Saiba quais foram as principais mudanças do novo Fundeb e entenda as complicações para se regulamentar o novo indicador VAAR, que deve ocorrer este ano
Por Stephanie Kim Abe
A luta por manter o Fundeb fora do novo arcabouço fiscal segue firme. O PLP 93/2023 que institui essas novas regras para os gastos da União foi aprovado no Senado com mudanças, o que fez com que o projeto voltasse para a Câmara dos Deputados para aprovação final.
Entre essas mudanças, estão justamente a exclusão dos repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) do novo teto de gastos.
O PL volta a ser discutido hoje, 05/07, na Câmara, e diversas entidades – como a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON) e a Frente Parlamentar Mista da Educação – já se posicionaram para pedir que as(os) parlamentares mantenham as alterações, garantindo o Fundeb fora do arcabouço fiscal. A fim de pressionar os parlamentares para que mantenham o Fundeb fora do teto de gastos, várias entidades ligadas à educação, entre elas o Cenpec, estão participando do twittaço #ProtejaoFundeb.
Como explicou Romualdo Portela de Oliveira, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec, em matéria recente do Portal Cenpec sobre o tema:
Se o Fundeb e as despesas voltadas à educação em geral ficarem dentro do teto, haverá um limite a partir do qual não poderão crescer. Esse limite é condicionado ao crescimento da economia nacional. Assim, se houver uma desaceleração da economia, isso afetará diretamente nos investimentos na educação. Já se as verbas para a educação se mantiverem fora do arcabouço, elas poderão crescer mais livremente“.
A grande preocupação das(os) especialistas é que as vitórias conquistadas com a aprovação desse novo Fundeb em 2020 estejam agora ameaçadas e, assim, o direito à Educação como um todo.
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Principais conquistas do Fundeb
O Fundeb foi criado pela Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006, e vigorou entre 2007 e 2020. Ele é um fundo de natureza contábil, o que significa que serve para redistribuir os recursos vinculados apenas, sem gestão ou patrimônio próprio. O Fundeb é composto, na verdade, por 27 fundos, porque cada estado e o Distrito Federal possuem um fundo.
Antes do Fundeb, existia o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que destinava a redistribuição de recursos apenas para o Ensino Fundamental. Nesse sentido, o Fundeb anterior foi um avanço, pois passou a englobar toda a educação básica, além de outros pontos.
Ele é importante porque, ao redistribuir parte dos recursos, o Fundeb ajuda na universalização da educação básica, na melhoria da qualidade do ensino e na valorização das(os) profissionais da educação.
O atual Fundeb foi instituído com a Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020, e regulamentado pela lei 14113, aprovada em 25 de dezembro de 2020. Assim como houve avanços do Fundef (1998-2006) para o Fundeb antigo (2007-2020), o novo Fundeb também trouxe inovações.
Uma das mais importantes foi o fato de se tornar permanente e constitucional (art. 212-A da Constituição Federal), algo que não ocorrera com os fundos anteriores (tanto que tinham prazos para terminar). Essa inclusão foi importante para garantir recursos à Educação, já que o Fundeb é a principal política de financiamento da educação básica no Brasil.
Ele também incorporou ao texto constitucional a referência ao Custo Aluno Qualidade (art. 211, § 7º da CF), mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação como uma forma de estabelecer parâmetros de qualidade, com controle social e financiamento adequado; e também aumentou de 60% para 70% a vinculação de recursos para pagamento de profissionais da educação básica que estejam em pleno exercício (ou seja, os recursos não podem ser usados para aposentadorias ou pensões).
Complementações da União
Outra grande conquista do Fundeb atual foi a ampliação da complementação da União ao Fundo, que passou de 10% para 23%. O Fundeb é composto por receitas que advêm de impostos e transferências de municípios e estados, conforme consta no art. 212 da Constituição Federal.
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Só que não são todos esses 25% da receita dos estados e municípios que compõem a cesta do Fundeb. Na verdade, apenas 20% de determinados impostos são direcionados ao fundo, enquanto os outros 5% ficam nas mãos dos seus próprios estados e municípios.
A redistribuição dos recursos de cada fundo para as redes municipais e estaduais/distrital de educação ocorre de acordo com o número de matrículas em cada rede pública de ensino. As matrículas também possuem pesos diferentes nessa contagem, uma vez que os custos de uma matrícula na educação infantil e no ensino médio não são iguais.
É dessa forma que o Fundeb ajuda a reduzir as desigualdades, à medida que permite que o dinheiro arrecadado seja enviado a quem precisa de mais recursos. A complementação da União ao Fundeb vem fortalecer esse objetivo, já que é o ente que mais arrecada, mas não tem as responsabilidade sobre a etapa da educação básica, que fica a cargo de estados e municípios.
Além de aumentar gradualmente essa complementação, dos atuais 10% para 23% até 2026, o Fundeb também trouxe uma novidade nos critérios de distribuição dessa complementação, sendo agora regido por três indicadores: VAAF (Valor Anual por Aluno), VAAT (Valor Anual Total por Aluno) e VAAR.
No mínimo 10% dessa complementação deve ser redistribuída para os estados que não atingirem o Valor Anual por Aluno (VAAF) mínimo. Segundo estimativa do professor José Marcelino de Rezende Pinto de dezembro de 2022, essa complementação foi em torno de 20,5 bilhões de reais.
O VAAF é um indicador que já existia no Fundeb anterior e são principalmente estados do Nordeste e do Norte que costumam receber a complementação da União por ele.
