Escolas saudáveis: ferramentas para pensar a retomada das aulas presenciais
O espaço ideal de uma escola saudável, os protocolos sanitários a serem seguidos e o cenário de dispersão do vírus são alguns dos temas sobre os quais esses instrumentos trazem reflexões e caminhos a serem seguidos
Dadas as dimensões continentais do Brasil, é importante pensar no contexto e na situação de cada cidade e estado com relação ao estágio de propagação da Covid-19, e seguir sempre as recomendações dos órgãos de saúde. A retomada das aulas requer a realização de adaptações nos espaços escolares, a construção de protocolos de higiene e o repasse de recursos financeiros que viabilizem essas mudanças, entre outras medidas.
Pensando em como colaborar para essa discussão sobre as adaptações de infraestrutura escolar, o Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP) elaborou, em parceria com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o Manual Técnico para Escolas Saudáveis.
Mudanças na estrutura física da escola
O documento tem como foco as escolas estaduais de Ensino Fundamental e Ensino Médio de São Paulo, que envolvem 3,8 milhões de estudantes, 200 mil professores e 40 mil funcionários em mais de 5,2 mil edifícios escolares.
Ele traz observações sobre diferentes espaços da escola e as adaptações necessárias para garantir uma maior segurança em relação à transmissão do coronavírus, como também de outras doenças.
Entre as dicas, estão a importância da ventilação natural nas salas de aula, o estabelecimento de turnos para o uso da copa e da sala dos professores (de forma a garantir o distanciamento de dois metros), e a readequação das turmas – de uma situação média atual de 35 alunos por sala para apenas 20 estudantes.
No refeitório, a recomendação é que os(as) estudantes se sentem na diagonal em relação uns aos outros nas mesas compartilhadas, e que seja organizada a entrada e a saída por portas diferentes, com sinalização no chão, para melhor organizar o fluxo.
Há também a preocupação de garantir que o ambiente da escola seja acolhedor e ao mesmo tempo funcional. Isso significa espaços bem iluminados, amplos, coloridos e que possibilitem intervenções nas paredes, no chão, ou a produção de murais. Essas criações permitem que alunos(as) e demais membros da comunidade tenham como registrar experiências e memórias ali desenvolvidas – o que influencia o senso de pertencimento e identidade com a escola.
Com relação à acessibilidade, o documento chama atenção, por exemplo, à necessidade do dispositivo de álcool gel ser colocado à altura de todos(as) e que se opte pelo acionamento automático por sensor, já que por pedal não serve aos(às) cadeirantes.
Problemas com os dados
Ana Beatriz Goulart, arquiteta e urbanista membro do Grupo de Trabalho “Infâncias, juventudes e cidade” do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), conta que o que surpreendeu os(as) pesquisadores(as) envolvidos(as) na produção do Manual foi a fragilidade e a fragmentação dos dados sobre a estrutura das escolas, que acabam pouco ajudando a conhecer de fato a rede física escolar do estado.
O que percebemos é que o professor do 8º ano B só conhece a sala do 8º ano B, não sabe nada da cozinha. E a faxineira ignora o currículo da escola. Cada um cuida do seu quadrado – e quem perde é o ambiente. Ele vira uma casa da mãe joana, ninguém sabe de quem é. A infraestrutura é tratada de uma maneira muito fria e técnica, e não como tecido educador
Ana Beatriz Goulart, arquiteta e urbanista membro do Grupo de Trabalho “Infâncias, juventudes e cidade” do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
O que torna os espaços da escola saudáveis?
Mas o Manual Técnico para Escolas Saudáveis vai além. Mais do que um documento que mostra ou não se as escolas estaduais paulistas estão prontas para uma reabertura em meio à pandemia, ele pretende ampliar a discussão para uma reflexão sobre como seria uma escola saudável, pensando em mudanças não só momentâneas, mas estruturais.
Nesse sentido, o Manual trabalha em cima do seguinte conceito de escola saudável:
“Consideramos uma escola saudável aquela que seja agradável e que promova o bem-estar dos seus usuários, que atenda aos requisitos de conforto ambiental, com espaços bem ventilados e iluminados e com qualidade acústica. Escolas cujos espaços externos, tanto dentro quanto além dos muros, possam ser explorados pedagogicamente, e propiciem o contato com a natureza; que tenham espaços para se movimentar, ler, estudar e trabalhar coletivamente; com espaços de acolhimento, de encontros, de debates e que estimulem a criação de vínculos e de afetos. Por fim, escolas com espaços que contribuam para um Projeto Político Pedagógico (PPP) fundamentado em uma gestão democrática, ou seja, com a participação da comunidade escolar”
Como solucionar a falta de dados precisos e garantir transformações significativas nos espaços físicos para uma escola de fato saudável? Para os(as) organizadores(as) do Manual, por meio da realização de um diagnóstico participativo, elaborado em conjunto com toda a comunidade escolar e que fundamente um Plano de Ação de curto, médio e longo prazos.
