Censo Escolar 2022: uma coordenação nacional se faz mais do que necessária
Resultados da primeira etapa do Censo Escolar 2022 indicam aumento de matrículas e retomada de patamares anteriores à pandemia. Mas ainda é preciso garantir a estabilização e o crescimento desses números; saiba mais
Por Stephanie Kim Abe
Dados da primeira etapa do Censo Escolar 2022, divulgados ontem (dia 08/02), revelam que houve um crescimento de matrículas na educação básica entre 2021 e 2022 de 1,5%. Isso significa 47,4 milhões de matrículas – número que retorna aos patamares observados antes da pandemia.
Em 2019, o Brasil contabilizava 47,8 milhões de matrículas na educação básica, que engloba a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
Ainda assim, existem 1,04 milhão de crianças entre 4 e 17 anos fora da escola.
Desses, quase 400 mil são crianças de quatro anos e 483 mil adolescentes de 17 anos que deveriam estar matriculadas(os) em uma instituição de ensino.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec, alerta para uma cautela ao analisar esse números de matrícula, que não necessariamente significam uma tendência de revisão do cenário educacional:
É um crescimento pequeno que, no meu entender, requer ainda políticas para que se sustentem – e mais, para que sejam ampliados a fim de suprir as reais necessidades das(os) estudantes brasileiras(os). Isso significa continuar assegurando a busca ativa e também a permanência dessas(es) estudantes na escola, assim como priorizar políticas relacionadas ao ensino e aprendizagem”.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec
A taxa de atendimento na creche (ou seja, para crianças até 3 anos de idade) chegou a 36% (3,9 milhões de matrículas) em 2022, ultrapassando também o patamar pré-pandêmico de 2019 (35,6%). Ainda assim, dificilmente vamos alcançar a meta 1 do Plano Nacional de Educação – PNE (Lei 13.005/2014), que determina a oferta de educação infantil a 50% da população dessa faixa etária.
Durante a coletiva de imprensa de apresentação dos dados, o ministro da educação Camilo Santana reforçou a importância de que munícipios, estados e Governo Federal trabalhem juntos para pensar estratégias e políticas públicas de educação – algo que, na visão de muitas(os) especialistas e gestoras(es), não ocorreu durante o governo Bolsonaro, mesmo durante a pandemia.
“O regime de colaboração entre estados e municípios é essencial. Uma estratégia que não tenha uma política de cooperação com coordenação nacional dificilmente vai ter sucesso no país“, disse o ministro da Educação Camilo Santana.
Não se trata de recuperar aprendizagens ou lidar com atrasos, como muita gente anda comentando, mas de buscar meios de reorganizar o ensino para adequá-lo às necessidades de aprendizagem e aos interesses desses grupos que estamos recebendo. Por quê? Porque queremos garantir o direito de todas e todos à aprendizagem e à escolarização de longa duração e com sucesso.”
“Acredito que as prioridades apresentadas nesses primeiros dias de governo pelo MEC – como a alfabetização, a educação integral e a recomposição de aprendizagens – estão em diálogo com esses dados que o Censo Escolar 2022 nos traz e mostram uma possibilidade interessante de que consigamos estabilizar e fazer crescer esses números”, analisa Anna Helena.
Veja abaixo outros destaques do Censo Escolar 2022.
Educação integral
Uma das bandeiras da atual gestão, a educação integral apresentou um ligeiro aumento em 2022. Na creche, 92% das matrículas em escolas privadas conveniadas com o poder público são de tempo integral, frente 56,8% nas escolas municipais.
Nos anos iniciais do ensino fundamental, a porcentagem de estudantes matriculadas(os) que frequentam escolas em tempo integral voltou aos patamares de antes da pandemia (11,4% em 2022). Nos anos finais, o aumento foi maior: de 9,9% em 2021 para 13,7% em 2022.
Já no ensino médio, essa porcentagem tem crescido nos últimos 5 anos: se em 2018 10,5% das(os) estudantes matriculadas(os) no ensino médio em escolas públicas permaneciam sete horas na escola, em 2022 elas(es) chegam a 20,4%, com aumento forte entre 2021 e 2022.
Porém, como tanto o diretor de estatísticas educacionais do Inep Carlos Eduardo Moreno quanto o ministro da Educação Camilo Santana destacaram, a expansão da oferta de educação integral ocorre de forma diversa entre os estados brasileiros.
Enquanto em Pernambuco essa modalidade atinge 62,5% das(os) estudantes de ensino médio da rede pública, no Paraná somente 4,4% delas(es) estão matriculados em tempo integral.
Para o ministro, esse é um dos dados que reforça o esforço individual de cada um dos estados e dos municípios em garantir políticas públicas de educação durante o governo Bolsonaro, sem uma coordenação nacional.
“Se tivéssemos uma política nacional, não teríamos tanta distorção entre os estados“, explicou o ministro Camilo.
