O Especial destaca a trajetória da alfabetização no Brasil, a partir do final do Império e início da República – momento em que a educação começa a ser sistematizada no país – até a sociedade atual e suas demandas de novas habilidades. Leia mais
Em uma sociedade em que a palavra escrita se torna cada vez mais central − como registro de fatos, dados, acervo da memória, das tradições culturais, matéria de criação artística, meio de atuação política, transformação (ou manutenção) da realidade −, garantir o direito à leitura do mundo por meio da palavra escrita (e vice-versa) é um percurso em direção à participação mais autônoma e crítica em todas as esferas da vida pública.
Ouça o poema traduzido por Magda Soares.
“O que é letramento”, poema de Kate M. Chong, 1996, traduzido e adaptado por Magda Soares em Letramento: um tema em três gêneros. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 41-43. Leitura de Maria Imaculada Pereira.
O Especial Das primeiras letras aos multiletramentos: caminhos na história brasileira propõe a discussão de tendências e práticas acerca do ensino-aprendizagem de leitura e escrita a partir do final do Império e início da República − momento em que a educação no país começa a ser sistematizada −, até os dias de hoje.
No atual cenário de mídias digitais, a retomada desse percurso histórico busca potencializar a formação crítica dos educadores e dinamizar o ensino-aprendizagem realizado nas diversas regiões do país. Com base nesse diálogo entre a tradição e o novo, pretende-se traçar, analisar e discutir os caminhos da alfabetização e do letramento no país, a fim de colaborar com a busca de universalização da alfabetização e do letramento e o combate às desigualdades socioeconômicas, que tendem a traduzir-se em desigualdades escolares.
Neste Especial, apresentam-se aspectos políticos, conceituais e pedagógicos em linhas que se entrecruzam, a fim de representar a complexidade dessa história. Boa viagem!
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As Cartas do ABC eram produzidas por professores para o ensino das primeiras letras. Muito utilizadas no final do Império, empregavam o método mais antigo da alfabetização, conhecido como alfabético, ou da soletração (sintético), que toma como unidade de estudo o nome de cada letra e utiliza a soletração para decifrar a palavra. Valorizando a grafia, essas cartas apresentavam o alfabeto escrito de várias formas.
O ensino se iniciava pelas letras do alfabeto (maiúsculas e minúsculas; de imprensa e manuscritas), depois apresentava segmentos de um, dois e três caracteres, em ordem alfabética (a-é-i-ó-u, ba-bé-bi-bó-bu, ai-ei-oi-ui, bai-bei-boi-bui etc.) e, por fim, palavras com sílabas separadas por hífen (An-tão, A-na, A-mar; Ben-to, Bri-tes, Bus-car, Ba-ter etc.).
Este material foi utilizado até 1956, data da 107ª edição, o que atesta a larga utilização do método empregado nele.
RODRIGUES, João José. Cartas systematicas para aprender a ler. Recife: Livraria Francesa, 1867
A Cartilha da Infância, escrita por Thomaz Galhardo no início da década de 1880, adotava o método da silabação, visto por seu autor como o mais adequado para o “estado atual do ensino primário em nosso país”.
Considerando esse método como o meio-termo entre o “antigo ou da soletração” e o “moderníssimo ou da palavração”, Galhardo (1939, apud MORTATTI, M. R. Os sentidos da alfabetização – São Paulo 1876-1994. São Paulo: Ed. Unesp, 1999) postulava que:
com êste sistema [da silabação] não se deve consentir que as crianças soletrem, senão que pronunciem as sílabas, reunindo-as após para a formação dos vocábulos, cuja significação, embora sabida por vulgar, será dada pelo professor.
O método João de Deus, apresentado na Cartilha Maternal João de Deus (1ª edição de 1876), conhecida também como Cartilha Arte da Leitura, foi criado pelo poeta português João de Deus para alfabetizar suas filhas.
Divulgada no Brasil por Antonio da Silva Jardim, a Cartilha Maternal foi incorporada pela Escola Normal de São Paulo em 1883. A partir daí, seu método passou a ser adotado principalmente nas províncias de São Paulo e do Espírito Santo.
A Cartilha Maternal apresenta o método analítico da palavração, considerado revolucionário na época, em que o método mais adotado era o da soletração, seguido da silabação (sintéticos).
A Cartilha Sodré, publicada pela primeira vez em 1948, seguia um método próprio, criado pelos professores Abel de F. Sodré e Benedicta Sthal Sodré: o método Sodré, ou da alfabetização rápida.
O processo era considerado rápido por introduzir a aprendizagem das sentenças, palavras e sílabas, sem período preparatório.
Baseava-se no método fônico, embora se diferenciasse dele por abordar o som das sílabas e não o das letras isoladamente.
Na primeira parte da cartilha, parte-se da sentença (“A pata nada”), sem buscar o sentido desta, pois o objetivo é o aprendizado da sílaba. Na primeira lição, todas as sílabas apresentadas são formadas pela vogal a e as demais lições obedecem à mesma sequência didática, baseada no treino e cópia das sílabas em estudo.