A recomendação é que o processo comece mesmo remotamente, intrasegmentos – ou seja, os(as) estudantes conversam entre si, assim como os(as) funcionários(as), os(as) professores(as). Na etapa seguinte, haveria o encontro dos e a troca entre os segmentos. Uma vez de volta às escolas, os(as) estudantes, os(as) educadores(as) e os(as) demais profissionais poderiam verificar de fato as percepções e opiniões que têm sobre os diversos aspectos do edifício.
“A ideia é compartilhar o que se pensa dos espaços da escola, assim como a sua organização. Perguntar: ‘onde a escola está doente?’ Alguns vão falar que a cozinha é escura, os banheiros são fedidos, ou que o espaço é lindo, mas proibitivo de alguma forma. Também ocorre que, às vezes, uma escola rural é super precária, mas que pelo coletivo que ela tem, há condições de voltar. Ou escolas que têm cinco banheiros, mas eles ficam trancados o tempo todo”, explica a arquiteta Ana Beatriz.
De acordo com ela, o plano é colocar o Manual Técnico para Escolas Saudáveis em prática, em uma experiência com escolas-piloto. Para estimular o debate, o IAB-SP também pretende, ainda este ano, criar um portal para que cada escola possa compartilhar o seu diagnóstico, e lançar um edital para o programa Universidade Amiga da Escola. O objetivo é atrair mais pesquisadores(as), de diferentes áreas, para formar grupos de pesquisa acadêmicos que apoiem diferentes escolas no olhar para a questão do ambiente escolar.
Simulador de dispersão do coronavírus nas escolas
Com o objetivo de também dar subsídios e contribuir para o debate de reabertura das escolas no estado de São Paulo, o coletivo interdisciplinar Ação Covid-19 e a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) desenvolveram um simulador de dispersão do coronavírus em ambientes escolares.
O simulador funciona com base em três variáveis: espaço físico escolar, respeito aos protocolos de segurança e higiene, e às regras de distanciamento social. É a partir desses parâmetros que a ferramenta distribui aleatoriamente o número de pessoas no ambiente e simula o deslocamento e as interações entre elas, gerando um gráfico que vai se desenhando levando em conta os dias eletivos e porcentagem de infectados e de pessoas imunes por dia.
“As simulações mostram ainda que a dinâmica de infecção só seria evitada em uma unidade escolar caso a quantidade de pessoas presentes no ambiente fosse muito inferior aos 35% do total de estudantes que o governo de São Paulo prevê para a Fase 1 do plano de reabertura das escolas, inclusive para escolas mais dispersas (com área maior e/ou com número menor de pessoas). Além da inviabilidade prática, esta condição hipotética de reabertura “mais segura” das escolas implicaria no aprofundamento das desigualdades educacionais em desfavor de estudantes e escolas em piores condições”, concluem os especialistas, na nota técnica do estudo Simulador de dispersão do coronavírus em ambientes escolares na hipótese de reabertura das escolas no estado de São Paulo”, apresentado em agosto.
O simulador foi desenvolvido considerando os parâmetros de reabertura divulgados pelo governo de São Paulo, mas a ideia é que ele possa ser utilizado por qualquer escola para simular o seu contexto e sua instituição.
Para ajudar os(as) leitores(as) a entender melhor como ele funciona, é possível consultar vídeos que explicam passo a passo como utilizar o simulador e as possibilidades de leitura que ele traz:
Orientações práticas no ebook: A escola de um novo tempo: o retorno seguro
A publicação é dividida em três partes, trazendo informações sobre o vírus, indicação de fontes confiáveis, boas referências e instrumentos práticos – que podem ser impressos e preenchidos pelos(as) gestores(as) das escolas.
Um deles é a planta arquitetônica fictícia de uma escola, que pode ajudar a gestão escolar a estruturar as adaptações necessárias na disposição das salas e do espaço da instituição. Há também exemplos de peças de comunicação que podem ser úteis para pensar como divulgar e promover o plano de ação de retorno para toda a comunidade escolar.
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