Tecnologias para o direito de comunicação e expressão

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Tecnologias para o direito de comunicação e expressão

Segunda reportagem do especial Educação Integral & Novas Tecnologias, publicado originalmente na plataforma Educação&Participação

Vanessa Nicolav

Na primeira parte deste especial Educação Integral & Novas Tecnologias, refletimos como as tecnologias de informação e comunicação (TIC) podem favorecer aprendizagens mais dinâmicas e plurais dentro das salas de aula [leia a reportagem].

Mas, além de servir como recurso para trabalhar conteúdo escolar formal, as tecnologias também podem incentivar a participação social e ampliar a garantia de direitos de crianças e adolescentes, dentro e fora das escolas?

A resposta, de acordo com educadores responsáveis por práticas de educomunicação mostradas nesta reportagem, é sim – e o uso das novas tecnologias a serviço da educação e da transformação social tem amplo potencial.

Esta segunda parte do especial, por meio de exemplos de práticas realizadas na região metropolitana do Rio de Janeiro e no interior do estado de São Paulo, mostrar como o uso de diferentes mídias pode ajudar a criar processos educativos que, além de facilitar e estimular o acesso à informação, também são recursos de mobilização que ajudam a ampliar os direitos de crianças e adolescentes e a transformar o cotidiano de uma comunidade.

Educando para comunicar, comunicando para educar

A intenção era criar possibilidades para que os sujeitos da comunidade, através de processos educativos e participativos, pensassem sobre o próprio território e pudessem comunicar seu ponto de vista, garantindo assim seu direito de expressão individual e coletivo.

Na década de 1990, época em que celulares ainda não haviam dominado a vida cotidiana e que a comunicação interativa e global propiciada pela internet estava longe de ser usada pela maioria da população, um grupo formado por educadores e profissionais de comunicação levava às comunidades da periferia de Niterói (RJ) recursos de comunicação para criar e exibir seus próprios conteúdos comunicativos.

Quando a gente começou a TV comunitária, a metodologia utilizada era a TV de rua. Nossa equipe chegava às comunidades, apresentava a estrutura, tanto técnica como as metodologias educativas, e a partir daí os moradores desenvolviam peças para serem exibidas na TV local. Essa TV era um telão no meio da praça.”

Daniela Araújo, coordenadora do Núcleo Audiovisual da Bem TV

Criada por estudantes de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) interessados em replicar metodologias e técnicas aprendidas em seu curso, a Bem TV: Educação e Comunicação é uma organização social de Niterói que há mais de 20 anos desenvolve e aplica formas de estimular novos aprendizados, maneiras de ver, interagir e intervir no mundo, através de práticas que associam educação e comunicação.

A organização iniciou, no princípio dos anos 1990, com atividades que associavam educação e mobilização com base no uso de tecnologias de informação e comunicação.

A intenção era criar possibilidades para que os sujeitos da comunidade, através de processos educativos e participativos, pensassem sobre o próprio território e pudessem comunicar seu ponto de vista, garantindo assim seu direito de expressão individual e coletivo.

A gente trabalha em favelas, em periferias da cidade, que geralmente têm uma imagem muito desqualificada, muito pejorativa nos veículos de comunicação. A partir do momento em que se identificam outros elementos além dos problemas sociais, e que valorizam a comunidade, abre-se a possibilidade de perceber a realidade com outro olhar, numa perspectiva mais propositiva”, conta Daniela Araújo.


Educomunicação e comunicação comunitária
educomunicação tem o objetivo de descentralizar os processos comunicativos e, assim, ampliar os direitos de expressão e comunicação dos sujeitos.
comunicação comunitária é feita com participação social e elaborada para servir aos habitantes do território.


A partir da década de 2000, a organização se deparou com novas demandas e ampliou a sua atuação, oferecendo formação em outros tipos de mídia, como fotografia, diagramação e oficinas de texto, e assim criou, em 2003, o projeto Olho Vivo.

