A importância e a eficácia das avaliações externas
Mônica Gardelli Franco, Alessandro Borges Tatagiba, Maria Imaculada Pereira e outros educadores discutem sobre o PIRLS e outros exames.
Por Suzana Camargo
A notícia de que o Brasil aderiu ao estudo internacional PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) reacende a discussão em torno da aplicação de avaliações externas para medir o desempenho educacional. A partir de 2020, o PIRLS passará a avaliar a capacidade de leitura e entendimento de textos de alunos da 4ª série do Ensino Fundamental de escolas públicas e privadas brasileiras.
Educadores e especialistas em letramento ouvidos pelo Portal do CENPEC Educação, entre eles a professora Magda Soares (leia a entrevista exclusiva), um dos maiores nomes na área de alfabetização e letramento no país, apontam os prós e contras da adoção de avaliações como essa, considerando se efetivamente contribuem para a melhoria do ensino.
Segundo informações do Ministério da Educação (MEC), a avaliação será aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia ligada ao MEC. O Secretário de Alfabetização do Inep, Carlos Nadalim, afirma que a adesão ao PIRLS foi feita visando o fortalecimento do desenvolvimento de políticas baseadas em evidências para melhorar a educação.
Ao Portal do CENPEC Educação a integrante da equipe técnica da pasta, Michelle Barbosa Horovits, complementa que a adesão ao PIRLS insere o Brasil no rol de países que buscam evidências acerca do desempenho de crianças na leitura, na escrita e sua prática produtiva. “É fundamental a participação do Brasil para fortalecer o diagnóstico da educação no ensino fundamental e com isso desenvolver ações mais efetivas para a melhoria da aprendizagem e da qualidade da educação pública”.
Carlos Nadalim ainda ressalta que o desempenho das crianças brasileiras no período escolar observado pela pesquisa será comparado com as de outros 50 países, entre eles Inglaterra, França, Estados Unidos, Suécia e Portugal. Michelle pontua que o PIRLS vai permitir intervenções específicas com foco nas dificuldades observadas nos resultados, como já têm feito os países participantes dessa avaliação.
Avaliar é preciso
“As avaliações externas têm papel importante na orientação de políticas públicas, portanto, são necessárias”, diz Mônica Gardelli Franco, diretora-executiva do CENPEC Educação. Segundo Mônica, uma avaliação externa internacional que traga dimensão da relação do desenvolvimento das crianças brasileiras com outras de vários países é bem vinda, neste contexto. Mônica destaca, entretanto, que atualmente as avaliações externas têm orientado políticas para os alunos que alcançam o nível de aprendizado desejado.
Na aplicação da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) de 2016, por exemplo, 30% dos alunos ao final da 3ª série não alcançaram os objetivos de aprendizagem, o que corresponde a 1 milhão de crianças. Então é feita uma política pública somente para os que estão no ciclo de alfabetização e os outros milhares de estudantes que não chegaram, ficam desassistidos”.
O professor e pesquisador, Alessandro Borges Tatagiba chama a atenção para pontos positivos do PIRLS. Especialista em avaliações educacionais, Alessandro considera que o PIRLS poderá fornecer ao Brasil informações comparativas relevantes sobre conhecimentos do letramento em leitura, inclusive, o de leitura em modernos meios digitais. “Essa aplicação amostral poderá produzir parâmetros consistentes para subsidiar a formulação de novos ciclos de políticas públicas em todos os entes da federação”, acredita.
A professora Ívina Langsdorff, docente do ensino fundamental público de Vitória, Espírito Santo, tem suas ressalvas. Mesmo considerando a importância de exames internacionais que estabeleçam um parâmetro educacional, há que se considerar as mesmas oportunidades de desenvolvimento de habilidades e competências para “um menino no Brasil, na Finlândia ou na Coreia”, explica.
A professora ainda destaca que a padronização dos currículos escolares é importante para que nenhuma escola brasileira e nenhum aluno “fiquem para trás, principalmente, em relação aos países desenvolvidos”.
Como professores, temos uma relação de amor e ódio com as avalações externas, como essa”.
Ívina Langsdorff
Avaliar para que?
Alessandro Borges estima que os resultados do PIRLS não irão impactar de maneira imediata, direta e efetiva nos sistemas de ensino. Ele ainda afirma que essa perspectiva negativa ocorre a exemplo de outras avaliações externas. “Não se trata de um problema de inadequação dos instrumentos de avaliação do PIRLS ou dos exames nacionais concebidos e conduzidos pelo Inep e por outros centros de pesquisa. Pois além de avançado, o PIRLS é construído com base em parâmetros cientificamente testados e bem consolidados”. De acordo com Borges, o problema está no alcance que as avaliações externas operam nos sistemas de ensino do país.
