- Débora souza de britto
por Débora Britto
O que significa educar para o multiletramento? Conhecer e reconhecer o papel da leitura. Entender que precisamos ler mais para ensinar a ler. Educar não apenas considerando a multiplicidade das linguagens das mídias, mas também o respeito e a valorização da diversidade cultural.
Essas são algumas respostas possíveis para a provocação que guiou as formações em Língua Portuguesa do Apoio Pedagógico Complementar (APC) junto ao Itaú Social e ao Consórcio Intermunicipal do Sul do Estado de Alagoas (Conisul). No território, a tecnologia APC recebeu o nome Eleva Aprendizagem.
Realizada nos dias 25 e 26 de abril, nessa etapa do percurso formativo, gestoras(es) mergulharam nas concepções de leitura, com objetivo de refletir sobre a formação para os multiletramentos como ferramenta para a recomposição de aprendizagem.
O conceito nasce de discussões de educadoras(es) nos Estados Unidos, na década de 1990, que conviviam com as questões da diversidade cultural e os conflitos decorrentes de preconceitos que surgiam na escola. A ideia se baseia em uma educação para além das habilidades e competências, mas que forme para o respeito à diversidade cultural.
Marly Barbosa, formadora de Língua Portuguesa do APC, explica que esse é um conceito fundamental e basilar para a recomposição de aprendizagem, mas também para a alfabetização.
A proposta é tirar o aluno de um usuário funcional da língua para um lugar de quem usa a linguagem para ser um sujeito transformador, criador de sentido. No APC, temos, infelizmente, crianças que são excluídas, que trazem uma grande diversidade cultural. Valer-se desses saberes, dessa diversidade para fazer com que elas se reconheçam, para ativar sua autoestima, para que aprendam umas com as outras e trabalhem com conhecimentos prévios é uma chave que vem do princípio da alfabetização: trabalhar com a diversidade cultural e a multimodalidade de linguagem. Podemos trazer vídeo, áudio, performance de um cordel ou participando de um slam. O material para alfabetizar é muito grande”, explica.
Diante dos desafios, compreender o território e as características das(os) estudantes e utilizar ferramentas que estimulem as(os) alunas(os) a se verem participantes do processo de aprendizagem foi o foco das metodologias apresentadas na formação; entre elas, a leitura colaborativa, a roda de leitores e outras.
O papel da mediação docente também foi trabalhado, explorando e vivenciando como se dá o processo de leitura colaborativa. Pensando nesse mergulho, Marly explica que a formação se deu em duas conceitualizações. “Na primeira, os professores são leitores. Depois, na segunda, é que a gente desvela os conteúdos que estão por trás e a importância de ler para os professores, coordenadores.”
A leitura colaborativa, como uma modalidade didática do trabalho com a leitura em sala de aula, é importante para envolver e estimular a participação de estudantes com a leitura em voz alta.
Essa é uma leitura em que o professor planeja uma proposta de ler colaborativamente. Aí não são os alunos que leem, é a voz do professor, mas eles(as) participam ativamente da condução. A leitura colaborativa é uma estratégia essencial para ensinar a ler”, pontua.
Marly Barbosa, formadora de Língua Portuguesa do APC
📖 Modalidades didáticas do trabalho com a leitura:
– Leitura em voz alta feita pelo(a) professor(a)
– Leitura colaborativa ou compartilhada
– Leitura individual para responder a questões
– Roda de leitores
– Leitura programada
– Leitura inspecional
– Leitura de livre escolha
No APC, o(a) professor(a) tem um mapa de leitura, de avaliação de cada estudante, que já foi feito anteriormente. Ele(a) já sabe quem faz referência, quem só localiza informação, mas não consegue perceber o implícito no texto, quem nunca faz pergunta, sabe as competências e as capacidades leitoras que alguns(as) têm e outros(as) não.
Como o(a) professor(a) vai mobilizar esses(as) alunos(as)? Vai olhar para esse mapa da sala e vai chamar os(as) estudantes para participarem. A leitura colaborativa não se trata de buscar a resposta certa, trata-se de um exercício de discutir um sentido para o texto lido. Ele(a) planeja as perguntas, considerando as capacidades dos(as) estudantes, pensando no que cada um e cada uma precisa avançar. O exercício é pensar nas perguntas, responder às perguntas, acertando ou errando. A ideia não é validar, mas que o(a) aluno(a) explicite o recurso que ele usou para encontrar a resposta. O objetivo é trabalhar com os sentidos e os erros”.
A mediação tem papel fundamental, à medida que incentiva o avanço de cada estudante naquilo que ainda precisa melhorar, explica a especialista. Enquanto buscam compreender e são estimulados(as) a responder novas perguntas, as(os) estudantes ativam capacidades leitoras.