Como explica Romualdo Portela de Oliveira:
Para fazer essa distribuição, ranqueiam-se os estados de acordo com o valor por estudante. O estado que tem o menor valor per capita recebe uma complementação até atingir o valor do segundo menor. Em seguida, esses dois estados recebem complementação até atingir o valor do terceiro. Segue-se assim, até acabar os 10% previstos de complementação da União”.
Romualdo Portela de Oliveira, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec
Em 2019, por exemplo, foram nove estados e seus municípios que receberam essa complementação: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
Paulo Sena, consultor legislativo da área de Educação da Câmara dos Deputados e especialista em direito e financiamento educacional, explica como ter apenas esse indicador era limitador:
Como essa complementação só ocorre em âmbito estadual, tínhamos o problema de redes mais pobres dentro de estados ‘mais ricos’ que não eram contempladas. Além disso, tínhamos um desequilíbrio porque o Valor Anual por Aluno (VAAF) só considera os impostos dentro da cesta Fundeb, e não o total de recursos disponíveis para usar com educação, manutenção e desenvolvimento do ensino, de uma rede – o que também gerava uma certa distorção”.
Daí a importância do Valor Anual Total por Aluno (VAAT), que surgiu nesse novo Fundeb. Ele dá um passo maior rumo à redução das desigualdades por considerar todos os recursos destinados à educação de cada estado e município, não somente aqueles provenientes do Fundeb.
A partir desse indicador, a União deve complementar com no mínimo 10,5%, e pode fazer esse repasse direto para municípios que não atingirem o VAAT mínimo, mesmo que eles estejam em estados considerados ricos.
Segundo o estudo técnico 22/2020 da Câmara dos Deputados, realizado por Cláudio Ryudi Tanno, a estimativa é que os repasses atinjam 2.618 redes de ensino em 2026 pelo VAAT, contra as 1407 redes atingidas em 2021.
Por fim, 2,5% restantes da complementação da União devem ser redistribuídos de acordo com o VAAR, que deveria entrar em vigor este ano e ainda deve ser regulamentado.
Saiba mais na série Destrinchando o Novo Fundeb, produzida pelo Projeto PUB-USP, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, com apoio da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação):
Complicações para regulamentar o VAAR
O indicador VAAR é polêmico desde as discussões sobre o novo Fundeb no Congresso Nacional. A começar pelo próprio significado da sigla, como explica Paulo Sena:
É interessante que o significado do VAAR não aparece em lugar nenhum, nem mesmo na lei. Esse ‘R’ pode ser interpretado de diferentes formas: há quem interprete como ‘resultado’. Outros, como eu, preferem pensar que se refere a ‘redução de desigualdades’, pois essa deveria ser a dimensão inserida“.
Paulo Sena, consultor legislativo da área de Educação da Câmara dos Deputados e especialista em direito e financiamento educacional
Art. 5º A complementação da União será equivalente a, no mínimo, 23% (vinte e três por cento) do total de recursos a que se refere o art. 3º desta Lei, nas seguintes modalidades: (…) III – complementação-VAAR: 2,5 (dois inteiros e cinco décimos) pontos percentuais nas redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e de melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica, conforme disposto no art. 14 desta Lei.
Essa lei estabelece diferentes condicionalidades a serem consideradas para a complementação da União, como:
Art. 14 – § 1º As condicionalidades referidas no caput deste artigo contemplarão:
I – provimento do cargo ou função de gestor escolar de acordo com critérios técnicos de mérito e desempenho ou a partir de escolha realizada com a participação da comunidade escolar dentre candidatos aprovados previamente em avaliação de mérito e desempenho;
II – participação de pelo menos 80% (oitenta por cento) dos estudantes de cada ano escolar periodicamente avaliado em cada rede de ensino por meio dos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica;
III – redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais medidas nos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica, respeitadas as especificidades da educação escolar indígena e suas realidades; (…) (Lei 14.113/2020)
Especialistas veem diversas complicações para regulamentar essas condicionalidades. Romualdo Portela de Oliveira explica que:
Para alguns pontos, é até fácil pensar essa regulamentação, como no caso da questão dos diretores escolares, que comprovamos se houve eleição ou concurso. No caso do percentual de participação nas provas nacionais, já teríamos um problema porque durante a pandemia a média de participação no Saeb foi de 70%. Ou seja, grande parte das redes já não atingiram essa condicionalidade e não poderiam receber a complementação. Então podemos ter uma interpretação das condicionalidades como uma trava ou não. Pode ser que quem não as cumpre não receba, ou receba as complementações, porém menos. Isso está em aberto”.
Romualdo Portela de Oliveira, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec
Paulo Sena chama atenção para a questão de como medir as aprendizagens e as dificuldades em relação a levar em consideração a redução das desigualdades:
No caso do resultado das(os) estudantes nos exames nacionais, é preciso levar em conta que índices atuais, como o Ideb, que é composto pelo Saeb, não capta a dimensão das desigualdades. Há ainda uma possível reformulação do exame pelo Inep, e a necessidade de considerar o atendimento a todos e todas. São muitas dimensões a serem combinadas, o que acaba complicando essa regulamentação”.
Paulo Sena, consultor legislativo da área de Educação da Câmara dos Deputados e especialista em direito e financiamento educacional
As discussões sobre o assunto estão sendo realizadas na Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade, composta por representantes do Ministério da Educação, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação).
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