A pandemia, da perspectiva de gestoras de educação
Enquete do CENPEC Educação em parceria com a start-up Eu Ensino ouviu a gestão educacional sobre suas iniciativas e desafios durante esse período
Por Stephanie Kim Abe
Não deu nem uma semana que as escolas foram fechadas devido à pandemia, no dia 19 de março, e as atividades remotas já começaram na escola municipal Santo André, localizada em Capivari de Baixo (SC).
Já em Curral Novo do Piauí (PI), a Secretaria Municipal de Educação resolveu antecipar as férias, a partir do dia 18 de março, quando as escolas fecharam na cidade. Esse um mês e dez dias de férias serviu para que os professores pudessem entrar em contato com as famílias e fazer um mapeamento da rede, que foi repassado à Secretaria para a elaboração de um plano de contingência.
Ainda que ambos municípios tenham sido afetados pela pandemia praticamente no mesmo dia, assim como outros tantos em todo o Brasil, as diferenças de abordagem mostram como cada um dos gestores e gestoras públicos e privados de escolas e redes de ensino lidaram com essa situação inesperada.
Foi para entender esses desafios e as iniciativas desses profissionais que o CENPEC Educação e a start-up Eu Ensinorealizaram uma enquete on-line, aberta desde o início de junho e ainda em andamento. A start-up trabalha com formação de professores e desenvolve uma metodologia de ensino híbrido de formação.
De acordo com a enquete, respondida até o dia 04/08 por 1.177 pessoas, 34,2% dos respondentes indicaram que as aulas remotas iniciaram de imediato, assim como na escola municipal Santo André, em Capivari de Baixo (SC). 30% disseram que houve a antecipação das férias, como no caso da rede municipal de Curral Novo do Piauí (PI).
Houve ainda a adoção do recesso escolar, a suspensão das aulas e a sua paralisação por ordem de decreto municipal ou estadual.
“Construímos o nosso plano de contingência nesse período de férias, e é ele que tem nos conduzido até o momento. O documento aborda a organização do calendário letivo, o mapeamento, os encontros que fizemos com os professores para apresentá-lo, e os pontos de atenção para as famílias, os alunos, os docentes, os diretores e coordenadores”, explica Erasma de Macedo Alves, secretária municipal de educação de Curral Novo do Piauí (PI).
88% dos respondentes disseram ter adotado um plano estratégico para organizar a escola no período de pandemia – mais em nível da rede do que da escola ou ambos.
Plano estratégico
A diretora Vanilde Petroski Mendes, da escola Santo André, conta que foi sua experiência de 35 anos como servidora pública que a fez agir com rapidez e entender que o cenário da pandemia não seria tão passageiro, e que seria preciso, portanto, continuar de alguma forma e não abandonar as crianças.
“No dia 23/03 já tínhamos replanejado tudo, mobilizado a comunidade, os pais e os professores para começar a disparar as atividades remotas. Assim como nós, toda a rede municipal, com orientação da secretária municipal Yara, acabou adotando essas diretrizes, em um esforço coletivo e dialogado de toda a equipe. Depois de uma semana, toda a rede estava trabalhando a distância dessa mesma forma, que achamos excelente”, relata Vanilde.
A enquete on-line mostra que os planos estratégicos mais adotados foram as aulas remotas (34,9%) e o fornecimento de materiais e dicas (29,9%), seguidos por envio de atividades, organização de plano de comunicação e orientações sobre quais plataformas utilizar.
A combinação de diferentes estratégias é importante porque a realidade de cada aluno é diferente: enquanto alguns têm acesso às aulas via Internet, outros precisam retirá-las impressas na escola ou recebê-las em casa.
Considerando que na rede do município de Curral Novo do Piauí (PI) duas das três escolas está na zona rural, a secretária municipal de educação Erasma de Macedo Alves fez questão de chamar a atenção dos educadores para essa realidade.
No plano de contingência, pedi cuidado aos professores em relação às atividades elaboradas. O que eles estiverem trabalhando na aula on-line é também o material que será entregue ao aluno da zona rural que não tem acesso virtual. Ou seja, ele precisa chegar bem claro e de fácil entendimento, para garantir o acompanhamento desse aluno que tem mais dificuldade de acesso
Erasma de Macedo Alves, secretária municipal de educação de Curral Novo do Piauí (PI).
