Ataques às escolas: relatórios e recomendações para políticas públicas
Controle de armas, promoção da cultura da paz, acompanhamento e monitoramento de ataques e responsabilização de plataformas digitais são algumas propostas dos documentos; saiba mais
Por Stephanie Kim Abe
No início de novembro, o Ministério da Educação (MEC) divulgou o relatório final sobre o fenômeno de ataques extremos às escolas. O documento Ataque às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamentalfoi construído pelo Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, estabelecido pela Portaria 1.089 de 12 de junho de 2023.
De acordo com o relatório, só entre janeiro e outubro de 2023 foram contabilizados 16 ataques extremos às escolas brasileiras – o que faz deste o ano mais violento desde que o primeiro caso foi registrado em 2002. Esse número é maior que o dobro de 2022, em que o estudo reconhece sete ataques.
O relatório traz uma análise completa do fenômeno, chamado de “ataques de violência extrema contra escolas”. As(Os) especialistas tratam da questão das diferentes violências que acontecem no ambiente escolar, como as microviolências, a violência institucional e a violência dura (categoria onde se encaixam esses ataques).
Segundo o relatório:
Esses ataques violentos são diferentes daqueles tradicionalmente identificados em ambientes escolares, seja dentre a violência nas escolas (ex. bullying e “brigas” entre alunos), ou a contra escolas (ex. crimes patrimoniais contra estabelecimentos de ensino). Pode-se conceituar que, essa violência extrema contra escolas é marcada por ataques intencionais, direcionados contra o ambiente escolar, contra a vida e a integridade física daquela comunidade – no todo ou em parte –, ocorrendo de modo premeditado e com a utilização de armas – que podem ser de diversas categorias e tipos. (p.26)
O documento chama atenção para a importância de olhar para as “pequenas violências cotidianas” que ocorrem na escola pois elas fazem parte, muitas vezes, dos multifatores que levam a um ataque extremo à instituição de ensino – e, por isso, precisam ser reconhecidas e devidamente endereçadas pela gestão e comunidade escolar.
Uma pesquisa coordenada por Fernando Andrade e Catarina Gonçalves, nas Universidades Federais da Paraíba e de Pernambuco, respectivamente, durante os anos de 2019 e 2022, evidencia a correlação entre as várias formas de violência escolar presentes nos massacres ocorridos em escolas brasileiras (ANDRADE e GONÇALVES, 2020). Ao inventariarem os ataques às escolas foi evidenciado que os perpetradores das violências retornaram às escolas de origem. Isso significa que as escolas nas quais ocorreram os ataques não foram escolhas aleatórias, mas, sim, intencionais. A escolha dos jovens ocorreu, também, em função de experiências anteriores de sofrimento vividas nela.” (p. 41)
Além da importância de olhar para o que ocorre na escola, o documento revela as características dos perpetradores desses ataques: todos do sexo masculino, a maioria brancos, e que dialogam e se identificam com ideologias extremistas e ligadas ao supremacismo, racismo e misoginía. Eles são jovens que veneram armas e outros massacres e genocídios, buscando muitas vezes copiá-los (copy cat crimes, em inglês), e que realizam os ataques nas escolas que estudaram por um sentimento de vingança.
A partir desse levantamento sobre as características dos crimes e dos criminosos, o relatório elenca uma série de recomendações para políticas públicas, a serem levadas a cabo pelo governo federal.
Como as causas identificadas dos ataques de violência extrema às escola são diversas, abrangendo desde as comunidades em redes sociais que cooptam, incentivam e comemoram esses episódios e perpetradores até a falta de estratégias escolares para lidar com casos de bullying e criar um bom clima escolar, as recomendações do Grupo de Estudos também seguem diferentes linhas de atuação e envolvem diferentes setores.
São propostas ações relacionadas à criação de órgãos de monitoramento e de proteção, ao apoio às instituições de ensino quanto à abordagem de temas relacionados à diversidade, racismo e de combate ao ódio e preconceito, à formação de profissionais da educação, à promoção da gestão democrática, da saúde mental e da educação midiática nas escolas, à melhoria da infraestrutura das escolas etc.
13 ações emergenciais a serem realizadas pelo governo para prevenir os ataques às escolas
1. Desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos;
2. Promover a cultura de paz; implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e similares, inclusive proibindo o acesso de crianças e adolescentes a armas e a tais espaços;
3. Responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal;
4. Responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre os autores;
5. Atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015);
6. Regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas – SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares;
7. Melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos;
8. Garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e legais, com profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho;
9. Promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental dos estudantes e dos profissionais da educação;
10. Expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura;
11. Elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para atuação após os ataques;
12. Acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda;
13. Ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de estabelecer ações federativas articuladas sobre o tema dos ataques às escolas.
✏️
Em resumo, a violência nas escolas no Brasil é um problema complexo que requer uma abordagem abrangente e coordenada por parte das autoridades educacionais, da sociedade civil e dos órgãos reguladores. A construção de políticas públicas para enfrentar o problema devem incluir toda a comunidade escolar, em uma perspectiva de gestão democrática. Somente por meio de esforços conjuntos podemos criar um ambiente escolar seguro e inclusivo que promova o desenvolvimento saudável dos estudantes e contribua para a construção de uma sociedade justa e pacífica”. (p.124)
O relatório final junta-se a outras ações realizadas pelo GT desde que foi estabelecido, em abril, logo após o ataque a uma escola estadual de São Paulo e que deixou uma professora morta.
Um outro relatório lançado recentemente sobre o fenômeno também chega a conclusões parecidas com a do MEC.
No documento Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos, o controle de armas de fogo, a regulamentação de plataformas digitais, a implementação e o fortalecimento de um sistema de registro de casos e de inteligência no monitoramento dessas ameaças são algumas das proposições que se assemelham às do relatório final.
O relatório foi coordenado por Telma Vinha e Cléo Garcia, pesquisadoras da Unicamp, e realizado pelo D³e – Dados para um Debate Democrático na Educação, com apoio da B3 Social e da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.
O documento traz um panorama geral desse fenômeno, inclui dados sobre as vítimas e as escolas atingidas, e lista fatores gerais envolvidos nesses episódios, como o papel das comunidades mórbidas on-line, a vulnerabilidade social, as perseguições e exposições nas escolas etc.
Há, porém, divergências em relação ao relatório do MEC quanto à contabilização dos ataques nas escolas, dado que não há um registro oficial desses ataques e os levantamentos são feitos de acordo com diferentes critérios e fontes. Segundo este estudo, 10 ataques extremos ocorreram em 2022 e 11 em 2023.
Que tal um bate-papo sobre convivência e relações na escola?
O terceiro episódio do podcast Educação na ponta da língua aborda a importância de uma boa convivência para prevenção e combate à violência na e contra a escola.
Diante do cenário de ataques, como as escolas devem agir? Que medidas de segurança são mais efetivas ou que práticas pedagógicas podem ajudar na prevenção desses casos?
Ao se debruçar sobre esse tema com a participação das(os) especialistas Flávia Vivaldi e Adriano Caetano Rolindo, o episódio foca em uma premissa particular e importante: um clima escolar positivo pode incidir tanto no enfrentamento da violência escolar, como também na melhoria das aprendizagens. ✏️Saiba mais sobre o episódio aqui
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