Carreira, remuneração, condições de trabalho, formação e outros aspectos que compõem a valorização docente precisam ser considerados para garantir qualidade na educação básica
Por Stephanie Kim Abe
A sociedade brasileira valoriza a profissão docente? Existe a compreensão de que quando falamos de valorização docente, estamos falando mais do que uma remuneração digna ou melhores condições de trabalho? E em que medida as(os) próprias(os) docentes têm essa noção e valorizam a sua profissão?
Lançado em outubro pelo Instituto Península, o Indicador de Valorização de Professores (IVP) busca ser uma ferramenta para responder a essas importantes questões. Para isso, olha a valorização docente a partir de cinco dimensões:
✏️ campo de atuação (reconhecimento da relevância da educação para a população brasileira ✏️carreira (relacionada à remuneração e condições de trabalho) ✏️ambiente de trabalho (relações que se estabelecem na escola com os diferentes atores da comunidade escolar) ✏️profissional (competências da(o) professora(r) na sua atuação) ✏️individual (bem-estar e realização pessoal).
Segundo os primeiros resultados, a valorização do professor é de 6,7 pela sociedade brasileira e 7 segundo as(os) suas(seus) profissionais. Isso significa, na escola IVP, que é média a valorização da(o) professora(or) brasileira(o), tanto vista pela sociedade, como pelas(os) educadoras(es) (nota entre 6 e 8, em uma escala de 10).
Apenas 26% da população brasileira atribui às(aos) docentes uma alta valorização. Entre as(os) professoras(es), essa taxa é de apenas 20%.
A pesquisa entrevistou 2 mil pessoas representativas da população brasileira de 16 anos ou mais, das cinco regiões brasileiras, e 6.775 mil docentes com 18 anos ou mais.
No caso das(os) professoras(es), além de ser mais positiva a visão sobre valorização docente entre aquelas(es) com menor renda, ela também é mais positiva para as(os) profissionais que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental.
Aspectos a se avançar
Um estudo do Instituto Semesp alerta para o possível apagão de docentes em 2040, que poderia chegar a um déficit de 235 mil professoras(es). Isso se deve pelo abandono da carreira (muito por causa das condições de trabalho), além do envelhecimento do corpo docente e a falta de interesse das(os) jovens pela profissão.
Andréa Barbosa Gouveia, professora do Núcleo de Políticas Educacionais (NuPE) do setor de educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), alerta que:
Não adianta fazer campanhas publicitárias ou propagar mensagens de que o professor é importante quando na percepção cotidiana constata-se que o está sobrecarregado, que o esforço que ele tem que fazer no trabalho não é recompensado, que ele não consegue se sustentar com a sua profissão. Precisamos ter uma carreira que de fato atraia”, diz.
Há diferentes aspectos a serem observados, conforme o próprio IPV coloca, e que se complementam para criar uma carreira atrativa: remuneração, condições de trabalho, formação adequada, etc.
No caso da remuneração, Andréa chama atenção para características estruturais da forma como a profissão docente está organizada no Brasil que precisam ser identificadas para que melhores soluções sejam encontradas.
Uma delas é a possibilidade de contratar professoras(es) de nível médio, não apenas a licenciatura, o que acaba acontecendo em cidades pequenas. São nesses municípios menores também que vemos uma menor capacidade tributária, o que também contribui para que tenhamos discrepâncias salariais em diferentes lugares do Brasil.
Segundo dados do Censo Escolar e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), a remuneração média bruta de professoras(es) na rede municipal era de R$ 3.580 em 2020, para uma carga horária de menos de 30 horas semanais. Para um contrato de 40 horas, era de R$ 4.897, enquanto na rede estadual, a média foi de R$ 4.974.
Mas há uma variação entre diferentes redes municipais: 25% das(os) docentes ganhavam menos de R$ 2.288 e para outras(os) 25% o salário superou R$ 4.422.
