Movimento cívico iniciado em outubro/2018 realiza ciclo de debates na Câmara Municipal de São Paulo
Por João Marinho
Aconteceu na Câmara Municipal de São Paulo, na última sexta-feira (23), o lançamento da Bancada da Educação. Assista à reportagem em vídeo da TV Câmara SP.
União pela educação
Apesar do nome e do lançamento na Câmara, a Bancada da Educação não é um grupo organizado no interior apenas do Poder Legislativo, mas um movimento civil suprapartidário formado também por professores, comunicadores, especialistas de diferentes áreas, ativistas e membros de organizações da sociedade civil (OSCs).
O objetivo é influir e fortalecer políticas que promovam a educação nas três esferas de governo – municipais, estaduais e federal – por meio do apoio a vereadores, deputados estaduais e federais e senadores, além de promover o lançamento de candidaturas e projetos comprometidos com a área e prover uma plataforma da sociedade civil que leve as pautas da educação aos legislativos do País.
O movimento nasceu por iniciativa de Gilda Portugal Gouvêa, doutora em Ciências Sociais e professora colaboradora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Miguel Thompson, doutor em Oceanografia Biológica (USP), ex-diretor-executivo do Instituto Singularidades e atual diretor acadêmico da Fundação Santillana; e Renato Russo, especialista em comunicação corporativa e design thinking.
Atualmente, o grupo gestor conta também com o jornalista Caio Dib, o professor de linguagens Felipe Bonifácio, a socióloga e psicóloga Mônica Gouvêa e o jornalista Vinícius Lima.
“A ideia é que consigamos espalhar esse movimento para outros movimentos e agregar esses grupos para fortalecer a democracia”, declarou Miguel Thompson à TV Câmara SP. Leia o manifesto da Bancada.
Nosso Manifesto
Nasce na escola um país mais justo.
Somos a Bancada da Educação e este é um convite a sonharmos e trabalharmos juntos por um Brasil mais justo, desenvolvido e democrático. Esse sonho só é possível se a Educação for de fato uma prioridade de toda a sociedade, em especial da classe política.
A Bancada é um movimento cívico e suprapartidário para construir uma base qualificada e atuante no legislativo em favor da educação, principalmente do ensino público, que deve ser laico e gratuito.
Temos o objetivo de acompanhar, formar e eleger vereadores, deputados e senadores empenhados na educação de qualidade para todos.
Assim como há bancadas para defender os interesses do agronegócio e de grupos religiosos, entendemos que a educação merece e precisa desses representantes organizados, ativos e efetivos em todas as casas legislativas do país.
Isso porque a educação é um direito fundamental para o desenvolvimento de cada pessoa, para a formação de cidadãos críticos e atuantes, para a qualificação da força de trabalho nacional. É o caminho para a independência e o desenvolvimento de cada um de nós e do Brasil como um todo. É o pilar de um país mais justo, democrático e sustentável.
Do sonho à ação, o direito ao ensino de qualidade só será garantido quando a educação se tornar a prioridade política do país de fato, não apenas no discurso eleitoral.
Educação de qualidade se faz com estudantes aprendendo e se desenvolvendo como cidadãos.
Educação de qualidade se faz com professores valorizados, respeitados e bem formados.
Educação de qualidade tem a escola como espaço privilegiado e necessário de ensino e de aprendizagem, de convivência social e de formação humana.
Desigualdades e desafios no território
O lançamento da Bancada ocorreu em um ciclo de debates que se estenderam das 9h às 18h30 e abordaram temas como educação integral, cidade educadora, território, desigualdades sociais, políticas públicas de educação, intersetorialidade, infância e educação infantil e redes e comunicação social, com especialistas, representantes do poder público e membros da sociedade civil.
O Portal CENPEC Educação acompanhou as mesas “Redes e território: a comunidade em uma cidade educadora”, “Políticas públicas de educação: construindo uma nação” e “Comunicação em rede: do meme aos valores”.
Na primeira mesa, a educação integral foi um dos destaques. Visto para além da simples ampliação de horário pelos debatedores, o tema visitou questões como o direito à cidade, democracia e as diferentes barreiras – físicas e não físicas – que impedem o completo acesso de estudantes ao espaço urbano, gerando desigualdades.
Nesse sentido, segundo os debatedores, insere-se a importância do território, que dialoga com o espaço urbano como lugar de conflito e exclusões e, dessa forma, com a necessidade de promover políticas públicas e de educação que garantam o direito à cidade como um lócus educador.
Quando se fala de educação, não se fala de gueto (…). O direito é à cidade.”
Natacha Costa, da Associação Cidade Escola Aprendiz.
