Tráfico de drogas e trabalho infantil

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Tráfico de drogas e trabalho infantil

Evento discutiu tráfico de drogas, política proibicionista, território e exploração do trabalho de crianças e adolescentes

Por João Marinho

Aconteceu na última terça-feira (12/03), às 14h, o primeiro encontro da série Socioeducação em Debate, com o tema Tráfico de drogas: do proibicionismo à criminalização da infância e adolescência no Brasil

Realizado pelo CENPEC Educação, o evento contou com a participação de cerca de 50 pessoas e a presença de Heloisa de Souza Dantas, Mauricio Fiore e Paulo Malvasi. Na ocasião, também foram apresentados os resultados da pesquisa Tráfico de drogas entre as piores formas de trabalho infantil, feita pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

A abertura coube a Marília Rovaron, mediadora e coordenadora de projetos do CENPEC Educação, que contextualizou o tema e anunciou uma sequência de debates similares previstos para acontecerem durante o ano de 2019 sobre questões atuais ligadas à vulnerabilidade social de crianças, adolescentes e jovens. Assista ao vídeo.

Mercado e território

Paulo Malvasi, antropólogo e pesquisador do Cebrap, deu o tom do encontro, com base nos dados trazidos pela pesquisa: observar o tráfico de drogas como um mercado. “É muito importante que nós, que trabalhamos diretamente com adolescentes nessas fronteiras, que convivemos e conhecemos a história de vida deles, tenhamos a clareza de que [o tráfico] é um mercado, com lei de oferta e procura”, disse o especialista.

O que a pesquisa mostra é que o trabalho no tráfico de drogas é muito peculiar (…). Há jornada, hierarquia e um mercado que vai atender quem compra drogas – e há uma cadeia de mercado de trabalho. Quando se criminaliza essa cadeia, as consequências disso incidem em quem é normalmente preso: o mercado não está apenas nas biqueiras, mas é nas biqueiras que se dá a repressão.”

Mauricio Fiore

Educadores discutem juventudes e desigualdades.

Para Malvasi, falar sobre tráfico de drogas é, portanto, discutir estruturas econômicas poderosas, distribuídas pelo conjunto da sociedade. O especialista elenca características desse mercado: ele oferece oportunidade de ganhos para os adolescentes, que normalmente encontram dificuldades de colocação em empregos formais; é neoliberal; e contempla as fases de lavagem do dinheiro e de produção e distribuição da droga-mercadoria.

Ainda segundo o antropólogo, a guerra às drogas acaba por se converter em guerra aos pobres, uma vez que jovens que traficam em bairros de classes sociais mais abastadas sofrem menos repressão social do que quem vive em condições mais vulneráveis.

“Nessas fronteiras, alimenta-se toda uma estrutura política (…). Esses adolescentes trabalham na ponta mais exposta, mais vulnerável à repressão policial”, concluiu o antropólogo, ao chamar a atenção para o fato de que a prisão dos adolescentes privados de liberdade “acontece geralmente próxima ao local de moradia – e de trabalho no tráfico”.

O ilustrador Edson Pelicer traduziu o debate em tempo real em um mural.

Para Heloisa Dantas, psicóloga e supervisora do Instituto Fazendo História, a Justiça e outras esferas da sociedade muitas vezes não compreendem as diferentes variáveis envolvidas no trabalho no tráfico. “Não [se] entende o que é vida quebrada, o que é vulnerabilidade social: o adolescente é o traficante, é o bode expiatório (…). A vida dele vale nada. É uma população considerada indesejada, criminalizada”.

Dantas chamou a atenção para o território. Segundo ela, é preciso reconhecer que, no mercado do tráfico, transita uma população heterogênea que, no entanto, tem sua identidade atravessada pelo território onde se estabelecem a compra e a venda de drogas. Para além de compreender como o território influencia essas identidades, é preciso reconhecer as potencialidades dos sujeitos que nele transitam: “É fundamental ver a potência desses adolescentes para além do ato infracional”.

Você sabia?
Em São Paulo, o território onde os adolescentes vivem – e atuam no mercado do tráfico – constitui o que eles chamam de “quebrada”. A referência surge do modelo de urbanização paulistana, em que populações mais pobres foram regularmente afastadas do centro em direção às periferias. Nesse processo, as referências para correios e outros serviços de entrega passavam por orientações espaciais para que as residências fossem encontradas no emaranhado de ruas dos bairros mais afastados: “vai na avenida até o fim, ‘quebra’ à direita, depois ‘quebra’ à esquerda”.
Fonte: Paulo Malvasi

Política antidrogas

Marília Rovaron (CENPEC) media o debate.

Mauricio Fiore, cientista social e também pesquisador do Cebrap, focou a política antidrogas do Brasil, guiada pelo modelo proibicionista. Para ele, cada droga tem uma história social específica. Assim, a discussão tem dimensão política.

A política antidrogas é do Estado, mas a sociedade é maior que o Estado (…). [Há] drogas pelas quais a sociedade tem predileção, aceitação, normalização. Há a cracolândia em São Paulo, mas, durante o Carnaval, existe uma ‘alcoolândia’ na rua Augusta, com crianças e adolescentes vendendo álcool, e essa é uma constatação trazida pela evidência.”

Mauricio Fiore

Fiore avalia que o modelo proibicionista se baseia em uma preocupação legítima: as drogas trazem consequências para a saúde e se localizam em um campo caracterizado pelo descontrole, com consequências socialmente indesejáveis. Sua aplicação, porém, traz outras questões, nem sempre enfrentadas pela sociedade, como a questão racial: “A política antidrogas atual tem uma consequência racial muito nítida, e podemos ou não fortalecer isso (…). [Além disso,] precisamos considerar que a política antidrogas não vai acabar com a violência, mas pode ser um indutor para diminuí-la ou para piorá-la”.

O pesquisador citou o exemplo do Uruguai, chamando a atenção para o debate atual sobre a legalização da maconha: se ela ajudou ou não a piorar os índices de homicídios no país, que aumentaram recentemente. “É um risco de fazer promessas quando se apresentam soluções (…). Há, porém, outros efeitos que são positivos no Uruguai. A violência não está entre eles agora, mas poderá estar depois. No caso brasileiro, seria o caminho para pensar o tipo de repressão e encarceramento que temos.”

O debate foi encerrado com uma rodada de respostas às dúvidas expostas pelos presentes, que ganharam exemplares impressos da pesquisa do Cebrap.

Conheça os debatedores


Fotos: Mayara Simeão e João Marinho