O método empregado na cartilha Caminho Suave, de Branca Alves de Lima (1ª edição de 1948), une o processo analítico ao sintético. O ensino começa pelas vogais, forma encontros vocálicos e parte para a silabação.
Sua peculiaridade era associar imagens e letras, com o objetivo de facilitar o aprendizado (a letra a é escrita no corpo de uma abelha, a letra b, na barriga de um bebê, a v compõe os chifres de uma vaca...). Em razão dessa estratégia, criada pela própria autora, tornou-se conhecida como "alfabetização pela imagem”.
Segundo o Centro de Referência Mário Covas, calcula-se que, até a década de 1990, a cartilha vendeu 40 milhões de exemplares.
A cartilha Onde está o patinho? (1ª edição 1955), de Cecília Bueno dos Reis Amoroso (professora de Metodologia e Prática do Ensino Primário da Escola Normal), aplicava o método global de contos, ou de historietas.
Embora acabasse levando à sistematização silábica, tratava-se de uma inovação na década de 1950, quando predominava o método fônico, que partia da pronúncia das letras (bê-á-bá).
A Casinha Feliz, lançada em três volumes no ano de 1963 pelo MEC/Inep por iniciativa de Anísio Teixeira, baseia-se no método criado nos anos de 1950 pela professora pernambucana Iracema Meireles. Essa cartilha é, ao lado do método da abelhinha (criado em 1965 pelas professoras Alzira S. B. da Silva, Lúcia M. Pinheiro e Risoleta F. Cardoso) um marco do método fônico no Brasil.
Esse método partia da menor unidade da fala, o fonema, e sua representação gráfica, iniciando pelas vogais, depois pelas consoantes, e apresentando as ligações entre elas, em ordem crescente de complexidade.
Atualmente, observa-se a “retomada entusiástica” do método fônico como contraponto às abordagens mais focadas nas práticas de letramento. (MORTATTI, M. R. (“Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações entre políticas públicas e seus sujeitos privados”. ANPEd. Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 44, maio-ago. 2010.)
A coleção Letra Viva, elaborada pelo Cenpec, decorreu de um material didático criado para o Programa de Leitura e Escrita, dirigido a professores e alunos de escolas públicas. Ao longo de três anos, o material foi utilizado por cerca de 30 classes de alfabetização de escolas estaduais e municipais de São Paulo, Osasco e Carapicuíba.
Em 1994, o material foi editado e publicado com o título Letra Viva, e, no ano seguinte, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria de Melhor Livro Didático; foi recomendado no Guia de Livros Didáticos, do MEC.
Em 2000, o livro passou por uma nova revisão para se adaptar às normas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e ganhou o título Novo Letra Viva.
O material tinha como objetivo aprimorar o processo de alfabetização na escola pública e desenvolver material de apoio para professores e alunos em uma abordagem sociointeracionista.
O material didático Aprender pra valer! (alunos) e Ensinar pra valer! (professores), para 1as a 4as séries, foi elaborado no escopo do projeto Aceleração de Aprendizagem do Cenpec, em 1996. Trata-se de uma proposta metodológico-curricular para a melhoria da aprendizagem de alunos do Ensino Fundamental com defasagem idade-série. Inicialmente, foi desenvolvido para as classes de aceleração da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. A proposta foi considerada inovadora porque partia do princípio de que os conteúdos curriculares não são exclusivos de uma série determinada. Eles foram reagrupados em unidades e eixos temáticos, com base em sua abrangência, relevância e adequação ao universo cultural dos estudantes.
Além disso, a proposta não implicava rebaixar expectativas, mas sim incluir todos os alunos, criando condições favoráveis e uma nova sistemática de avaliação. Dessa forma, buscava-se tornar o contexto escolar estimulante para favorecer o processo de aprendizagem e transformar crianças, antes alheias à cultura escolar, em alunos motivados, ativos, com bom rendimento e, sobretudo, confiantes na própria capacidade de aprender.
Para conhecer o material, clique aqui.
O Guia de Livros Didáticos é publicado pelo MEC como parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), para subsidiar o trabalho dos professores por meio da distribuição de livros didáticos aos alunos da educação básica da rede pública. Os livros indicados no Guia PNLD são os aprovados em uma avaliação criteriosa feita por universidades públicas federais. Nessa avaliação, excluem-se obras com erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo. O guia é encaminhado às escolas, que escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles mais adequados ao seu projeto político pedagógico.
O PNLD, instituído em 1985 pelo Decreto nº 91.542, ocorre em ciclos de três anos alternados por segmento: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental ou ensino médio. À exceção dos livros consumíveis, os livros distribuídos deverão ser conservados e devolvidos para utilização por outros alunos nos anos subsequentes.
O Programa também atende aos alunos da educação especial, a quem são distribuídas obras didáticas em Braille de língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia e dicionários.