O assunto é controverso até mesmo quanto à aplicação das avaliações externas e o aproveitamento dos dados levantados para melhoria da educação.
Mônica Gardelli Franco argumenta que a aplicação da avaliação precisa ter um objetivo, caso contrário, há risco de ser finalizada em si mesma, de não ser conclusiva e apontar para a necessidade de alguma política pública tanto para aqueles que estão chegando ao ciclo de alfabetização, como para os que sequer conseguiram aprender.
Se o objetivo for a aprendizagem, por exemplo, a pesquisa avalia se ele foi alcançado. Caso não tenha sido é preciso reorganizar ou rever metodologias pois a questão é atingir o objetivo”. “Essa é nossa dificuldade. Não saber o que fazer com os resultados da avaliação”.
Monica Gardelli Franco
Concorda com Mônica, a coordenadora pedagógica, Luciana Juntolli, que atua em um centro educacional de ensino público em Taguatinga, no Distrito Federal. Ela acredita que os educadores deveriam receber orientações sobre como trabalhar “um pós-pesquisa”, baseado nas informações da avaliação.
“Toda o processo de avaliação é válido, desde que não morra no momento em que o aluno entrega a prova”, diz ela. “Precisamos de direcionamento para termos condições de avaliar e interpretar corretamente os dados a partir do que realmente é retratado pela pesquisa. Para tanto, Luciana considera que professores e escola precisam ser mais ouvidos.
Referendando Luciana, Alessandro Borges Tatagiba indaga “qual é o ator que, no ciclo de formulação de políticas públicas em educação e avaliação educacional, não ganha o merecido destaque para se apropriar das informações das avaliações externas? A escola”, opina.
Avaliar a partir da diversidade
Peculiaridades de alunos, ensinos e regiões diferentes dos países que aderiram ao PIRLS são outros fatores importantes levantados pelos educadores.
“Não vejo como avaliar uma criança aqui no Brasil, com outra que está no exterior vivenciando outra realidade, outro idioma, enfim, não poderá haver distorções nos resultados?”, teme a professora Luciana.
Também considerando a diversidade de perfis de estudantes, Maria Imaculada, especializada em letramento e consultora do CENPEC Educação em projetos relativos ao tema, como a Olimpíada de Língua Portuguesa, tem dúvidas sobre o ganho do ponto de vista educacional que virá da aplicação do PIRLS.
Não acredito que importar avaliações de outros países para que se tenha um parâmetro de nosso sistema de ensino seja tão simples assim. Mesmo porque as diferenças que existem entre as nações mais desenvolvidos e as mais pobres é muito grande. Há aspectos socioeconômicos, culturais, climáticos e políticos que precisam ser considerados”, afirma.
Maria Imaculada
Imaculada alerta que expor as escolas brasileiras a essas avaliações “requer muito cuidado e reflexão para não tornar os resultados mais desastrosos do que poderiam ser”. E reforça o que considera ser necessário ” maior participação de nossos educadores nesse processo”. Para Imaculada, “o perigo é que ao invés de diminuir o fosso entre os países ricos e pobres o resultado dessas avaliações só aumente a diferença entre eles”, conclui.
Conheça o PIRLS e outras avaliações externas aplicadas no Brasil
O PIRLS é realizado a cada cinco anos pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), cooperativa internacional de instituições nacionais de pesquisa, acadêmicos e analistas que trabalham para avaliar, entender e melhorar a educação em todo o mundo. O Brasil faz parte dessa entidade, mas só agora passou a integrar o grupo de países que aplicam o PIRLS. Segundo o MEC, a adesão ao exame segue diretrizes da Política Nacional de Alfabetização (PNA).
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes ou Programme for International Student Assessment. Avalia, de modo amostral, habilidades e competências de jovens de 15 anos. No Brasil esse público abrange jovens a partir do 7º ano do ensino fundamental, contemplando três áreas de conhecimento: compreensão de textos, matemática e ciências, com ênfase em uma das áreas nos ciclos avaliativos, de 3 em 3 anos.
ANA – Avaliação Nacional da Alfabetização. Foi realizada até 2016. O exame é aplicado, censitariamente, em crianças do 3º ano do ensino fundamental, de modo a estabelecer o nível de alfabetização, aplicando testes de leitura, matemática e produção de escrita. Visa a melhoria da qualidade de ensino e a redução das desigualdades educacionais.
Prova Brasil – Avalia, de modo censitário, Língua Portuguesa e Matemática nos últimos anos de cada etapa de escolaridade, 5º e 9º anos do ensino fundamental e, a partir de 2017, 3º ano do ensino médio. De modo geral, tem o objetivo de medir a qualidade da educação pública, produzindo indicadores para as áreas avaliadas.
ENEM – Tem adesão individual e mede o desempenho de estudantes ao concluíram o ensino médio. O Enem é um exame de seleção para acesso ao ensino superior.
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