uma espécie de parceria de interesse público.
Na minha opinião, essa é uma interpretação extremamente questionável e a subvenção estatal ao ensino religioso confessional fere o princípio da laicidade. Na prática, a decisão do STF manteve tudo da mesma forma, a cargo dos estados e municípios, evidenciando, mais uma vez, a omissão do MEC em relação ao ensino religioso.
O Estado não deveria pagar o salário de um representante de uma confissão religiosa que ministra uma disciplina com conteúdo determinado por essa confissão religiosa, como ocorre em diversos estados e municípios brasileiros.
A primeira redação da LDB já previa o ensino religioso oferecido pelas confissões religiosas “sem ônus aos cofres públicos” – trecho que foi suprimido. No entanto, mesmo em caráter facultativo e sem ônus aos cofres públicos, o ensino religioso confessional pode constranger estudantes que se sentem obrigados a sair ou a ficar na sala durante as aulas.
Apesar dos problemas mencionados acima, não convém afirmar ou defender que as confissões religiosas não devem utilizar o espaço público para se manifestarem e propagarem suas crenças.
Com a devida autorização das comunidades escolares, as confissões religiosas podem promover atividades religiosas nas escolas públicas – isso, por si só, não fere o princípio da laicidade. Nesse sentido, o ensino religioso confessional poderia ser oferecido em horários alternativos para não constranger estudantes, e também em caráter facultativo e principalmente sem ônus aos cofres públicos.”
Essa seria a melhor forma de harmonizar o ensino religioso confessional com o princípio da laicidade. Mesmo as aulas de ensino religioso não confessional, ministradas por professores que não são representantes de nenhuma confissão religiosa, podem eventualmente contar com a participação de religiosos de diferentes confissões.
Palavras finais: compromisso com a liberdade religiosa dos estudantes
Na verdade, é fundamental abordar as religiões na educação básica, e isso não deve ser confundido com momentos de rezas ou orações, ou mesmo com aulas de ensino religioso comprometidas com determinadas confissões religiosas.
As escolas podem ceder algum espaço para atividades religiosas em horários alternativos ou podem convidar religiosos para palestras e diálogos – isso não fere o princípio da laicidade. No entanto, o principal compromisso deve ser com a liberdade religiosa dos próprios estudantes.”
Principalmente, os professores católicos e evangélicos precisam sensibilizar-se e agir no sentido de evitar quaisquer constrangimentos e evitar qualquer negação das identidades religiosas ou arreligiosas por parte dos estudantes.
Silas Fiorottié cientista social, mestre em Ciências da Religião, doutor em Antropologia Social, pesquisador do CERNeUSP e coordenador do projeto de extensão Diversidade Religiosa em Sala de Aula.
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