A Cartilha do Operário - para o ensino da leitura, pela processuação do méthodo analítico, aos adolescentes e adultos foi elaborada por Theodoro de Moraes, professor da Escola Normal de São Paulo, foi pioneira na alfabetização de adultos no país. Indicada para adoção nas escolas públicas de São Paulo em 1921, teve uma segunda edição em 1924, um período em que se registrava 71,7% da população paulista entre 7 e 12 anos sem escola.
Em dissertação de mestrado sobre essa cartilha, Andressa C. Barboza (Faculdade de Educação da USP), afirma que sua organização editorial, estampas e textos revelam a preocupação em contemplar temáticas do universo do adulto operário, o que não se verifica na Cartilha do Povo, publicada posteriormente.
A Cartilha do Povo, do educador republicano Manoel Lourenço Filho (um dos fundadores do movimento da Escola Nova), foi editada pela primeira vez em 1928. Teve ampla adoção nas escolas, como prova o número de edições (a última, 2.204ª edição, data de 1994).
No prefácio da 116ª edição (1939), o autor explicita que sua cartilha é destinada à alfabetização de crianças e adultos de forma mais simples, ou seja, não adotada metodologia específica para o público adulto.
De pé no chão também se aprende a ler foi uma adaptação para o Rio Grande do Norte do Livro de Leitura para Adultos elaborado por Josina Maria Lopes de Godoy e Norma Porto Carreiro Coelho e impresso em 1962. Esse livro foi elaborado no escopo do Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), entre 1960 e 1964, durante a gestão de Miguel Arraes como prefeito da capital de Pernambuco.
Segundo Osmar Fávero (Faculdade de Educação da UFF, RJ), esse material rompeu inteiramente com os materiais anteriores voltados à alfabetização de adultos no país. Influenciado pelo material da Cuba pós-revolução, o Livro de leitura para adultos buscava inserir o educando no mundo da escrita por meio de lições que tivessem relação direta com seu contexto sociocultural e político. Foi no MCP que Paulo Freire e sua esposa, a alfabetizadora Elza Freire, iniciaram práticas que desenvolveriam na cidade de Angicos (RN), em 1963, lançando as sementes de sua obra de educação popular.
Além do livro, a educação de adultos do MCP envolvia a criação de escolas de rádio, com programação elaborada pelos próprios alunos e divulgadas em rádios locais.
A proposta de alfabetização de adultos de Paulo Freire (1921-1997) foi aplicada sistematicamente em 1962, na cidade de Angicos (RN), onde, nos chamados círculos de cultura, Freire alfabetizou 300 cortadores de cana em apenas 40 horas de aula ao longo de 45 dias. Freire criticava o ensino tradicional de leitura e escrita, baseado em cartilhas baseadas na repetição de palavras ou frases descontextualizadas da realidade dos alfabetizandos.
Paulo Freire parte do que chamava de palavra geradora, selecionada pelo professor do universo vocabular dos aprendizes, conforme alguns critérios, como relação com múltiplas questões sociais presentes naquela comunidade (possibilitando discussões que levem à conscientização e à criticidade sobre sua condição), e complexidade fonêmica crescente (quantidade de sílabas, variedade de fonemas que envolvam dificuldades da língua, possibilidade de levar a outras palavras geradoras). Nessa concepção, o ensino-aprendizagem da língua escrita vai além da apreensão do código, já que o contexto social e político são parte essencial desse processo.
Entre junho de 1963 e março de 1964, desenvolveram-se cursos de capacitação de coordenadores em várias capitais. No início de 1964, estava prevista a formação de 20 mil círculos de cultura para dois milhões de analfabetos. No entanto, o Golpe militar interrompeu os trabalhos e reprimiu a mobilização popular em torno deles. Paulo Freire foi preso e exilado para o Chile.
Em 1967, durante o exílio, publicou seu primeiro livro, Educação como prática da liberdade, em que esmiúça seu método de alfabetização de adultos, contextualizando-o historicamente e expondo seus fundamentos filosóficos e políticos.
No contexto dos movimentos da educação popular que nasceram na década de 1960, foi aprovado, em 1964, o Plano Nacional de Alfabetização, orientado pela proposta pedagógica de Paulo Freire. No entanto, com a deflagração do golpe militar, em abril do mesmo ano, toda aquela efervescência foi reprimida e o Plano, substituído pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), em 1967.
Metodologicamente, utilizava-se de palavras geradoras (um ponto em comum com Paulo Freire), porém, esvaziadas de abordagem crítica. Além disso, o fato de o material ser o mesmo em todo o território nacional contrariava o preceito da Educação Popular de partir do universo vocabular e das peculiaridades socioculturais do educando no processo de alfabetização.
Em 1971, com a reforma do ensino, o Mobral ganhou a feição de ensino supletivo. Embora tenha sido aplicado por todo o país, o movimento não atingiu sua meta de erradicar o analfabetismo até o fim da década. Em 1985, com a redemocratização, foi extinto e substituído pela Fundação Educar.
A Cartilha Poronga foi um material didático de alfabetização de EJA (Educação de Jovens e Adultos) elaborado no bojo do movimento social dos seringueiros de Xapuri, no Acre, liderado por Chico Mendes.