Com o objetivo de formar jovens entre 13 e 20 anos em técnicas de comunicação que evidenciem a realidade particular do bairro e deem voz à perspectiva de seus moradores, o projeto contempla atividades que envolvem a investigação do histórico e de notícias do território, oficinas técnicas e também a criação de um plano de ação.

A ideia é que, aprendendo a registrar e narrar os temas da comunidade, esses meninos possam desenvolver um olhar diferente sobre essa comunidade e que isso desperte neles um desejo de mudar a situação de vida.”

Daniela Araújo

Assista ao vídeo produzido por jovens do projeto, no âmbito das ações da Cobertura Jovem, assessorada pela Bem TV: Educação e Comunicação:

Os jovens do grupo de mídia participam de reuniões de pauta com os conselhos comunitários, produzem as matérias, diagramam o jornal, imprimem e distribuem os exemplares nas comunidades, enquanto os jovens do grupo de produção de web geram conteúdos e atualizam o site do projeto.

Além da formação técnica, a metodologia também prevê encontros semanais sobre a temática de juventude e cidadania. Ao longo de 12 anos, o projeto Olho Vivo já envolveu mais de 1.000 adolescentes e jovens em comunidades de Niterói e São Gonçalo.

Assista ao vídeo feito por participantes do projeto Olho Vivo sobre memórias da comunidade do Preventório, em Niterói:

Foi com a circulação de um jornal produzido nessas oficinas, o Palavra do Morro, que as práticas educomunicativas deixaram de ocupar apenas o espaço da comunidade e passaram a ser assimiladas em outros espaços fundamentais para a transformação de uma realidade local: as escolas.

“Foi o jornal impresso produzido nas oficinas do Olho Vivo que primeiro entrou nas escolas, e através dos próprios jovens. Começamos a produzir o jornal e, a partir daí, passamos a receber telefonemas de professores, falando que tinham usado o jornal para trabalhar com as questões do bairro. Fomos chamados pelas escolas para articular esse saber, esse conhecimento que estava sendo desenvolvido nas comunidades, fora do espaço formal de educação”, conta a coordenadora do projeto.

Assim nascia o projeto Educomunicar que, por meio de encontros presenciais e a distância, capacita professores de escolas públicas a usar a comunicação como prática pedagógica.

Passamos a trabalhar com os professores para que eles possam utilizar a mídia na sala de aula, empregando a comunicação não como ilustração, mas como parte do processo. O intuito é demonstrar como um professor, ao dar sua aula de Matemática, Física, Português etc., pode incluir tecnologias que são familiares à juventude, para que aquele conteúdo ganhe materialidade, visibilidade e um lugar de destaque na vida do jovem, que seja um estímulo para ele.”

Daniela Araújo

O Educomunicar deu origem a dois blogs, três jornais, três vídeos e uma rádio escolar, viabilizando processos de aprendizagem mais prazerosos e significativos para um conjunto de aproximadamente 5 mil estudantes do 1º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio, além da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Segundo Daniela, a aproximação com as escolas propiciou experiências importantes de articulação de saberes e atores interessados no objetivo de desenvolvimento integral dos participantes.

“Conforme a gente se aproximava da escola e a escola se envolvia com o projeto, todos os planejamentos tendiam para uma convergência, que era o desenvolvimento daquele menino. No trabalho com as escolas, a gente não está preocupado com que o vídeo saia com a melhor qualidade técnica possível – apesar de a gente querer que saia -, mas o importante é que, ao produzir um jornal, um vídeo, uma fotografia, o interesse pela pesquisa e pela busca esteja presente, porque na verdade nosso produto é esse processo e não a mídia em si”, explica.

“A tecnologia é uma mediação nesse processo, mas ela precisa ser associada a metodologias de participação e resgate histórico e de mobilização”

Daniela Araújo

Segundo a coordenadora, a tecnologia não deve ser pensada como salvação das escolas e dos professores, mas deve ser entendida como o meio para alcançar objetivos educativos e transformadores.