“Esse é um recurso precioso. O que eu senti dos professores é que eles participaram de uma leitura colaborativa comigo, depois discuti com eles. Foram reconhecendo que eles ativaram essas capacidades e depois foram explicitando. O professor precisa compreender esse pulo do gato. Com isso, já atinge muitos objetivos de formar esse leitor crítico, para os multiletramentos“, reflete.
Para as(os) professoras(es), esse percurso é uma formação continuada, aponta Marly. “Trabalhar com uma pedagogia de multiletramentos, para mim, tem vários ganhos. Uma simples pesquisa que pedimos para trazer sobre culturas indígenas pode mudar a forma como estudantes veem o que já sabiam. Isso tem uma contribuição grande na vida deles, e o professor aprende muito nisso”.
📍Márcia Soares de Melo Tavares, Diretora de Ensino e Ponto Focal do APC em Barra de São Miguel, conta que escolas do município instituíram o dia “D” da Leitura, quando, na última quinta-feira dos meses, os últimos 30 minutos do período letivo são dedicados à leitura. Toda a escola “para”: professoras(es) e funcionárias(os) leem para estudantes, e vice-versa, assim como estudantes leem em pares e grupos.
Muitas vezes, o professor está tão habituado à sua rotina que não consegue enxergar que pode existir um outro caminho. O professor do ciclo de alfabetização e das salas de apoio do APC, antes do início das formações, estruturava o seu trabalho com os alunos focando quase que a totalidade do tempo letivo na escrita, mas, ao despertar no professor um olhar mais apurado para inserir atividade de forma mais lúdica e a grande importância de trabalhar e despertar a fluência nos estudantes, o leque de possibilidades se multiplicou. Eles ficaram encantados e empolgados com a leitura dramática e a leitura compartilhada e compreenderam a importância de trabalhar com o aluno dentro de um contexto que ele já conheça, ao mesmo tempo que o docente deve procurar expandir o conhecimento dos estudantes”, conta.
Na avaliação da gestora, “o APC vem despertando nos docentes a consciência da importância do multiletramento, de trabalhar de forma lúdica, de diversificar as estratégias e pensar o planejamento das aulas de acordo com a real necessidade dos alunos, também ajudou a reconhecer a importância da leitura, de trabalhar gêneros variados, saindo um pouco da zona de conforto“.
📍Joselma Fernandes, técnica da Secretaria Municipal de Educação de Coruripe, destacou que algo que pode parecer comum foi ponto-chave na formação, que já rende frutos na rede de ensino.
A abordagem utilizada durante o planejamento para a formação buscou despertar nos docentes a importância da leitura em voz alta, tendo o professor como modelo. Os benefícios que essa prática diária traz, ao possibilitar aos alunos o acesso a um universo de textos de diversos gêneros, por meio da leitura em voz alta — de modo permanente —, amplia sua visão de mundo, num despertar da imaginação e criatividade. O momento da formação foi prazeroso, uma valiosa troca de experiências, da qual os docentes participaram ativamente. A formação começou já com uma provocação, em um momento nostálgico, com a pergunta: ‘Quais memórias de infância você tem sobre momentos de leitura?’”, relembra.
📍Para Claudênia Ferreira, ponto focal, e Marcos Suel dos Santos, formador de Língua Portuguesa do município de São Sebastião, a formação focada nas práticas de leitura e multiletramentos possibilitou uma mudança de percepção sobre a prática pedagógica em sala de aula.
A formação com foco na leitura e nos multiletramentos ofertada pelo APC contribuiu não somente para o planejamento e para a formação dos professores com vistas à aplicabilidade das atividades de leitura — leitura em voz alta e leitura dramática —, mas também para o desenvolvimento leitor do próprio professor, tendo em vista os diversos letramentos. Os professores começaram a trabalhar os conteúdos em suas salas de aula desde a formação. Segundo alguns professores, uma atividade bastante utilizada por eles e com significativo aproveitamento foi a leitura colaborativa, já que essa prática leitora tem a função de promover ‘um certo suspense’ e despertar a curiosidade dos estudantes, o que desenvolve o gosto pela leitura”, contam.
A partir da realidade de São Sebastião, a gestora e o professor apontam que o investimento em práticas e metodologias de ensino para a recomposição de aprendizagem já tem mostrado resultados no chão da escola.