A cartilha foi criada em 1981, em parceria com o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) – precursor da Ação Educativa –, coordenada por Sérgio Haddad. O material adota preceitos da proposta de Paulo Freire para a alfabetização, como o levantamento de palavras e temas geradores do universo vocabular e cultural dos estudantes.
Poronga, nome escolhido pelos próprios trabalhadores, é a lanterna que o seringueiro leva na testa para caminhar na floresta de madrugada. Calcula-se que cerca de mil pessoas tenham sido alfabetizadas com essa cartilha na região.
O material didático Viver, Aprender foi produzido em 1998 pela ONG Ação Educativa (AE) em parceria com o MEC, respondendo a uma demanda gerada pela divulgação de Educação de jovens e adultos: proposta curricular para o 1o segmento do ensino fundamental, desenvolvida dois anos antes pela AE e distribuída nacionalmente pelo MEC com o apoio da UNESCO.
Desde 1980, a instituição já vinha se dedicando a subsidiar pedagogicamente e produzir materiais didáticos para programas de educação popular e EJA ligados a movimentos sociais, sindicatos e sistemas públicos de ensino, como a Cartilha Poronga (1981) e O ribeirinho (1984), que integraram projetos educativos de grupos populares da Amazônia, e Ler, escrever, contar (1988), sobre a experiência junto a movimentos de saúde em Diadema (SP).
Todos esses materiais foram elaborados experimentalmente e aperfeiçoados a partir das sugestões das educadoras que os utilizaram.
O Guia PNLD-EJA integra o Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA), criado pela Resolução nº 51/2009 do MEC. Esse programa incorporou o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA), incluindo o primeiro e o segundo segmentos de EJA, que correspondem aos anos iniciais e finais do ensino fundamental. Seu objetivo é selecionar e distribuir obras e coleções de qualidade para alfabetizandos do Programa Brasil Alfabetizado e estudantes da EJA das redes públicas de ensino.
Com esse programa o MEC busca fomentar a produção de obras didáticas que apresentem projetos gráfico-editoriais de qualidade e propostas pedagógicas adequadas às diretrizes educacionais da EJA, não se limitando à redução de conteúdos da educação básica regular.
A primeira lei geral brasileira relativa ao ensino primário, conhecida como lei das escolas de primeiras letras, aprovada em 1827, determinava que a instrução seguiria o método do ensino mútuo (lancasteriano). Este foi o primeiro método de ensino oficialmente implementado no Brasil, logo após a declaração de sua independência.
Segundo essa lei, os professores deveriam ser treinados no método lancasteriano nas capitais das respectivas províncias, às expensas dos próprios ordenados (MOACYR, Primitivo. A Instrução e o Império: subsídios para a História da Educação no Brasil, v. 1 (1823-1853). São Paulo: Editora Nacional, 1936). A lei não fazia referência a que manual utilizar, mas recomendava como livros de leitura a Constituição brasileira e os livros de história do Brasil.
Em 1834, com a aprovação do Ato Adicional à Constituição Imperial de 1823, promoveu-se a descentralização do ensino elementar. Este ficou sob a responsabilidade das províncias, que também deveriam encarregar-se da formação de seus professores.
Aplicação do método Lancaster de ensino mútuo.
Gravura de Giovanni Migliara, 1960. Museo nazionale del Risorgimento, Torino, Itália/Wikimedia Commons
No Brasil, a metodização do ensino da língua escrita remonta ao final do séc. XIX, com as primeiras cartilhas que circulavam pelo país. Essas cartilhas, a maioria elaborada por professores fluminenses e paulistas, empregavam os métodos da “marcha sintética”, da parte para o todo: da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação, partindo das sílabas.
Com a proclamação da República, que determinava o ensino laico, público e universal, a capacidade de ler e escrever era apresentada, no discurso oficial, como imperativo para a modernização do país.
Nesse contexto, espelhando os estudos linguísticos mais avançados na época, institucionalizou-se o método analítico de alfabetização, aplicado na Escola-Modelo Anexa à Escola Normal de São Paulo e levado pelos professores formados nessa instituição para outras regiões do país.
O método analítico, influenciado pela pedagogia norte-americana e sua concepção de como a criança apreende o mundo, propõe que se parta do todo (palavra, sentença, historieta) para as partes (letra, sílaba, palavra). Muitos dos manuais utilizados eram importados (como a Cartilha Maternal, do poeta português João de Deus), outros eram criados pelos próprios professores brasileiros (como a Cartilha Analytica, de Arnaldo Barreto, de 1907).
Proclamação da República – Quadro de Benedito Calixto.
Óleo sobre tela, 123,5 x 200 cm – 1893. Pinacoteca de São Paulo (SP).
Até o Censo de 1940, considerava-se alfabetizado aquele que declarava saber ler e escrever: capacidade de escrever o próprio nome.
Já no Censo de 1950, o alfabetizado passa a ser considerado como aquele que sabe escrever um bilhete simples: capacidade de exercer uma prática de leitura e escrita.
