Ao todo, mais de 600 pessoas, entre educadores, representantes de organizações e do poder público, estiveram presentes no Seminário Internacional Educação + Participação = Educação Integral para debater e aprofundar com 14 especialistas do Brasil e do exterior temas como panoramas e tendências da educação integral, articulação entre ONG e escola, proposta pedagógica e novas formas de produções juvenil.
Escrito por João Marinho
“A cidade educa a criança, e a criança educa a escola”, assim disse a pedagoga e ex-secretária de Educação de Diadema (SP) e Embu das Artes (SP) Lucia Couto ao relatar sua experiência na implementação do programa de educação integral no município de Diadema quando foi responsável pela pasta de Educação, de 2008 a 2012. Sua fala foi feita durante o Seminário Internacional Educação + Participação = Educação Integral, realizado dia 14 de novembro de 2014, em São Paulo.
Segundo ela, a escola precisa ser um agente desencadeador da educação integral. “Educação integral não é uma modalidade, mas um conceito, uma nova abordagem curricular. Essa abordagem sintetiza o que queremos para uma sociedade, com a perspectiva da cidade educadora que ultrapasse os limites da escola, porém sem tirar a referência do papel fundamental que ela possui para uma sociedade republicana como a nossa”, afirmou.
Além de Couto, mais 13 especialistas na área estiveram presentes no evento, que reuniu mais de 600 pessoas para aprofundar temas da educação integral: panoramas e tendências, articulação entre ONG e escola, proposta pedagógica e novas formas de produção juvenil.
Propostas e desafios
A abertura aconteceu às 9h da manhã, com um pronunciamento da presidente do Conselho Administrativo do Cenpec, Maria Alice Setubal, que problematizou questões importantes relacionadas à educação integral.
Segundo Maria Alice, é preciso identificar que tipo de educação integral se pretende e “não é possível determinar um modelo único de educação integral para todo o País. As diversidades devem ser levadas em conta: cada comunidade deve ver o que é importante para a sua realidade”. Isso requer uma reflexão que proponha um equilíbrio entre os interesses dos alunos e os da comunidade.
O exemplo de Pernambuco
Citado por Maria Alice Setubal como fonte de inspiração, o programa de educação integral de Pernambuco propõe um modelo que levou o estado a subir no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e a melhorar o desempenho
na Prova Brasil.
Clique aqui para saber mais sobre o Ideb e a Prova Brasil.
Após a participação de Maria Alice Setubal, a bancada foi assumida por Antonio Jacinto Matias, vice-presidente da Fundação Itaú Social. Para Matias, a educação integral requer “mais tempo na escola, mais aprendizado e currículo adequado”, o que implica a importância de uma visão ampliada sobre o tema. Segundo ele, a parceria entre escola e ONGs – tratada na mesa temática 1 da parte da tarde – se insere nessa visão e demonstra sua relevância mesmo em países que já garantiram, em todas as escolas, sete horas mínimas de jornada.
Mesa de abertura: tendências da educação integral
Após os discursos de abertura, Diana Toledo Figueroa, Jessica Donner, Lucia Couto, Anna Helena Altenfelder e Isabel Santana assumiram a primeira mesa do evento, que se propôs a tratar do eixo temático “Panorama e Tendências da Educação Integral”.
A mesa foi iniciada com a palestra da analista de políticas educacionais Diana Figueroa, que apresentou uma visão global sobre o sistema de educação brasileiro em comparação com outros países e os paradigmas que regem as propostas educacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Equidade e qualidade
A proposta da OCDE para a educação integral foca-se em dois conceitos-chave: equidade equalidade, que devem
andar de mãos dadas.
Na prática, isso se traduz em adotar estratégias que promovam um incremento nas competências mínimas dos educandos (qualidade) e que possibilitem que as circunstâncias sociais nas quais esses educandos se encontram não afetem seu potencial (equidade).
Segundo Diana Figueroa, esses objetivos somente são possíveis quando sistemas educativos e comunidade trabalham juntos.
A boa notícia é que o Brasil é um dos países que mais melhoraram seus índices no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Em 2003, 75% dos estudantes brasileiros não atingiram o conhecimento mínimo de Matemática exigido pelo exame, percentual que caiu para 67% em 2012. Mesmo assim, os números também indicam que há muito a ser feito.
Clique aqui para saber mais sobre o Pisa (em inglês).
Para Diana, esse trabalho pode contar com a comunidade, que tem à disposição muitas formas de ajudar a escola. Uma das principais está na oferta de atividades extracurriculares, o que, segundo ela, já é comprovadamente um meio pelo qual se estimula o sentimento de mais capacidade do aluno, o gosto pela ciência e a melhora da aprendizagem.
