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Mulheres e Meninas na Ciência
As mulheres são hoje 54% das(os) estudantes de doutorado no Brasil, mas essa participação varia com a área do conhecimento. Veja como duas professoras e uma estudante encaram a presença das mulheres nas ciências
- Tamara Castro
Por Stephanie Kim Abe
No dia 9 de janeiro de 2022, data de reaplicação do Enem 2021, a biomédica Jaqueline Goes de Jesus recebeu nas redes sociais “uma enxurrada de carinho” de estudantes que realizaram a prova. O motivo foi o tema da redação: “Reconhecimento da contribuição das mulheres nas ciências da saúde no Brasil”.
Muitas(os) jovens lembraram do feito da baiana, doutora em patologia humana e experimental pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), durante a pandemia, ao liderar a equipe que sequenciou, em apenas 48 horas, o genoma do primeiro caso de Covid-19 no Brasil.
Em um post de agradecimento ao carinho recebido, a pesquisadora aproveitou para refletir sobre ser um modelo de inspiração para muitas pessoas:
Eu sempre recebo muitas mensagens de carinho e admiração. Pessoas de todos os cantos do Brasil e do mundo relatam o quanto as inspiro com a minha presença e história, no contexto brasileiro de precariedade e desapoio à Ciência.
Jaqueline Goes de Jesus
Eu tenho uma grande dificuldade de acolher esse afeto e mais ainda de trazê-lo a público. Quase sempre fico acanhada por diversos motivos (ser uma mulher preta, para a qual o lugar do carinho e do afeto foram e ainda é negado, causa esses traumas na gente. Mas isso é uma outra pauta).
Mas eu me peguei pensando no quanto a representatividade tem um poder transformador na vida das pessoas. Em que outra situação jovens em fase de decisão de carreira conheceriam e/ou discutiriam sobre um tema tão relevante?”
Casos de mulheres como Jaqueline, pesquisadoras que se destacam nas ciências e recebem reconhecimento pelo seu trabalho, têm crescido no Brasil, ainda que a passos lentos. Segundo um artigo de março de 2020 de Fernanda De Negri, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea):
Hoje, as mulheres são cerca de 54% dos estudantes de doutorado no Brasil, o que representa um aumento impressionante de 10% nas últimas duas décadas. Esse número é semelhante ao dos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde em 2017 as mulheres conseguiram 53% dos diplomas de doutorado concedidos no país. No Brasil, assim como no resto do mundo, no entanto, essa participação varia muito de acordo com a área do conhecimento. Nas ciências da vida e da saúde, por exemplo, as mulheres são a maioria dos pesquisadores (mais de 60%), enquanto nas ciências da computação e matemática elas representam menos de 25%.”
Fernanda De Negri
Foi buscando a igualdade de gênero e representatividade na ciências que a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Celebrado pela primeira vez em 2016, a meta de envolver e incentivar o desenvolvimento de meninas e mulheres cientistas está em conformidade com os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Para celebrar a data, o Portal Cenpec traz, a seguir, um pouco da história de vida e das opiniões de duas professoras e uma estudante sobre o papel das mulheres e meninas nas ciências. Apesar de terem diferentes trajetórias e inspirações na área científica, elas convergem na esperança de que a busca por igualdade de gênero nas ciências possa avançar cada vez mais e permitir que qualquer menina ou mulher possa realizar pesquisa quando e onde quiser.
Confira!
Saiba mais sobre como incentivar a participação das garotas nas áreas de ciências
Se eles te colocam um muro, você pula o muro ou passa ao redor. Não deixe que eles te parem. Não se bloqueie!”
Sonia Guimarães, primeira mulher negra doutora em física no Brasil e primeira professora negra no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
A trajetória da física Sonia Guimarães é quase como uma corrida com obstáculos:
Desde o comecinho, já no fundamental 2, uma professora de física me disse: ‘você nunca vai aprender física’. Quando fui tentar uma bolsa de iniciação científica, na graduação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), me falaram: ‘pra que vou desperdiçar a minha bolsa com você?’. Dando aulas na física no ITA, um professor um dia entrou na minha sala com avaliações de 12 alunos, de um total de 120 da minha turma de 1º ano, que diziam que eu era a pior professora de todos os tempos e que a minha roupa chamava atenção para o meu corpo.”