SOARES, Magda B. “Letramento e alfabetização: as muitas facetas”. Revista Presença pedagógica. Belo Horizonte: Dimensão, maio/jun. 2008, v. 14, n. 81. p. 22-37.
O conceito de alfabetismo funcional está relacionado ao critério de anos de escolarização, adotado até hoje pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Para Magda Soares, isso evidencia, na época, uma progressiva, ainda que cautelosa, extensão do conceito de alfabetização para o de letramento.
A definição sobre o que é analfabetismo vem sofrendo revisões significativas, como reflexo de mudanças sociais: urbanização, escolarização, aumento das exigências relacionadas ao uso da escrita decorrentes do mundo do trabalho, avaliações externas do desempenho dos estudantes em relação ao aprendizado da língua escrita, entre outras.
Em 1958, a UNESCO definia como alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever um enunciado simples, relacionado a sua vida diária. Duas décadas depois, a organização sugeriu a adoção dos conceitos de analfabetismo e alfabetismo funcional. É considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de utilizar a leitura e escrita para responder às demandas de seu contexto social, e continuar aprendendo e se desenvolvendo.
Nos anos de 1990, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional, tomando como base não a autoavaliação dos respondentes mas o número de séries escolares concluídas: são analfabetas funcionais as pessoas com menos de 4 anos de escolaridade.
Em 2001, a Pesquisa Nacional sobre o Alfabetismo Funcional, realizada pelo Instituto Paulo Montenegro, uma amostra nacional com 2000 pessoas de 15 a 64 anos. Na metodologia da pesquisa, foi aplicado um teste para verificar as habilidades de leitura e escrita dos respondentes, além de serem coletadas informações sobre os usos dessas habilidades em contextos variados: doméstico, do trabalho etc. Por fim, registraram-se as opiniões dos pesquisados sobre suas capacidades e disposições em relação à leitura e a escrita.
INSTITUTO Paulo Montenegro/ AÇÃO Educativa. Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional:
um diagnóstico para a inclusão social pela educação. São Paulo, 2001.
Criado pelo IBOPE no ano 2000, o Instituto Paulo Montenegro (IPM) é uma entidade sem fins lucrativos voltada para a elaboração de projetos na área de educação.
Um de seus objetivos é a realização de uma pesquisa anual sobre o alfabetismo funcional para subsidiar a criação e manutenção do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf).
Para viabilizar o projeto, o IPM firmou parceria com a Ação Educativa, ONG com reconhecida experiência em educação.
Embora devam ser comemorados os avanços em relação, entre outros indicadores, à queda da taxa de analfabetismo absoluto em nível nacional (de 11,6 em 2003 a 9,7 em 2009, segundo Pnad/IBGE), o cenário educacional brasileiro ainda se defronta com problemas estruturais graves e desigualdades socioeconômicas nas quais se destaca o acesso à palavra escrita, tornando ainda mais patente a premência do debate.
Neste cenário, o Plano Nacional de Educação 2011-2020 estabelece entre suas metas “elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5 até 2015, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional até o final da década”.
Uma das ações do governo federal para isso foi a criação, em 2012, do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Pnaic, que coloca como marco final para a alfabetização escolar a idade de 8 anos, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. Esse pacto, que envolve o governo federal, o Distrito Federal, todas as unidades da Federação e 5.393 municípios, prevê o atendimento de mais de 7 milhões de estudantes e, como estratégias, a distribuição e livros didáticos, bolsas de estudo e formação de alfabetizadores, orientadores de estudo e coordenadores, em parceria com universidades públicas.
Conheça os Elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do ensino fundamental e o Caderno Currículo na Alfabetização (Concepção e princípios), elaborados pelo MEC/SEB.
Conforme aponta a historiadora e professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Luiza Marcilio (“O bê-á-bá no caos”), uma característica da educação primária pública da época era
a falta de método de ensino, ou melhor, a prevalência do método “individual”. O professor atendia a seus alunos um por um, ensinando-lhes de acordo com o seu nível de aprendizado. Enquanto atendia um, os demais ficavam sem ter o que fazer. Daí a anarquia, a indisciplina. Para manter alguma ordem, o professor só conhecia a arma dos castigos físicos, particularmente a palmatória. Nessas condições, a alfabetização e o ensino primário resumiam-se no seguinte, como descrevia em 1839 um professor da escolinha de Santa Ifigênia, na cidade de São Paulo: “gastará o mestre o tempo que for necessário, de forma que fique o discípulo pronto, sabendo ler perfeitamente, sabendo escrever com boa forma de letra e segundo as regras da ortografia, sabendo não somente as quatro operações de aritmética mas também os problemas ordinários da caixaria e contas mercantis, além dos conhecimentos da doutrina cristã”. Era tudo. O processo de alfabetização poderia durar meses, até anos. E, assim mesmo, poucos foram os alunos declarados “prontos” pelos professores.
