Avançando nos indicadores para visibilizar e superar as desigualdades

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Avançando nos indicadores para visibilizar e superar as desigualdades

Em tempos de regulamentação das complementações do Fundeb e de um novo PNE, veja como podemos avançar nos indicadores educacionais para políticas públicas

Por Stephanie Kim Abe

Se tivemos avanços nas últimas décadas com relação ao direito à educação, foi muito por causa da expansão das matrículas na educação básica. Mas já passou da hora de pensar em melhorar a qualidade dessa educação para todas(os).

Vemos esse esforço em algumas importantes legislações aprovadas nos últimos anos. No Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 13.005/14), a meta 7 versa sobre o fomento à qualidade da educação básica, com a melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem. 

Para tal, o Plano estabelece metas intermediárias e finais para o ensino fundamental e médio, usando como métrica o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). 
Segundo o Relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação 2022 do Inep, o Ideb veio aumentado para todas as etapas nos últimos anos, tendo atingido, no fundamental, 5,9 nos anos iniciais, 4,9 nos anos finais e 4,2 no ensino médio. Mas ainda não atingimos a meta final, e já estamos no último ano de vigência desse PNE.

O Ideb é calculado com base em duas métricas: a taxa de aprovação escolar e a média das notas obtidas pelas(os) estudantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que são testes padronizados em larga escala em Língua Portuguesa e Matemática, com foco em leitura e resolução de problemas, respectivamente.

Maria Teresa Gonzaga Alves, diretora de Estudos Educacionais (Dired) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), explica a importância de normas voltadas à equidade na educação:

Nesse sentido, ao estabelecer metas, por exemplo, de ampliação da taxa líquida de matrícula no ensino médio, focando nas(os) estudantes mais vulneráveis, o PNE deixa claro que as desigualdades existem. Não há como escondê-las debaixo do tapete.”

Maria Teresa Gonzaga Alves (Inep)


As limitações dos indicadores atuais

Diversas pesquisas têm mostrado, porém, que o avanço no Ideb não significa necessariamente a melhoria da qualidade da educação, à medida que esse índice tem limitações. 

No artigo Melhoria da qualidade da educação básica e superação das desigualdades educacionais: aprimoramentos para o Novo Plano Nacional de Educação, Alvana Maria Bof, Clarissa Guimarães Rodrigues e Adolfo Samuel de Oliveira explicam essas três dimensões dessas críticas ao Ideb:


i) não fornece uma interpretação pedagógica do  resultado  escolar  dos  estudantes, (…) é passível de ser manipulada via comportamento de jogo, que pode focar nos alunos de maior desempenho, deixando em segundo plano, ou até mesmo em estado de exclusão, os  estudantes  com  resultados  mais  baixos,  para  que  a  média  do  Ideb  seja  maior (…) e iii) é pouco  sensível  às  desigualdades  de  resultados  educacionais:  a  média  pode  aumentar paralelamente ao aumento do hiato (gap) entre os resultados de estudantes com  desempenho  insuficiente  e  avançado,  por  exemplo”.

(Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais n. 8, p. 87 e 88

Por isso, são necessários outros indicadorespara contextualizar os resultados das(os) estudantes no sistema de avaliação da educação básica. É o caso do Índice de Nível Socioeconômico (Inse) das escolas de educação básica, que passou a ser calculado pelo Inep com o PNE. 

Uma das teses mais persistentes no campo da sociologia da educação é a associação entre resultados educacionais e origem social das(os) estudantes. Em relação à origem social, a variável nível socioeconômico é muito poderosa. Nós não podemos analisar eficácia escolar ou de sistemas de ensino sem considerar a origem social das(os) estudantes“, explica Maria Teresa. 

Acontece que, como é construído com base nas informações preenchidas no questionário do Saeb pelas(os) estudantes, o Inse não pode ser calculado para todas as escolas. 

No momento em que uma escola não participa do Saeb e não há uma medida de nível socioeconômico, ela se torna invisível para as políticas públicas. E sabemos que, no geral, as escolas de nível socioeconômico mais baixo têm piores condições de infraestrutura. Elas têm mais estudantes com perfis de pior desempenho acadêmico. Ou seja, também é preciso considerar outros marcadores, como a questão racial e de gênero“, explica Maria Teresa.


Aprimoramentos possíveis

Antes de ocupar o cargo de diretora no Inep, Maria Teresa atuou como líder do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares (Nupede) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em janeiro de 2023, ela publicou, junto com José Francisco Soares, o artigo Uma medida do nível socioeconômico das escolas brasileiras utilizando indicadores primários e secundários.

Nele, as(os) pesquisadoras(es) trazem uma medida nova de nível socieconômico das escolas (NSE), buscando justamente dar visibilidade a escolas que não têm indicadores primários (no caso, os questionários respondidos por estudantes nas avaliações educacionais), utilizando outros indicadores e um modelo da Teoria da Resposta ao Item. 