Educação integral e polissemia
A mesa seguiu com palestra de Lucia Couto, que traçou um histórico da evolução do conceito de educação integral no Brasil.
Da Escola Parque de Anísio Teixeira aos Centros Educacionais Unificados (CEUs), Couto demonstrou um panorama para indicar que, no Brasil, o conceito de educação integral é polissêmico – e, nesse sentido, é preciso diferenciarperíodo integral de educação integral: “Educação integral não é uma modalidade, mas um conceito, uma nova abordagem curricular”.
Marcos e metas
Lucia Couto identifica a aprovação do Marco Regulatório das ONGs como um importante passo para determinar a maneira pela qual as organizações se articulam com políticas públicas de educação e que merece ser visitado. Além disso, defende o surgimento de um Marco Curricular, a fim de que o papel da escola como garantidora da aprendizagem seja mais propriamente definido.
Couto esclarece que, dentro desse conceito, a escola, por um lado, permanece no papel preponderante de desencadeadora e garantidora da aprendizagem – mas, por outro lado, a educação integral requer a ocupação de novos espaços dentro de uma perspectiva de território educativo, a articulação da escola com o entorno e o rearranjo do currículo, a fim de possibilitar que o conceito de “integral” seja entendido como desenvolvimento “em todas as dimensões”.
Todas as horas contam
Jessica Donner, da organização Every Hour Counts, participou da mesa demonstrando a experiência norte-americana em programas caracterizados pela parceria entre escolas e ONGs. Nos Estados Unidos, a Every Hour Counts auxilia cidades a coordenar experiências de aprendizado com esse tipo de articulação e a compartilhar as melhores práticas.
After-school
Nos Estados Unidos, os programas de after-school, que oferecem conteúdos após o período regular nas escolas, caracterizaram-se historicamente como pagos. Nessa realidade, tinham acesso a esse tipo de programa estudantes oriundos de famílias com melhores condições financeiras, os quais, ao fim do processo, acumulavam uma quantidade significativa de horas extras de aprendizagem em relação aos que não tinham
acesso – 6 mil horas a mais, expandindo as diferenças entre
mais ricos e mais pobres.
A estratégia defendida pela Every Hour Counts estrutura-se em propiciar programas de alta qualidade também para famílias que não podem arcar com esses custos, oferecendo conteúdos em um período de tempo
integral e com o diferencial de serem articulados com a escola.
“A parceria entre ONG e escola é
o coração de um modelo que expande o tempo de aprendizado sem ‘dar mais do mesmo’”,
explica Jessica Donner.
Cinco anos atrás, a organização surgiu num contexto em que escolas e ONGs trabalhavam conteúdos de forma desarticulada e fragmentada, estas últimas oferecendo programas de after-school.
Clique aqui para acessar o site da Every Hour Counts (em inglês).
O modelo da organização, no entanto, além de caracterizado pela parceria ONG-escola, fundamenta-se nas boas experiências acumuladas nesse sentido, na qualidade dos programas e no benefício revertido aos educandos, mediante um incremento de suas aptidões acadêmicas, sociais e afetivas.
Para dar conta desse desafio, o modelo requer uma estrutura com alguns elementos, como a existência de um grupo de coordenação, o recolhimento de dados para avaliar a qualidade dos programas e a participação da comunidade.
Jessica destaca a importância dos chamados parceiros intermediários nesse processo – organizações que auxiliam no levantamento de recursos financeiros, no compartilhamento de conhecimentos e no seu papel de reunir outras ONGs, escolas, negócios e autoridades públicas em uma articulação ampla pró-educação.
O resultado é a oferta de um programa em que professores e ONGs planejam em conjunto o que vão fazer e treinam e ensinam juntos os conteúdos com foco em uma educação holística. Isso se reverte em melhores frequência, autoestima e aprendizagem por parte dos alunos. A avaliação do sucesso de um projeto dessa natureza nasce da interseção entre os níveis do sistema de educação, do programa e os que os alunos atingem.
Qualidade evidente
Uma das debatedoras da mesa “Panorama e Tendências da Educação Integral”, Isabel Santana, superintendente da Fundação Itaú Social, baseou sua participação em três pontos extraídos das palestras de Diana Figueroa, Lucia Couto e Jessica Donner:
A necessidade de produção de evidências em relação a resultados dos projetos de educação integral;
A importância da comunicação como forma de compartilhar propostas e produzir engajamento – item que, em sua avaliação, recebe pouco investimento no Brasil, prejudicando o diálogo entre professores, alunos e comunidades;
O cuidado com o desenho dos planos de educação integral, uma vez que os projetos podem ser desorganizados, contraditórios e ter sua eficiência comprometida se não houver documentos mais estruturados que contemplem as políticas de educação integral em voga.