Para Antonio Viñao Frago, professor de Teoria e História da Educação na Faculdade de Educação da Universidade de Múrcia, Portugal, outra característica do ensino da época era a separação entre leitura e escrita. Até o século XIX era bastante comum saber ler e não escrever. A pesquisadora francesa Anne-Marie Chartier, em artigo publicado na coletânea Alfabetização no Brasil: uma história de sua história, afirma: “é impossível ensinar a escrever às crianças: o papel é caro, as plumas de ganso muito difíceis de manipular. Em meios populares, a escrita é útil apenas aos filhos de comerciantes que devem saber manter um livro de conta. Para todos os outros, será ‘ler somente’”. A soletração foi a estratégia adotada para responder a essa dissociação entre leitura e escrita, como mostra o diálogo escolar de 1624 registrado pelo jornalista inglês William Coote:
John: Como você escreve “pessoa” ?
Robert: Eu não sei escrever.
John: [...] quando eu digo “escrever” eu quero dizer “soletrar” [...]
Robert: Então eu respondo: “p,e,s,s,o,a”.
A professora Maria do Rosário Mortatti (Unesp/Marília-SP), que se dedica a estudar a alfabetização na história brasileira, vê como dialético o processo de emergências e imergências de políticas e práticas nessa questão. Assim, percebe-se a recorrência de discursos oficiais em que um novo sentido e método de alfabetização, apresentado como “solução” ao problema do analfabetismo, se sobrepõe ao chamado “tradicional”, considerado ultrapassado.
Mas a hegemonia de um discurso, de um sentido e de um método da alfabetização não significa que se torna único e livre de oposições. Ao contrário, em cada momento histórico, verificam-se, na contramão do discurso oficial, formas de resistência materializadas no emprego velado de métodos e práticas alfabetizadoras consideradas ultrapassadas.
No artigo “Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações entre políticas públicas e seus sujeitos privados”, Mortatti chama de “querela dos métodos” essas disputas políticas em torno dos métodos de ensino inicial da língua escrita.
Uma forma de classificar os métodos de alfabetização é a que os separa em:
Alfabetização no Brasil: uma história de sua história
Esta coletânea de artigos e ensaios, organizada pela professora Maria do Rosário L. Mortatti, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília, reflete sobre como a alfabetização tem sido desenvolvida no Brasil ao longo de sua história.
Os textos, escritos por pesquisadores de universidades públicas de vários estados brasileiros, foram apresentados no I Seminário Internacional sobre História do Ensino de Leitura e Escrita, realizado em 2010 na Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília.
Em meados da déc. 1920, com a Reforma Sampaio Dória, que propunha, entre outras medidas consideradas revolucionárias, a “autonomia didática”, acirraram-se os conflitos entre os defensores do método sintético e os do método analítico.
Nesse período emergem novas propostas de metodização, entre elas tentativas de conciliação entre as duas correntes: os chamados métodos ecléticos ou mistos. Verifica-se a relativização da importância dos métodos e, em alguns estados, o crescimento do método global de contos. Assim, como afirma Maria do Rosário Mortatti, o período de 1930 a 70 é caracterizado pela “alfabetização sob medida”.
O método global de contos, ou de historietas, que se propagou do final da década de 1930 até a década de 1970, partia de textos com sentido completo, sobre tema estimulador do universo infantil. Outra peculiaridade era seu desenvolvimento em cinco fases: fase do conto ou historieta, fase da sentenciação, fase da porção de sentido, fase da palavração e fase da silabação.
Leia mais em: MACIEL, Francisca Izabel Pereira. Lúcia Casasanta e o método global de contos: uma contribuição à história da alfabetização em Minas Gerais. FAE/UFMG, 2001. (Tese de doutorado.)
Na década de 1980, a perspectiva psicogenética da aprendizagem da língua escrita (influenciada pelo cognitivismo de Piaget), divulgada no Brasil pela psicolinguista argentina Emilia Ferreiro com a designação de construtivismo, mudou profundamente as bases e os objetivos da alfabetização.
Um dos aspectos fundamentais modificados foi a concepção do processo pelo qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um sistema de representação gráfica dos sons da fala.
Por um lado, essa perspectiva apagou a distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita; por outro, revelou a importância da interação intensa e diversificada da criança com práticas e materiais reais de leitura e de escrita.Trailer do DVD Psicogênese da língua escrita e a didática – Coleção Emilia Ferreiro
Univesp TV – Alfabetização e a perspectiva histórico-cultural
Nas décadas de 1990 e 2000, passou-se a adotar o paradigma sociocultural (socioconstrutivismo ou interacionismo), que, para Magda Soares, representa um aprimoramento conceitual do cognitivismo.
Este paradigma baseia-se nas ideias do psicólogo soviético Lev Vygotsky (1896-1934), cuja teoria reserva um papel central para a linguagem e a interação social como mediação no desenvolvimento psíquico humano. Nesse sentido, a escola e o professor são considerados agentes indispensáveis nesse desenvolvimento e na transmissão da herança cultural da humanidade.
Em seu artigo “Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos”, Magda Soares busca esclarecer e relacionar os conceitos de alfabetização e letramento, e com base nisso encontrar explicações para os “caminhos e descaminhos” no ensino inicial da língua escrita.
