Apoio emocional e psicológico gratuito a educadores(as)
Profissionais de educação de escolas públicas de todo o país podem se inscrever para receber atendimento gratuito de psicólogos(as) e psicoterapeutas no projeto Apoio Emocional
Por Stephanie Kim Abe
Quando a professora de educação infantil Gabriela Santos relembra os primeiros meses da pandemia, em 2020, ela se recorda da pressão que ela e seus colegas sofreram, com o fechamento das escolas. Trouxeram trabalho para casa e tiveram que se reinventar e se reorganizar dentro de uma rotina familiar com filhos, pais idosos ou mesmo para quem estava morando sozinho.
Víamos todo mundo preocupado com as crianças, em como oferecer o ensino remoto, como atender as demandas, como garantir cesta básica. Estávamos todos fragilizados e parecia que o professor estava inviabilizado nesse processo. Parecia que ninguém estava nos ouvindo naquele momento.”
Gabriela Santos
Foi pensando na possibilidade de trazer um espaço de escuta para o corpo docente que Gabriela inscreveu as duas escolas em que trabalha em São Paulo, o Centro de Educação Infantil (CEI) Jardim Klein e a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Clarice Lispector, no projeto Apoio Emocional. O projeto, iniciativa do Quero na Escola e da Fundação SM, oferece atendimento psicológico gratuito para educadores(as) da rede pública, com profissionais de saúde mental voluntários(as).
“Cuidar de quem cuida” foi o tema do primeiro encontro viabilizado pelo projeto entre a psicóloga voluntária e os(as) docentes do CEI Jardim Klein. Foram cerca de cinco atendimentos on-line, realizados a cada 15 dias, a partir de julho, que envolviam os(as) professores(as), em um primeiro momento e, em outro, o quadro administrativo (direção, coordenação pedagógica, assistentes de direção e agentes de apoio da escola). Os encontros aconteceram durante as reuniões pedagógicas, com o aval da direção escolar.
Os professores se mostraram bastante contentes por essa oportunidade, porque estávamos sofrendo em coletivo e não sabíamos como nos apoiar. Parecíamos que estávamos num eco profundo, falando para nós mesmos. A psicóloga foi bem aberta em ouvir os nossos relatos. Foram momentos para nos solidarizarmos com os colegas e nos sentirmos respeitados dentro desse processo complicado. A abertura da gestão também foi essencial, cedendo um horário entre as questões administrativas e pedagógicas para essa escuta psicológica.”
Gabriela Santos
Qual apoio você precisa?
A segunda edição do projeto Apoio Emocional está acontecendo desde abril de 2021. As inscrições podem ser feitas não apenas por professores(as), mas qualquer profissional de educação de escolas públicas. Elas ficam abertas enquanto durar o projeto, que segue até julho.
No ato da inscrição, o(a) participante pode escolher entre quatro tipos de apoio, que podem ser individuais ou coletivos. O atendimento individual pode ser para tratar de uma escuta pessoal (como uma terapia) ou para falar de um problema específico de algum(a) estudante ou professor(a). Como explica Cinthia Rodrigues, uma das criadoras do Quero na Escola:
Às vezes, o professor está precisando de uma orientação mais específica ou direta. São questões pontuais, muitas vezes de assuntos pesados. Por exemplo, tivemos a inscrição de uma professora cuja aluna contou que foi estuprada pelo pai e ela precisava saber como lidar com essa situação. A professora não tinha a menor ideia de como proceder.”
Cinthia Rodrigues
O atendimento coletivo pode acontecer entre professores(as) – como uma formação ou um espaço de escuta, aos moldes do que aconteceu no CEI Jardim Klein – ou incluindo alunos(as). Nessa situação, o(a) profissional de saúde mental voluntário(a) faz uma roda de conversa para tratar das emoções que os(as) estudantes estão vivenciando, como o luto e o isolamento social. O encontro acontece na presença do(a) educador(a) e os(as) alunos(as) precisam ter mais de 12 anos.