Sonia Guimarães
Mas ela não deixou que nada disso a impedisse de continuar as suas conquistas. Seu interesse pela pesquisa já estava claro desde pequenininha – pelo menos para a sua avó, que a chamava de “xereta”. “Eu sempre fui pesquisadora, sempre fui atrás de ter respostas às minhas perguntas. E quando percebi que conseguia ganhar dinheiro fazendo isso, não duvidei do que fazer na vida”, diz.
Sonia foi a primeira mulher negra a se formar doutora no Brasil e a primeira professora negra do ITA. Em 2021, ela recebeu o Prêmio Professor Emérito – Troféu Guerreiro da Educação Ruy Mesquita, realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo e o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). Ela é a primeira mulher negra a receber a honraria.
Eu jamais tive essa consciência que estava quebrando barreiras. Eu só estava tentando sobreviver, conseguir as coisas que eu queria, chegar nos lugares que eu almejava. Conforme fui ganhando fama, comecei a perceber que eu não sou aquela porcaria que todo mundo dizia que eu era.”
Sonia Guimarães
Os esforços, não só dela como de todos(as) que lutam pela igualdade de gênero e o combate ao racismo, têm dado resultados, aos olhos da professora. Ela vê mudanças nas escolas, que tem mais representação e diversidade nos materiais escolares, e na presença de pessoas negras nas universidades, por causa de políticas educacionais afirmativas, como as cotas.
Para a pesquisadora, a escola deve continuar vigilante e atenta para as meninas que mostrarem interesse nas ciências, estimulando que elas se desenvolvam, mesmo que não sejam as primeiras alunas da sala.
Não devemos desencorajar uma pessoa porque ela tem dificuldade. Ela só precisa de mais atenção. Sei que é complicado fazer isso em uma sala de aula com 40 alunos, mas ali pode ter escondido um Einstein, que também teve dificuldades na escola e fez grandes descobertas.”
Sonia Guimarães
A sua dica para as meninas e mulheres que estão buscando avançar em suas pesquisas e deixar o seu legado é categórica:
Se eles te colocam um muro, você pula o muro ou passa ao redor. Não deixe que eles te parem. Porque o objetivo do muro é dizer que você não presta, que não é inteligente o suficiente etc. Não dá para entender o que faz alguém colocar esse impeditivo no caminho de outra pessoa. O que ela ganha com isso? Sempre digo em minhas palestras: não se bloqueie!”
Sonia Guimarães
Acesse a oficina Mulheres negras no cenário nacional
A ideia de que as meninas não servem para as ciências é algo bem enraizado na cultura brasileira e nós precisamos ir quebrando esse tabu, mostrando que não é isso.”
Barbara Daniela Guedes Rodrigues, professora de química da EE Professor Sebastião de Oliveira Rocha, em São Carlos (SP)
A professora Barbara trabalha há mais de 10 anos com projetos nas áreas científicas. Um dos seus principais focos é justamente incentivar as meninas nas exatas. Tanto que, na escola de São Carlos onde trabalha, Barbara coordena dois grupos de meninas: o Infoladies, que trabalha a questão de resíduos sólidos e de reaproveitamento de materiais recicláveis por meio de aplicativos, e o Jades – Juntos Acabaremos com o Desperdício.
Com diferentes projetos, ela já participou três vezes do Prêmio Respostas para o Amanhã — iniciativa brasileira do Solve for Tomorrow, programa global da Samsung com coordenação geral do Cenpec. Ano passado, o grupo de seus estudantes do 2º ano foi o grande vencedor do Prêmio, com um projeto TESLA – Reaproveitamento de resíduos orgânicos para a produção de biogás. Bárbara trabalhou em parceria com a professora Isabel Cristina Santana Kakuda.
A ideia era tentar montar um biodigestor para reaproveitar as sobras da merenda. Começamos com um protótipo bem simples, com baldes, um galão de água… Com a visibilidade, ganhamos apoio de uma empresa privada e conseguimos avançar no nosso projeto.”
Barbara Daniela Guedes Rodrigues
Barbara ressalta a importância de iniciativas voltadas às estudantes que estimulem suas pesquisas, como aquelas realizadas com universidades. Por estar perto da Universidade de São Paulo em São Carlos, a escola em que trabalha é foco de muitas parcerias e projetos realizados por pesquisadoras(es) de lá. A professora vê frutos do seu trabalho e celebra as estudantes que passaram por sua orientação e entraram nas faculdades públicas, em cursos como ciências da computação e engenharia mecânica.