Como consequência de o construtivismo ter evidenciado processos espontâneos de compreensão da escrita pela criança, ter condenado os métodos que enfatizavam o ensino direto e explícito do sistema de escrita e, sendo fundamentalmente uma teoria psicológica, e não pedagógica, não ter proposto uma metodologia de ensino, os professores foram levados a supor que, a despeito de sua natureza convencional e frequentemente arbitrária, as relações entre a fala e a escrita seriam construídas pela criança de forma incidental e assistemática, como decorrência natural de sua interação com numerosas e variadas práticas de leitura e de escrita, ou seja, através de atividades de letramento, prevalecendo, pois, estas sobre as atividades de alfabetização.
É sobretudo essa ausência de ensino direto, explícito e sistemático da transferência da cadeia sonora da fala para a forma gráfica da escrita que tem motivado as críticas que atualmente vêm sendo feitas ao construtivismo, e é ela que explica por que vêm surgindo, surpreendentemente, propostas de retorno a um método fônico como solução para os problemas que vimos enfrentando na aprendizagem inicial da língua escrita pelas crianças.
A seguir apresentamos discussões atuais em torno da alfabetização e do letramento: a garantia a todos do direito ao acesso ao mundo letrado; o ensino da língua escrita com a entrada de crianças de 6 anos no Ensino Fundamental; letramentos e multiletramentos na cibercultura; propostas de articular o ensino do sistema alfabético às práticas sociais relacionadas à escrita.
Ouça o que a linguista Roxane Roxo (Unicamp) fala sobre os multiletramentos e o papel da escola na cibercultura.
Neste artigo, último capítulo do livro Cultura escrita e letramento, organizado por Marildes Marinho e Gilcinei Teodoro Carvalho (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010), Carla Coscarelli alerta para a necessidade de a escola ajudar os estudantes a desenvolver competências e habilidades importantes para o letramento digital em uma época em que o uso dos computadores é cada vez mais intenso na sociedade.
Para a autora, além de os textos não serem mais essencialmente verbais, hoje é muito mais acessível criar e publicar textos que envolvem diferentes. No entanto, a autora considera essas mudanças como uma ampliação das possibilidades de expressão e comunicação, não uma das bases teóricas do texto. “Alfabetizar letrando não é ensinar a lidar apenas com livros e cadernos”, afirma.
Neste livro (São Paulo: Melhoramentos, 2012), o professor doutor em psicologia do CEEL-UFPE, Artur Gomes de Moraes identifica as especificidades e inter-relações da alfabetização e do letramento. Defendendo uma metodologia de orientação cognitivista, pressupõe que a escrita alfabética é um sistema notacional, não um código, e como tal seu aprendizado envolve o desenvolvimento de conceitos, o que é desconsiderado pelos métodos de alfabetização tradicionais.
Recomendando que "não massacremos nossos alunos com os treinos fonêmicos que os velhos métodos fônicos tratam como requisito para a alfabetização”, o autor propõe o ensino sistemático da escrita aliado à vivência de práticas e situações reais de leitura e escrita.
Alfabetização e letramento – processos distintos mas articulados.
Alfabetização: processo de aquisição da língua (oral e escrita).
Letramento: processo de desenvolvimento do uso da língua (oral e escrita) nas práticas sociais que a envolvem.
Embora no Brasil a definição dos dois conceitos muitas vezes não seja clara, eles se distinguem tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em relação aos processos cognitivos e linguísticos de ensino-aprendizagem.No entanto, segundo Magda Soares (2004), dissociar alfabetização e letramento no processo de ensino-aprendizagem
é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos.
(Adaptado de: SOARES, Magda B. “Letramento e alfabetização: as muitas facetas” . ANPEd. Revista Brasileira de Educação, jan.-abr. 2004, n. 25.)
... é preciso diferenciar um processo de aquisição da língua (oral e escrita) de um processo de desenvolvimento da língua (oral e escrita); este último é que, sem dúvida, nunca se interrompe. Não parece apropriado, nem etimológica nem pedagogicamente, que o termo alfabetização designe tanto o processo de aquisição da língua escrita quanto o processo de seu desenvolvimento: etimologicamente, o termo alfabetização não ultrapassa o significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever; pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfabetização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar.
SOARES, Magda B. “As muitas facetas da alfabetização”. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n. 52, fev. 1985.
O processo de aquisição da língua escrita tem sido estudado por diferentes ciências, que enfocam facetas variadas mas integrantes dessa aprendizagem. Magda Soares (“Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos”. Revista Pátio, n. 29, fev. 2004) comenta algumas delas:
Cada uma dessas facetas exige abordagens e metodologias diferentes, que devem ser necessariamente articuladas no processo de aquisição da língua escrita.
(al.fa.be.ti.za.ção) sf.
1. Ação ou resultado de alfabetizar, de ensinar a ler e escrever: a alfabetização de adultos
2. Restr. Pedag. Aprendizado e desenvolvimento da capacidade do uso da escrita.
Disponível em: http://aulete.uol.com.br.