Uso de tecnologia
As duas gestoras contam como o WhatsApp foi utilizado, no primeiro momento, para realizar as aulas e manter o contato com familiares, alunos e professores. Os educadores também chegaram a utilizar o Zoom, Google Meets ou Google Classroom antes de os dois municípios adotarem plataformas digitais que permitissem a publicação das atividades e as aulas on-line.
É justamente a utilização das ferramentas digitais o principal desafio apontado pelas duas gestoras neste processo de adaptação e planejamento das aulas remotas. Uma dificuldade vista nos professores, mas não tanto em relação aos alunos.
A nossa geração tem uma dificuldade com as redes sociais. Fazer vídeo, postar e depois ter que repostar… foi um sofrimento, porque não estávamos acostumados a trabalhar os recursos digitais. Mas fomos nos reinventando, ajudando uns aos outros, construindo juntos – e agora estamos ficando fera
Vanilde Petroski Mendes, diretora da escola Santo André, em Capivari de Baixo (SC).
Erasma diz que buscou, junto com a sua equipe, fazer vídeos tutoriais e orientar os educadores sobre o uso de recursos tecnológicos.
Mesmo com o uso das plataformas digitais, o WhatsApp mantém-se como uma das principais formas de comunicação – o que também se vê na enquete on-line, já que o aplicativo é a principal ferramenta utilizada no ensino remoto, seguida do material impresso e das plataformas digitais.
Mas não é o único: as redes têm se esforçado para manter o vínculo e a comunicação com os pais por outros meios, como bilhetes, em casos em que os pais não possuem acesso ou familiaridade com a Internet ou o celular.
Esse contato constante permite que se crie uma rede de suporte entre os diferentes atores da comunidade escolar, que ajuda principalmente aqueles familiares que não têm muito costume de acompanhar de perto a vida escolar das crianças – seja por que não sabem como ou não têm condições de fazê-lo.
“As famílias da minha comunidade também são de cobrar e exigir bastante, então sabíamos que precisávamos mostrar trabalho, nos unir e não parar as atividades. Começamos a cultivar o vínculo dos professores, familiares e alunos, focando na necessidade desse trabalho coletivo, já que os pais não são professores, mas têm que fazer o seu papel de acompanhar mais de perto a vida escolar dos filhos”, explica Erasma.
Trocas e cuidados para não aprofundar desigualdades
Ao mesmo tempo que há boas práticas de gestão espalhadas pelo Brasil, há muitos municípios que ainda não conseguiram estruturar os seus planos estratégicos e seguem em dificuldade.
Para Laura Marsiaj Ribeiro, fundadora e CEO da Eu Ensino, essas disparidades indicam a importância de se manter esse diálogo aberto e criar canais de comunicação entre municípios e estados.
“Alguns municípios começaram aulas remotas logo de cara e outros patinaram muito. Por que não criar uma rede onde eles possam trocar? Às vezes municípios vizinhos tiveram realidades muito diferentes. Deixo o apelo para que secretários de educação busquem esse apoio de outros, para compartilhar boas práticas e ajudar nesse momento”, diz.
Os resultados da enquete on-line também trouxeram uma percepção para a necessidade de garantir o alinhamento de diretrizes, de uma forma unificada e concreta, no sentido de ter a secretaria de educação municipal e/ou estadual de fato apoiando os educadores com orientações que versam não somente sobre higienização, mas sobre como montar o ensino remoto, quais formatos etc.
Nos campos abertos da enquete, muitos gestores tiveram uma atitude de stand by, de espera pelas diretrizes da Secretaria de Educação. Em muitas redes, essa iniciativa ficou então desconjuntada, às vezes dependendo só dos professores, e não da escola como um todo; ou da escola, e não da rede como um todo. Isso preocupa porque pode ter gerado uma desigualdade de acesso
Laura Marsiaj Ribeiro, Fundadora e CEO da Eu Ensino.
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