Leitura e escrita, apesar dos investimentos na sala de aula, ainda carecem de práticas que potencializem tais atividades, com metodologias, como as vistas na formação, que despertem o interesse dos estudantes e que os façam pensar o texto e seus contextos de produção e recepção. Além disso, o eixo leitura e escrita vem sendo trabalhado de forma lúdica, com oficinas, tendo como participantes todos os professores dos anos iniciais e os monitores do APC. Esses profissionais estão colocando as atividades em prática em sala de aula, melhorando assim os resultados, através das avaliações diagnósticas realizadas, como também na avaliação contínua, sendo observado nos relatórios enviados à Semed bimestralmente”, explicaram.
Para aprofundar o trabalho com a leitura, as redes e escolas podem investir na construção de uma biblioteca com referências variadas que ajudem o desenvolvimento do aprendizado das crianças na recomposição de aprendizagem. Marly chama atenção de gestores para a importância de buscar e escolher livros que sejam diversos nas temáticas, mas também nos gêneros literários, nos formatos.
Um equívoco, segundo ela, é pensar que, para o APC, os livros precisam ter poucas palavras ou serem menos complexos. “Muitas vezes, essa compreensão do fácil é que tenha poucas palavras. Mas às vezes você tem livros com poucas palavras, mas as imagens são também parte daquele sentido, a criança vai ler também essa imagem”, explica.
Para ela, uma boa indicação é “A ialorixá e o pajé“, de Mãe Stella de Oxóssi, que, com história e imagens marcantes, é um livro formativo, que traz a diversidade cultural, informação científica e o relato das práticas culturais. Outra indicação de livro é “O Dragão do Mar” de Sonia Rosa e Anabella Lopez.
”Tem imagens que são muito interessantes de ler, são obras que sabendo escolher, além de o aluno se reconhecer, eles vão se identificar pela beleza da imagem, da linguagem”, explica Marly.
Com base nas orientações do Instituto Avisa Lá, a formadora aponta alguns critérios e dicas utilizadss na escolha de livros:
✏️ gêneros variados
✏️ variedade linguística (norma padrão e outras e variedades)
✏️ perfil da(o) autora(or)
✏️ diversidade de autoras(es) — negras(os) e indígenas
✏️ classificação indicativa da obra
✏️ buscar a indicação de outras(os) leitoras(es)
✏️ extensão do texto
✏️ qualidade do registro literário (linguagem, texto bem escrito que amplie o universo da(o) leitora(or)
✏️ clássicos da literatura
✏️ projeto gráfico do livro (articulação da linguagem imagética e verbal, tipo de letra)
✏️ podcast especializados em literaturas
✏️ releituras de obras
✏️ livrarias especializadas em literatura (sinopse dos livros)
✏️ obras que não veiculem preconceitos de nenhum tipo
Para o APC, não é menos texto, é trazer textos integrais e originais. A nossa metodologia de trabalho é de aproximação sucessiva. As crianças vão mergulhando na literatura aos poucos. Ao trabalhar com os literários, não há problema algum que sejam contos clássicos, mas vamos trazer também contos de princesas africanas”, estimula.
Marly Barbosa, formadora de Língua Portuguesa do APC
“Em qualquer sala de aula brasileira, a gente tem a multiplicidade. Esse conceito interfere em vários aspectos do APC, interfere em trazer textos que falam de diferentes culturas, indígenas, escritoras(es) negras(os). Na hora que você seleciona um texto, se você tem um princípio de multiletramento, você precisa trazer textos que mostrem a diversidade”, destaca.
A importância da leitura e interpretação de texto em problemas nas aulas de matemática também foram trabalhadas na formação de Matemática do APC, realizada nos dias 19 e 20 de junho.
A contribuição da leitura na matemática também favorece a alfabetização. Sandra Amorim, formadora da disciplina no APC, explica que a formação de formadoras(es) de docentes no trabalho com as(os) estudantes de maneira articulada, ofereceu ferramentas para aplicar na rotina das salas de aula.
“Trazer a leitura para as aulas de matemática, intensificar e qualificar esse ensino é um fator que influencia diretamente na aprendizagem dos meninos e meninas. A gente pensa em uma construção de conhecimentos que é todo articulado. A matemática não pode ser resumida à aplicação de cálculos. A gente precisa avançar com esse conhecimento e aproveitar os saberes que os meninos já têm para que possamos avançar“, explica Sandra.
Segundo ela explica, além da resolução de problemas, a leitura é estratégica para trabalhar na matemática. “Um bom trabalho com enunciado de um problema ajuda estudantes a ter mais êxito em qualquer outro conteúdo porque a gente contribui para a alfabetização desse estudante“, conta. Para Sandra, a formação em matemática com a estratégia de leitura pode demorar mais, mas vai qualificar a aprendizagem no decorrer do tempo.
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