O vereador paulistano José Police Neto (PSD) lembrou como o planejamento urbano de um município como São Paulo não levou em consideração a educação, o que remete à necessidade de um redesenho espacial.
“O solo urbano é protagonista da educação”, disse Police Neto, para quem pensar numa articulação com o território sob a perspectiva da educação integral não apenas vai além dos muros da escola, mas também implica uma mudança de comportamento e uma nova relação com a própria cidade.
Já para Fausto Augusto Jr., coordenador de Educação do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), é preciso que a educação dialogue com outras áreas de políticas públicas, como economia, assistência social e trabalho.
Citando o Nobel de Economia, James Heckman, o coordenador também ressaltou que é preciso que as ações comecem ainda na primeira infância, a fim de promover a democracia, a cidadania e uma efetiva quebra no ciclo de pobreza.
Para além das barreiras físicas que impedem o pleno exercício do direito à cidade, as barreiras de acesso baseadas no racismo, no gênero e na condição LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais) também foram lembradas na mesa, uma vez que, devido à discriminação, pessoas desses grupos são mais afetadas tanto por menos oportunidades educativas quanto pela maior evasão escolar.
Saiba mais
Financiamento e políticas públicas
A mesa “Políticas públicas de educação: construindo uma nação” contou com a presença de Cleuza Repulho, ex-presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e conselheira do CENPEC Educação.
Para a conselheira, o lançamento da Bancada da Educação acontece em um momento propício no País, dado o debate em nível nacional quanto a temas como educação pública, financiamento e formação de professores:
Durante a mesa, Repulho, que também é ex-secretária de Educação de São Bernardo do Campo e de Santo André (SP), abordou, ainda, a urgência de revisão e renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o atraso no cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE).
O Fundeb não está sendo discutido. Se não for votado, a educação pública entra em colapso.”
Cleuza Repulho, conselheira do CENPEC Educação
Também presente à mesa, a deputada estadual de São Paulo, Professora Bebel (PT), concordou que o momento é propício e, ao mesmo tempo, cruel.
A deputada citou o que, segundo ela, são ataques à educação, como o corte/contingenciamento de verbas e a proposta de desvincular os recursos que, obrigatoriamente, são investidos na área. No entanto, continua Bebel, a educação passou a ser pauta da sociedade, com mobilizações em massa, como a ocorrida no 15M, efeito considerado positivo pela deputada.
Já para Kátia Cristina Stocco Smole, ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), um dos maiores desafios do Brasil é propor políticas públicas integradas, que deem conta da educação nacional como um projeto de País, em vez de ações isoladas.
A mesa “Comunicação em rede: do meme aos valores” contou com a participação da diretora-executiva do CENPEC Educação, Mônica Gardelli Franco, e abordou o impacto das redes físicas e virtuais na educação.
Para Franco, abordar apenas as competências no uso da tecnologia e não incluir a ética pode resultar em desinformação e mesmo ser prejudicial ao processo educativo.
Acreditávamos que a tecnologia podia gerar uma grande revolução (…), mas o uso das tecnologias e das redes na educação não deve esquecer o componente ético que deve permear nossas discussões.”
Mônica Gardelli Franco
Também presente à mesa, Helena Singer, da Ashoka América Latina, focou as redes físicas, não virtuais, e ressaltou a importância de conectar o movimento pela educação a outros movimentos. “Se, hoje, há escolas e creches em todo o País, foi uma conquista do movimento de mulheres, mas isso é pouco comentado (…). É preciso ligar a pauta da educação a outros movimentos”, afirma.
Mônica Gardelli Franco complementou que é importante que, nessa construção de redes entre atores e movimentos, ocorram o diálogo e o respeito à diversidade.
“Sem pressupostos garantidos, não é diálogo, e o respeito é um pressuposto: compreender o que leva o outro a ter o raciocínio que ele tem (…). Paulo Freire diz que nenhuma transformação se dá forma unilateral: é preciso reconhecer a humanidade do outro”, diz Franco.
Ainda para a diretora-executiva do CENPEC Educação, também é necessário que haja um empoderamento das pessoas no que diz respeito ao uso das redes, tanto físicas quanto virtuais.
Ser rede não é necessariamente ‘bom’: o mecanismo pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal, (…) e, da maneira que as redes estão dadas, dá-se a impressão de que a pessoa está no poder, quando, na verdade, ela não se dá conta do quanto é controlada: do quanto os algoritmos agem, de forma a nos conectar, mas também a formar ‘bolhas’ – e, se não reconhecermos que estamos numa bolha, não saímos dela.”
Mônica Gardelli Franco
Embora oficialmente lançada na última semana, a Bancada da Educação iniciou suas atividades em outubro/2018 e já tem atuado em diferentes municípios do País.
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