A organização também é pautada na perspectiva da escuta e de parcerias, que são construídas com base nas metodologias que articulam qualificação técnica e produção coletiva, objetivando aprendizagem e transformação.

“Temos muito cuidado ao entrar numa comunidade, seja escolar ou não. Considerar o contexto comunitário local é extremamente importante, porque é preciso entender a trajetória que foi feita até o momento, para se poder mudar essa realidade. A tecnologia é uma mediação nesse processo, mas ela precisa ser associada a metodologias de participação e resgate histórico e de mobilização”, reflete Daniela.

Teclas que transformam: “Nada para eles, sem eles”

Outro projeto que foi elaborado com base nas demandas do território e passou a utilizar recursos tecnológicos para defesa e garantia de direitos de crianças e adolescentes é o Teclas que transformam, realizado pela organização da sociedade civil Nisfram, em Sumaré (SP).

As atividades da Nisfram começaram em 2005, voltadas para crianças e jovens moradoras de região de vulnerabilidade em Sumaré. A primeira estratégia foi levar, por meio de parcerias, oficinas de informática e acesso a computadores conectados à internet, que eram raros na época.

Logo, percebeu-se que grupos de jovens surdos e com deficiência auditiva aproximaram-se e eram os que mais se atraíam pelas atividades. Assim, quase por acaso, a organização passou a desenvolver um trabalho pioneiro que associa cultura digital, práticas educativas e a participação de jovens com necessidades especiais.

Para Rosa Maria Góes da Silva, presidente da Nisfram, o objetivo de aproximar jovens – em especial aqueles com deficiência auditiva – da informática foi abrir outras possibilidades de vida, outras visões de mundo. “É importante mostrar que o mundo não é só as coisas feias que se falam da comunidade. Há possibilidades de ver e fazer outras coisas, principalmente com o uso da internet. É muito rico.”

Ela continua: “As escolas aqui não são de tempo integral, então a gente não consegue levar para lá as oportunidades que o projeto oferece. Mas os alunos, deficientes ou não, que passam por aqui recebem formação em mídias digitais, educação em Libras, que os ajudam a se desenvolver nas escolas”.

Atualmente são atendidos regularmente 80 crianças e jovens, 50 famílias, 22 surdos e 45 adultos, que participam de oficinas e cursos de cultura digital (animação em stop motion, internet, vídeo e fotografia), cinema (produção de filmes), informática básica, danças e ritmos, capacitação em Libras, empreendedorismo, robótica, leitura, contação de histórias, oferecidos de acordo com suas habilidades e conhecimentos prévios.

Para garantir que os deficientes auditivos estejam realmente incluídos, todos os participantes dos projetos passam pelo curso de Libras.

“Para reforçar a ação com eles, nós temos uma pedagoga que trabalha com cultura digital e que também é surda. Ela é formada em Pedagogia e é até um exemplo, porque a questão da deficiência não é um limite para ela. É surda desde os quatro meses de idade e dirige esse nosso projeto. É como diz o ditado: ‘nada para eles, sem eles’.”

Veja a animação em stop motion feita por alunos da organização durante as aulas de cultura:

Educação integral e tecnologias

Além de ações desenvolvidas por organizações da sociedade civil que trabalham com educação integral, o uso das novas tecnologias também está contemplado nas políticas públicas da área. O Programa Mais Educação, do governo federal, propõe às escolas a expansão da carga horária e também a ampliação de oportunidades educativas que promovam formações mais abrangentes e atualizadas para os alunos de hoje.

Dois dos macrocampos dessa política nacional são destinados a atividades que contemplam a aquisição desses novos conhecimentos e habilidades: uma prevê atividades de inclusão na cultura digital, e outra é voltada para práticas de educomunicação (elaboração de jornais, revistas, rádio, TV dentro das escolas). Saiba mais na reportagem “Educação, tecnologias e novas aprendizagens”, primeira parte do especial Educação Integral & Novas Tecnologias.


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