Outro ponto que Andrea ressalta é a questão do perfil da docência no Brasil:
É preciso reconhecer que o magistério é uma profissão feminina, o que, historicamente, puxa o salário para baixo. As mulheres estão ainda nas redes municipais e mais presentes na educação infantil, enquanto os homens estão mais presentes nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, nas redes estaduais. Então há uma desigualdade de gênero que muitas vezes é invisível e que as políticas públicas salariais não olham. A profissão docente fica entre dilemas e desigualdades que são intrínsecas à própria profissão e que precisamos avançar.”
Andréa Barbosa Gouveia, professora do Núcleo de Políticas Educacionais (NuPE)
Ainda que o novo Fundeb tenha aumentado a subvinculação de recursos destinados ao pagamento de pessoal de 60% para 70%, em volume de recurso de fato não há tanta mudança, à medida que muitos municípios e estados já gastavam esse percentual com folha de pagamento.
Essa manutenção da subvinculação é importante porque dá uma dimensão de que a valorização dos professores é um compromisso da política de fundos. Com a ampliação da participação da complementação da União, temos agora mais estados e mais municípios recebendo recursos novos. Porém, também passamos a trabalhar com a ideia de que os 70% da subvinculação serve para o pagamento do conjunto dos profissionais da educação, não apenas docentes. Ou seja, o Fundeb acaba não sendo uma solução sozinho”, diz.
Andréa Barbosa Gouveia, professora do Núcleo de Políticas Educacionais (NuPE)
A formação das(os) professoras(es) também preocupa Andréa, que entende que há diferentes motivos pelos quais há menos profissionais qualificadas(os) no mercado hoje em dia:
Temos licenciaturas que têm cada vez cursos de ensino à distância mais baratos, como Pedagogia e Letras. São baratos porque são feitos com baixa qualidade. Nesses casos, não teremos necessariamente um apagão de professores, mas sim professores pouco qualificados. Por isso é necessária a regulamentação do EAD para garantir qualidade da educação básica. Por outro lado, temos cursos, como de Biologia, Química ou mesmo Educação Física, que requerem laboratório ou outros espaços e cuja oferta EAD não é tão grande, mas que a má remuneração ou condição de trabalho vai afastá-lo da sala de aula”, explica.
Andréa Barbosa Gouveia, professora do Núcleo de Políticas Educacionais (NuPE)
Da formação inicial ao salário, da condição de trabalho às perspectivas de carreira, tudo isso contribui para pensar a atratividade da carreira docente, como diz Andréa:
O aumento de vínculos temporários, por exemplo, é contraproducente com a atratividade da carreira – que é o que a gente precisa melhorar. Atratividade significa ter uma perspectiva de trabalho que te dê estabilidade de vida e condições de exercer a sua profissão de maneira mais integrada. Isso significa melhorar a remuneração, mas também as condições de trabalho: a quantidade de alunos que o professor tem em sala de aula, a quantidade de aulas que ele dá na semana ou a quantidade de escolas que ele trabalha para compor uma renda mensal digna. Tudo isso desgasta o professor e afasta os jovens da carreira docente”, diz.
Andréa Barbosa Gouveia, professora do Núcleo de Políticas Educacionais (NuPE)
✏️
Que tal ouvir a conversa de professoras(es) sobre a valorização docente?
O que é necessário garantir para que a carreira docente seja, de fato, valorizada? Este é o tema do podcast Educação na ponta da línguade outubro. Neste episódio, a apresentadora e professora Gina Vieira conversa com o professor Francisco Thiago Silva (UnB) e com a professora Daniele Dorotéia Rocha da Silva de Lima (UFRN). Ouça aqui:
A Revista Gama fez uma edição dedicada à questão docente, em que exploram a evasão da categoria, os desafios para atrair jovens, o uso da tecnologia no ensino e muito mais. Na reportagem Quem quer ser professor, a presidente do Conselho de Administração do Cenpec Anna Helena Altenfelder fala sobre as preocupações com o apagão docente e de como a valorização aparece no Plano Nacional de Educação (PNE).
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