A educação integral é o foco da meta 6 do Plano Nacional de Educação – PNE (Lei 13.005/2014), que estipula a oferta de “educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica”.
Anna Helena vai além e ressalta que, além de olhar para as diferenças regionais, é preciso que uma política nacional dê condições e diretrizes para combater todas as desigualdades:
Devemos olhar também para essas porcentagens e entender: quem são essas(es) 62,5% estudantes pernambucanas(os) que estudam em escolas de tempo integral? Qual o perfil delas(es)? E quem são os restantes 38,5% que não frequentam a escola por sete horas? Muito provavelmente, são aquelas(es) mais pobres, negras(os), indígenas ou das áreas rurais. Elas(es) recebem um ensino de mesma qualidade? Então é preciso que o governo federal induza políticas e forneça subsídios teóricos e financeiros para que os estados e municípios possam desenvolver as suas políticas considerando esse olhar para o enfrentamento das desigualdades de nível socioeconômico, de raça/cor, de territórios“.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec
Nós entendemos que a ampliação do tempo na escola é necessária, mas não é suficiente para garantir a expansão do currículo e das experiências que acreditamos que as(os) estudantes devem ter nesse modelo.”
O Censo Escolar 2022 também trouxe dados sobre a estrutura tecnológica das escolas e os obstáculos para acessar esses recursos.
Tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, vê-se que a disponibilidade de recursos é diferente em relação tanto à região onde a escola se encontra como à sua dependência administrativa.
As escolas federais aparecem com os melhores percentuais em relação a dispositivos (tablets e computadores para estudantes) e conexão (internet banda larga, internet para os estudantes, para uso administrativo etc), seguida pelas escolas privadas e/ou estaduais.
As escolas nas regiões Norte e Nordeste são as que têm menos recursos tecnológicos disponíveis, enquanto as do Sul têm os maiores percentuais.
De acordo com o ministro Camilo Santana, a meta desta gestão é ter, até o final de 2026, todas as escolas públicas conectadas. Ele ressaltou ainda que “não é só levar a internet, mas levar o equipamento, o acesso ao professor e ao estudante, avaliar a qualidade dessa conexão”.
As matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) seguiram a tendência de queda dos últimos cinco anos, com um total de 2,7 milhões de estudantes em 2022.
Durante a coletiva, o diretor de estatísticas educacionais do Inep, Carlos Eduardo Moreno, chamou atenção para o fato de que o perfil das(os) estudantes de EJA difere em cada etapa.
Nos anos iniciais do ensino fundamental, a idade média das(os) estudantes da EJA é de 46 anos. Já nos anos finais e no ensino médio, a idade média é de 24 e 25 anos.
“Isso indica que os estudantes que estão indo para EJA nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio provêm do ensino regular. São estudantes com histórico de retenção, de não terem uma trajetória escolar regular“, explica Carlos.
Anna Helena alerta que essa migração de estudantes com histórico de retenção evidencia questões no ensino fundamental e médio que deveriam ser evitadas para garantir trajetórias de sucesso:
“A cultura do fracasso escolar – ou seja, a crença de que reprovar é uma boa medida pedagógica – segue presente no sistema escolar. Sabemos que a pandemia trouxe desafios grandes ao ensino e aprendizagem. Assim são necessárias ainda políticas públicas para recomposição das aprendizagens, enfrentamento da cultura do fracasso e formação de professoras(es) para garantir a todas(os) uma trajetória de sucesso, principalmente para as(os) estudantes mais pobres, negras(os), indígenas e dos territórios mais vulneráveis“, analisa.
Temos que ter uma diversidade de atendimentos na EJA, porque os públicos já são variados. Ela atende desde o adulto que nunca foi pra escola – que chamamos de analfabeto absoluto – até os imigrantes que chegam para aprender a língua portuguesa. Há também as populações originárias, as comunidades quilombolas e os ribeirinhos, as populações do campo, ou mesmo os trabalhadores urbanos que estão empregados nas atividades manuais, mas longe da escrita. Não é à toa que é preciso aporte e suporte, tanto financeiro quanto pedagógico específico, para que a EJA seja ofertada com qualidade para todos e todas“
Beatriz Cortese, diretora executiva do Cenpec, reforça a importância do Censo Escolar e por que a gestão escolar deve estar atenta a esses dados:
O Censo Escolar é um importante instrumento para subsidiar as políticas públicas educacionais do país. Neste último levantamento, vimos que, apesar dos resultados importantes de crescimento de matrículas em quase todas as etapas de ensino, os números endossam também muitos dos grandes desafios que temos pela frente, como a questão da distorção idade-série e a oferta desigual de recursos tecnológicos, para citar alguns.
Beatriz Cortese, diretora executiva do Cenpec
Avançar nas políticas de conectividade nas escolas, trabalhar pela alfabetização na idade certa e pelo fortalecimento da educação integral são frentes essenciais”.
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