Trabalhar com projetos no ensino médio é importante tanto para o incentivo como para o amadurecimento dessas meninas. Quando elas chegam na universidade, a dificuldade de fazer um relatório ou de mexer em um equipamento de laboratório é muito menor do que de estudantes em geral, que não tiveram esse contato no ensino médio. Elas saem preparadas em práticas experimentais, vivências de pesquisa, metodologia científica.”
Barbara Daniela Guedes Rodrigues
Barbara acredita que datas como a de hoje são importantes para lembrarmos que existem muitas cientistas renomadas no Brasil e afora, apesar da cultura desigual que ainda prevalece:
A ideia de que as meninas não servem para as ciências é algo bem enraizado na cultura brasileira e nós precisamos ir quebrando esse tabu, mostrando que não é isso. A tendência, a meu ver, é a gente conquistar mais respeito, espaço e confiança, pois estamos em um processo presente”.
Barbara Daniela Guedes Rodrigues
A nossa sorte é ter professoras(es) que estimulam a participação igualitária de todas e todos nas ciências.”
Isadora Campos dos Santos, 16 anos, estudante do 2º ano da Escola Dario Gomes de Lima, em Flores (PE)
O interesse da estudante Isadora por projetos científicos começou no 8º ano do ensino fundamental, quando começou a participar de torneios e feiras de ciências da região. Uma delas foi a Feira Brasileira de Jovem Cientista em 2019; outra, a edição de 2021 do Prêmio Respostas para o Amanhã .
Neste último, o projeto com o qual se inscreveu, em conjunto com mais três colegas, ficou em 3º lugar na premiação. O grupo desenvolveu um óleo do coco catolé de forma artesanal, para ser usado como inseticida contra o caruncho, praga que perfura e destrói grãos, causando um problema típico na região.
Não foi a primeira vez que estudantes da escola participam do Prêmio Respostas para o Amanhã, e ver as(os) colegas chegando tão longe a estimulou a tentar também:
O nosso professor e orientador, Gustavo Santos Bezerra, trabalha na escola tem um tempo e sempre incentiva algumas(ns) estudantes a participarem. Ver três colegas participarem em 2019 do Prêmio, ficando entre os 10 projetos finalistas, foi mais um motivo para tentar também. E conseguimos! Foi uma alegria imensa.”
Isadora Campos dos Santos
Para Isadora, o mais legal de participar de iniciativas como essa é poder ver a teoria se materializando em algo concreto:
Eu gosto muito de física e um pouco de química também. Enquanto na sala de aula a gente trabalha os conteúdos, nesses projetos nós podemos desenvolver e colocar mais em prática o que estamos vendo em sala, podendo aprimorar essa ideia ao longo do ano.”
Isadora Campos dos Santos
Apesar de gostar muito da área, Isadora diz que pretende cursar Direito, seguindo outra das áreas que ela gosta muito, de Linguagens. Ela vê muitas colegas que se interessam pelas Ciências Exatas e acredita que parte desse estímulo vêm do corpo docente:
Eeu vejo que as meninas estão se impondo mais e não ligando para comentários como antigamente, do tipo ‘isso aqui é coisa para homem!’. Elas se interessam pelas ciências exatas. Mas, às vezes, eu vejo que as meninas se acanham um pouco, deixam passar algumas oportunidades. A nossa sorte é ter professores(as) que estimulam a participação igualitária de todos e todas nas ciências.”
Isadora Campos dos Santos
Sobre a data de hoje, Isadora pondera: “Ainda que essa situação de desigualdade entre homens e mulheres tenha melhorado muito, acredito que é importante termos uma data como essa para buscar mais avanços”.
Conheça os projetos vencedores do Prêmio Respostas para o Amanhã 2021
Quer saber mais sobre a situação das mulheres nas ciências? O podcast Women in Science, produzido pelo British Council Brasil, tem 16 episódios que tratam de diferentes assuntos que envolvem esse universo: de liderança feminina a maternidade e carreira; de empreendedorismo científico aos bastidores da produção científica; da diversidade na ciência às tecnologias e inovações realizadas por mulheres. As convidadas são cientistas, estudantes, empreendedoras e técnicas de laboratório do Brasil e do Reino Unido.
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