Conheça o sistema de educação presencial mediado por tecnologia do governo do Amazonas
No Brasil, o acesso à educação básica de qualidade é um direito garantido na Constituição. Essa garantia tem surtido efeitos claros nas estatísticas, como mostra o número de matrículas no Ensino Fundamental: 98% das crianças de 6 a 14 anos estão na escola (IBGE, 2018). No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados, como: a universalização da educação infantil, do Ensino Médio, a continuidade das políticas públicas e as desigualdades educacionais.
Em um país de dimensões continentais, as singularidades geográficas afetam o direito de crianças, adolescentes e jovens não apenas terem acesso à escola, mas seguirem seus estudos com qualidade e garantia de desenvolvimento integral, a fim de exercer sua cidadania de forma plena.
Para isso, políticas e programas têm empregado tecnologias de informação e comunicação (TICs) especialmente em regiões de difícil acesso aos centros urbanos, como é o caso de muitas comunidades amazônicas. No estado do Amazonas, o governo desenvolveu uma solução inovadora a fim de atender alunos de escolas estaduais de Ensino Fundamental e Médio localizadas em comunidades isoladas. Trata-se do Sistema Estadual de Ensino Presencial Mediado por Tecnologia (SEEPMT).
Criado em 2007, esse sistema desenvolve uma modalidade de ensino presencial mediado por tecnologia voltado a estudantes do Ensino Fundamental II (5o a 9o ano) , Ensino Médio e EJA. Nesse modelo, professores especializados transmitem aulas ao vivo via satélite. Na outra ponta, em escolas de comunidades rurais, professores presenciais fazem a mediação entre seus alunos e o conteúdo apresentado nas videoaulas.
As aulas são gravadas todos os dias em estúdios do Centro de Mídias de Educação do Amazonas (Cemeam), situado na capital, Manaus, e transmitidas por meio de um sistema de IPTV (Televisão por Protocolo de Internet, em inglês Internet Protocol Television) para diversas comunidades.
Durante a transmissão, os estudantes podem fazer intervenções, com perguntas e comentários. Para isso, o professor presencial inscreve sua turma via internet e a imagem da classe passa a ser visualizada pelo professor especialista, no estúdio, e pelas demais salas, localizadas em comunidades distintas. Além disso, a tecnologia possibilita que professores e alunos tenham acesso a conteúdos e recursos disponíveis na internet.
Em 2016, quase uma década do início do programa, o governo abriu um edital, vencido pelo CENPEC Educação, com o objetivo de realizar uma avaliação processual e formativa, em conjunto com a equipe da Secretaria de Educação do estado. O objetivo é que a avaliação resulte em um projeto para ampliação e melhoria da plataforma digital, assim como aperfeiçoamentos nas práticas pedagógicas promovidas por meio dela.
Aproximações às escolas rurais amazonenses
A avaliação do sistema desenvolvido pelo Cemeam envolve uma série de encontros, presenciais e a distância, entre membros da Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do Ensino do Amazonas (Seduc-AM) e a equipe de assessoria do CENPEC Educação. Atualmente, o grupo responsável pela avaliação é formado por Leila Iannone (coordenadora de avaliação), Anna Helena Altenfelder (subcoordenadora pedagógica e conselheira do CENPEC Educação), Fabiano Pereira (subcoordenador de tecnologia), Marco Machado e Luciana Medeiros (pesquisadores) e Marcia Coutinho (coordenadora executiva).
Em janeiro, ocorreu o primeiro encontro para definir os termos da assessoria. Em março, as equipes se reuniram para a validação do plano de trabalho. Na mesma ocasião, a equipe do CENPEC Educação fez uma visita monitorada ao Cemeam e à Escola Municipal Ariaú, no município de Iranduba, região metropolitana de Manaus.
Entre maio e junho, os especialistas do CENPEC Educação realizaram visitas a 20 escolas de 10 municípios distintos, onde foi feita a coleta de dados e os registros em diários de bordo. Também foram realizadas entrevistas com professores e aplicados questionários com os estudantes. Entre os aspectos ressaltados nos registros, as peculiaridades geográficas e culturais, como a diversidade linguística, saltam aos olhos dos observadores aclimatados à realidade urbana.
Na comunidade de Assaituba, a cerca de 25 minutos do município de Santa Isabel do Rio Negro, só se chega de barco. “As casas não têm água encanada e a energia elétrica para a comunidade é fornecida por um gerador da prefeitura, acionado das 18h às 22h”, relata Marcia Coutinho em seu diário de bordo. Dos cerca de 140 habitantes, 67 são alunos do Ensino Fundamental, EJA e Ensino Médio tecnológico. No território, são faladas três línguas além do português: nheengatu, baniwa e kuripako.
A pesquisadora Luciana Medeiros, que visitou a comunidade Santa Maria do Uruá, no município de Novo Aripuanã, relata, em seu diário de bordo: “O rio Madeira tem uma navegação mais difícil, por sorte nosso condutor conhece bem a região e não tivemos problemas. Na comunidade não tem um porto, um local onde se encosta o barco. Paramos direto na beira do rio e descemos. Logo em frente está a escola, suspensa por palafitas. Seu entorno é um grande terreno coberto por areia, lama do rio, ainda úmida das chuvas de semanas anteriores. A escola é o centro da comunidade, que se espalha à sua direita e esquerda, sempre seguindo a margem do rio”.
Os desafios do campo
Na comunidade de São José do Amatari, à beira do rio Amazonas, a escola visitada foi a Monsenhor Joaquim Pereira. Inaugurada em 1918, no ano passado uma grande festa celebrou seu centenário. “A professora é muito comprometida, carinhosa com todos e muito atenta nas dificuldades de cada um. A sala era bem agitada, com a maioria dos alunos jovens e falantes. Eles falavam o tempo todo junto com a transmissão da aula”, relata Marcia em seu diário.
Já a Escola Tsukasa Uyetsuka é situada na Vila Amazônia, sede de um assentamento criado em 1986 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Como a escola fica distante cerca de 3 km do ancoradouro dos barcos, o acesso é feito a pé, de mototáxi ou caminhonete, relata a educadora Anna Helena Altenfelder.
A pesquisadora registra, em seu diário de bordo, dificuldade de transmissão de áudio e vídeo, além da falta de materiais como papel e toner para impressão de materiais, o que leva os professores a recorrerem a alternativas, como provas em dupla.
Olhar pedagógico sobre realidades diversas
A observação de realidades tão diversas possibilita pensar aspectos fundamentais da educação. “Um professor que acredita verdadeiramente no projeto pedagógico valoriza suas ferramentas, os professores ministrantes e os recursos didáticos, assim como tem consciência da importância de seu próprio papel e é capaz de ajudar seus alunos a construírem sentidos positivos sobre a experiência vivida”, reflete Anna Helena.
Diante das mudanças aceleradas nas tecnologias digitais, é fundamental uma análise criteriosa dessa experiência, que pode inspirar outras iniciativas nesse sentido pelo país. Apesar de nossa sociedade estar cada vez mais conectada à internet, principalmente por meio do celular, o uso de recursos digitais com fins pedagógicos ainda não é uma realidade na maioria das escolas públicas brasileiras. Esse cenário indica que não basta ampliar o acesso de educadores e estudantes às tecnologias, mas promover uma formação específica para a compreensão de cada recurso e suas possibilidades na educação.
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