Nós temos pesquisas no campo da demografia educacional que dizem que 90% das(os) estudantes mudam pelo menos uma vez de escola durante a sua trajetória escolar por razões variadas, como a família que muda de bairro ou de município. Mas principalmente porque o nosso sistema de ensino é segmentado. A hipótese que testamos nessa pesquisa acadêmica é que, acompanhando a trajetória da(o) estudante com dados do Censo escolar longitudinal, poderíamos ter dados aproximados que nos permitiram produzir uma medida do nível socioeconômico das escolas em que ela(e) se matriculou. Isso porque, provavelmente, em algum momento essa(e) aluna(o) se matriculou em uma escola que participou do Saeb ou que teve estudantes que participaram do Enem.”

Maria Teresa Gonzaga Alves (Inep)

O Inse foi calculado para mais de 180 mil escolas. “Evidentemente essa medida tem uma imprecisão muito maior do que a medida do Inep, que é produzida no nível do indivíduo.  Mas para um retrato mais amplo do sistema de ensino, ela tem se mostrado uma medida de muita validade. Quando a gente acha esse indicador, mostramos que essas escolas existem, principalmente no que tange à focalização de políticas públicas àquelas instituições que são mais vulneráveis“, alerta a pesquisadora. 

Por isso, a diretora conta que trouxe essa metodologia para o Inep, na possibilidade de que possa ser utilizada para aprimorar os indicadores – debate este que vem aquecido por conta não apenas do novo PNE (já que o atual acaba ano que vem), como também por causa da regulamentação das novas complementações do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). 

Entre as condicionalidades a serem consideradas pelo novo indicador VAAR na distribuição da complementação da União ao Fundo, está justamente o avanço nos “indicadores a serem definidos, de atendimento e de melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades” (art. 5o  da Lei 14.113/2020).

No caso do Ideb, no artigo citado anteriormente, as pesquisadoras Alvana, Clarissa e Adolfo fazem uma comparação entre o Ideb e o Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo), que, em vez de utilizar a média das proficiências, usa uma ponderação de quatro patamares de desempenho. Elas demonstram que o Idesp acaba por incentivar mais o avanço das(os) estudantes de desempenho mais baixo:


Essa formulação se mostra mais adequada por ser capaz de captar parte das desigualdades nos resultados e induzir esforços para a melhoria do desempenho das(os) estudantes que apresentam baixos níveis de aprendizado, visando alçá-los a níveis mais elevados. Além disso, possibilita a interpretação pedagógica dos resultados, o que permite às redes de ensino e escolas direcionar seu trabalho pedagógico, promovendo ações e atividades para os alunos de acordo com suas necessidades, para que eles possam alcançar níveis mais elevados de aprendizado.”

(Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais n. 8, p. 100.)

Por isso recomendam que o novo Ideb seja “capaz de explicitar as desigualdades entre grupos sociodemográficos; (…) contemplar uma medida capaz de captar a evasão escolar”. 

Avanços que dependem de todos os entes

Para aprimorar os  indicadores, são necessárias definições e decisões do Ministério da Educação (MEC) e das comissões que trabalham tanto na regulamentação do Fundeb quanto nas discussões do novo PNE. 

Nosso papel é produzir os diagnósticos, fazer o monitoramento dos indicadores, levantar os problemas e as possíveis causas. Mas os dados que produzimos só fazem sentido se forem usados de fato para orientar as políticas públicas“, diz Maria Teresa. 

Além de indicadores mais precisos que ajudem a monitorar e dar visibilidade às desigualdades educacionais, a diretora do Inep chama atenção ao papel que cada ente federado precisa exercer para de fato avançar no sentido da equidade na educação. 


Sabemos que muitas das dificuldades que tivemos nos últimos anos fo por falta de coordenação nacional. O governo federal tem esse importante papel indutor. Mas, por sermos uma federação, o cumprimento do PNE, por exemplo, depende muito do que acontece nos estados e municípios. Eles precisam replicar as metas do Plano. Muitas vezes, a dificuldade de atingir uma meta no nível da educação infantil é porque ela depende justamente dessa colaboração entre os entes federados, já que essa etapa de ensino está nas mãos dos municípios. Então se queremos superar as desigualdades, essa questão precisa estar colocada também nos planos estaduais e municipais de educação.

Maria Teresa Gonzaga Alves (Inep)

A pesquisadora espera que possamos avançar mais nos próximos anos com relação à superação das desigualdades, garantindo que todas e todas estejam em um patamar adequado de nível de aprendizagem:

“As pessoas não são todas iguais, então é natural que algumas vão avançar mais, se tornar cientistas, escritoras, gênio da matemática, e outras não. Mas o problema é que as nossas desigualdades são injustas, porque o mínimo de aprendizado não garante um acesso qualificado ao mercado de trabalho, à cidadania, ao desenvolvimento pleno do indivíduo, à fruição da arte, à compreensão do mundo. Precisamos estabelecer níveis adequados de avanço a partir dos quais convivermos com uma desigualdade aceitável”, explica Maria Teresa.


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