No Brasil, o termo alfabetização começou a ser usado no início do período republicano, quando com a regulamentação do sistema escolar público. Até então, o ensino inicial da leitura e da escrita era denominado primeiras letras.
A alfabetização diz respeito ao conhecimento do sistema grafofônico (que representa graficamente sons da fala) e o desenvolvimento das habilidades de decodificá-lo (ler) e codificá-lo (escrever).
Assim, trata-se do aprendizado inicial da língua escrita. No entanto, o ingresso efetivo no mundo letrado vai além da aquisição mecânica do sistema: envolve atribuir significados aos textos e participar das práticas que envolvem a escrita nos mais diferentes contextos.
Tanto naquela [final do século XIX] como em nossa época, a alfabetização é apresentada como um dos instrumentos privilegiados de aquisição de saber e, portanto, de esclarecimento das “massas”. Torna-se, assim, necessário implementar o processo de escolarização das práticas culturais da leitura e escrita, entendidas, do ponto de vista de um certo projeto neoliberal, como fundamentos de uma nova ordem política, econômica e social. Desse modo, problemas educacionais e pedagógicos, especialmente os relativos a métodos de ensino e formação de professores, passam a ocupar não apenas educadores e professores mas também administradores, legisladores e intelectuais de diferentes áreas do conhecimento.
MORTATTI, Maria do Rosário. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Ed. Unesp/Conped, 2000.
A professora e pesquisadora Magda Soares, em “Alfabetização e Letramento: caminhos e descaminhos”, explica que o conceito e a palavra letramento entraram há pouco mais de duas décadas na educação e na linguística.
Seu surgimento pode ser interpretado como decorrência da necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico, nível de aprendizagem da língua escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de alfabetização. Esses comportamentos e práticas sociais de leitura e de escrita foram adquirindo visibilidade e importância à medida que a vida social e as atividades profissionais tornaram-se cada vez mais centradas na e dependentes da língua escrita, revelando a insuficiência de apenas alfabetizar – no sentido tradicional – a criança ou o adulto. Em um primeiro momento, essa visibilidade traduziu-se ou em uma adjetivação da palavra alfabetização – alfabetização funcional tornou-se expressão bastante difundida – ou em tentativas de ampliação do significado de alfabetização/alfabetizar por meio de afirmações como “alfabetização não é apenas aprender a ler e escrever”, “alfabetizar é muito mais que apenas ensinar a codificar e
decodificar”, e outras semelhantes. A insuficiência desses recursos para criar objetivos e procedimentos de ensino e de aprendizagem que efetivamente ampliassem o significado de alfabetização, alfabetizar, alfabetizado, é que pode justificar o surgimento da palavra letramento [...]. Entretanto, provavelmente devido ao fato de o conceito de letramento ter sua origem em uma ampliação do conceito de alfabetização, esses dois processos têm sido frequentemente confundidos e até mesmo fundidos. Pode-se admitir que, no plano conceitual, talvez a distinção entre alfabetização e letramento não fosse necessária [...]; no plano pedagógico, porém, a distinção torna-se conveniente, embora também seja imperativamente conveniente que, ainda que distintos, os dois processos sejam reconhecidos como indissociáveis e interdependentes.
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002.
Ângela Kleiman: letramento envolve, além do impacto social, as práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em que elas ocorrem.
Leda Tfouni: letramento é o impacto social e histórico da escrita em uma sociedade.
Em ambas, o núcleo do conceito de letramento está nas “práticas sociais de leitura e escrita, para além da aquisição do sistema de escrita, ou seja, para além da alfabetização.”
Magda Soares: letramento é estado ou condição de quem “exerce as práticas de leitura e escrita, de quem participa [de forma ativa e competente] de eventos em que a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e do processo de interpretação dessa interação – os eventos de letramento”.
AGUIAR, M. A. L. “História da alfabetização: indícios para a compreensão do presente”. 15º Congresso de Leitura do Brasil − COLE. Campinas (SP): Unicamp, 5 a 8 de julho de 2005.
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Acervo Histórico do Livro Escolar/Biblioteca Monteiro Lobato, São Paulo, SP: Cartilha Mobral.
Acervo pessoal de Vera Masagão Ribeiro: Cartilha Poronga.
Biblioteca Cenpec: Letra viva; Aprender pra valer!
Biblioteca do Livro Didático/Faculdade de Educação/USP: Caminho suave; Cartilha da infância; Cartas systematicas para aprender a ler (miolo) ; Cartilha do povo; Cartilha Sodré.
Biblioteca Nacional de Portugal: Cartilha maternal (miolo).
CRE Mario Covas/EFAP: ABC da infância; Cartilha maternal (capa); Onde está o patinho.
Cedoc/FaE/UFMG: A casinha feliz; Cartilha do operário.
DHNet Natal-RN: Livro de leitura para adultos De pé no chão também se aprender a ler.
Ministério da Educação (MEC): Guia PNLD; Guia PNLD-EJA; Viver, aprender Alfabetização.