A equipe do Quero na Escola faz a ponte entre os horários disponíveis dos(as) voluntários(as) e a demanda dos(as) educadores(as). Ainda que não haja limite de inscrição, não há garantia de que os pedidos serão atendidos, já que dependem da combinação de horários disponíveis dos(as) professores(as) e dos(as) voluntários(as). No ano passado, foram atendidos(as) cerca de 2 mil educadores(as), 70% das inscrições realizadas. A equipe busca dar outros encaminhamentos e ajudar com formações coletivas aqueles(as) que não conseguem o atendimento solicitado.
Mudanças na demanda por apoio
O foco da segunda edição é justamente esse: como lidar com lutos e traumas da pandemia. Na pesquisa realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com 3.672 municípios no começo de 2021, constatou-se que o acolhimento e as competências socioemocionais são uma das prioridades das redes municipais nas formações de professores(as) e gestores(as), atrás apenas de protocolos de segurança sanitária e tecnologias para ensino remoto.
Cinthia explica que essa temática tem aparecido mais, em relação às demandas do ano passado:
Quando lançamos o projeto no meio do ano passado, percebemos que uma das maiores aflições dos professores eram o seu próprio emocional, como lidar com as mudanças na nova rotina e condições de trabalho, individualmente. Este ano, sentimos uma mudança e duas questões apareceram mais fortemente. Primeiro, a preocupação com a volta ou não das aulas presenciais e como lidar com essa situação – considerando que estamos em um momento muito pior da pandemia. Segundo, como ajudar os alunos ou colegas a lidar com o luto e como ajudar esses estudantes a lidar com esse tempo perdido, a falta de contato com os amigos etc. Um ano e meio para a infância e juventude é um tempo enorme relativo ao tempo de vida deles.”
Cinthia Rodrigues
A professora Gabriela tem passado por essa insegurança da volta às aulas presenciais. No começo do ano, a iminência do retorno às aulas presenciais a afetou muito e desencadeou sentimentos e questões mais profundas, que agravaram o seu quadro de saúde mental. Além do apoio coletivo que participou junto com seus colegas do CEI, a professora tem tido sessões individuais de terapia com uma das profissionais voluntárias – que tem ajudado muito nesse processo.
O medo de retornar às aulas presenciais a fez entrar em greve, desde fevereiro. Sua maior preocupação é trazer a doença para casa, já que tem dois filhos do grupo de risco. Mas ela também aponta o peso mental da greve (questões de negociação, de pensar como os pais estão apoiando ou não o movimento e a sua posição) e a dúvida sobre como garantir uma prática pedagógica condizente com o que acredita ser melhor para suas crianças nesse momento de cuidado e distanciamento social:
É uma situação muito dúbia: devo ir para a escola e me cuidar de certa forma, obedecendo todos os protocolos e deixando de zelar por aquilo que acredito ser a essência da educação infantil – que é o toque, o afeto, a experimentação -, ou devo descuidar um pouco da minha saúde para poder ser a pedagoga que eu acredito, que dá colo, traz afeto e acolhimento? É uma questão muito conflitante pra mim.”
Gabriela Santos
Gabriela ressalta como esse processo tem sido importante para ela e espera que esse tipo de projeto que olha para a necessidade de olhar a saúde mental e emocional de profissionais da educação possa ser mais recorrente, seja por meio da iniciativa privada ou como política pública. Para ela, esse apoio emocional e psicológico não deveria ser exclusivo de um momento pandêmico como o que estamos vivendo:
Os professores sempre viveram essa realidade de lidar com relatos traumáticos, traumas familiares, certos tipos de abuso, falta de alimentação ou de direitos básicos dos alunos. Sempre tivemos que lidar psicologicamente com essas questões – a diferença é que as pessoas só perceberam isso agora, com a pandemia.”
Gabriela Santos
Veja abaixo o depoimento da professora Gabriela e da psicóloga Deise Ruiz chamando professores(as) e profissionais de saúde mental a participar do projeto Apoio Emocional:
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