Há muito o que se aprender com as florestas – e com quem vive nelas

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Há muito o que se aprender com as florestas – e com quem vive nelas

Por Stephanie Kim Abe

Hoje, dia 17 de julho, é Dia de Proteção às Florestas. A efeméride chama atenção para a importância de preservar as nossas florestas – e a causa é mais do que necessária. 

As florestas ocupam cerca de 60% de todo o território brasileiro, segundo a iniciativa MapBiomas. Elas aparecem em diferentes biomas, ainda que sejam mais associadas com a Amazônia e a Mata Atlântica. Ainda segundo o MapBiomas, a formação florestal foi a mais desmatada em 2022 (64,9%), frente a outras que ocupam o Brasil, como a savânica (31,3%) e a campestre (3,6%). 

Para preservar, é preciso conscientizar e, principalmente, mudar pensamentos. Como explica Jurandir Augusto Martim, educador ambiental guarani:

Foto: acervo pessoal

As pessoas pensam que a natureza está de um lado e a sociedade humana de outro. Mas sabemos que não: a sociedade humana faz parte da natureza. Estamos destruindo a natureza por desconhecimento”. 

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Preservando a floresta com abelhas nativas

Morador da aldeia Tekoa Yvy Porã-Jaraguá, em São Paulo, Jurandir foi educador por 12 anos na escola EEI Djekupe Amba Arandy. Ao longo desse tempo, ele foi se acostumando a trabalhar com a educação ambiental, ensinando as crianças a enxergar a natureza de outra forma e preservá-la. 

Um dos projetos mais marcantes que ele realizou durante o período que trabalhou na escola indígena foi com a criação de abelhas nativas – chamada de meliponicultura. Ele contou com a ajuda do primo e do cunhado, que lhe ensinaram mais sobre esse processo, tanto do ponto de vista científico como cultural. 

Ao longo do projeto, que durou um ano letivo, eles explicaram às crianças como a meliponicultura era uma atividade essencial, que ajudava a preservar a floresta:

As abelhas são importantes para a polinização das plantas. E ter uma variedade de abelhas é mais importante ainda porque permite a variedade da floresta. As abelhas maiores, como as uruçu-amarelas e as mandaçaias fazem a polinização das árvores que florescem no topo – como o cedro, que é uma árvore gigante. Essas abelhas têm robustez suficiente para voar lá em cima. Já as menores, como as jataí, fazem a polinização de plantas menores”.

Jurandir Augusto Martim, educador ambiental guarani

Mas, no caso dos povos guaranis, a preservação das florestas – e das abelhas nativas – têm uma importância ainda maior por conta do que elas representam na cultura guarani:

No passado, o guarani costumava levar a abelha jataí de um lugar para o outro, quando ele se deslocava. Como ela é uma abelha menorzinha, colocava-se o ninho dela numa cabaça e transportava-se essa colmeia. Antes de começar o projeto, eu achava que a jataí era a única abelha sagrada para o povo guarani. Mas, conversando com os líderes espirituais, eu descobri que todas as abelhas eram consideradas sagradas, porque elas produzem a cera que utilizávamos para produzir velas nos rituais de batizado das águas. O mel produzido também era usado como remédio para vários tipos de doenças, como respiratórias“. 

Para Jurandir, ao explicar todos esses aspectos às crianças – e também às pessoas da cidade, já que hoje ele trabalha com diferentes projetos –, ele pode ver como esse conhecimento foi poderoso para fazer com que elas se conscientizassem da vitalidade das florestas.

“Eu tenho muita satisfação de ter feito esse trabalho com os meus alunos. Poder falar dessa condição cultural e espiritual do meu povo enriqueceu o conhecimento científico e o trabalho como um todo, e eu achei muito legal“, diz o educador ambiental. 


A floresta é viva 

A maneira como os povos indígenas veem e vivem a floresta é diferente da sociedade ocidental. Há muita diversidade de pensamento entre os povos indígenas também, mas a relação que se estabelece é comum. 

Em recente entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Bruce Albert, antropólogo francês que convive com o povo Yanomami há quase 50 anos, explicou um pouco dessa visão da floresta que os yanomami, que vivem no norte do país, em meio à floresta amazônica, têm:

Davi Kopenawa e Bruce Albert. Foto: Beto Ricardo/ISA

Esses povos vivem no meio da floresta há milhares de anos e desenvolveram um conhecimento empírico e filosófico extremamente refinado sobre isso. Quando um Yanomami entra na floresta, ele está imediatamente observando, com paixão e atenção, tudo, as imagens, o que aconteceu no território, e atento ao ouvido porque a vegetação é muito complexa e a diversidade vegetal é enorme. Eles ficam procurando rastros de animais, de caçadores ou viajantes que passaram pelo local. São muito atentos a detalhes da fauna, da flora e dos rastros no chão e, ao mesmo tempo, escutam a riqueza da biofonia da floresta: conhecem todos os cantos dos pássaros, os barulhos dos animais e, imediatamente, têm uma hipersensibilidade visual e auditiva para se mexer na floresta.

Isso é uma consequência do fato de que, para eles, a floresta não é uma coleção de árvores, mas um universo de povos vivos. Todos os animais e as árvores são respeitados e escutados como povos, pessoas, grupos de seres, que são formados por pessoas humanas e pessoas não humanas, segundo a visão deles”.

Bruce Albert

Jurandir, mesmo vivendo em uma aldeia perto da maior cidade da América Latina, compartilha as semelhanças que o pensamento guarani têm sobre as florestas:

Nós vemos a natureza não como propriedade, mas como um aliado que nos permite existir. Não olhamos para a natureza como um local a ter ganhos financeiros. Tudo o que vemos na mata enxergamos como ser vivo – até uma pedra. E estamos todos ali por um motivo, e por isso tudo tem espiritualidade. A mata, as árvores, os animais: todos temos um espírito, que é o seu protetor. Mesmo quando vamos caçar um animal, pedimos permissão para o espírito daquele animal para consumir a sua carne. Temos um ritual para agradecer pelo que estamos consumindo, para que essa alimentação aconteça de forma correta espiritualmente. Por isso que tampouco compactuamos com a caça ou o consumo desordenado”. 

Jurandir Augusto Martim, educador ambiental guarani

Segundo o MapBiomas, as terras indígenas e as comunidades quilombolas são os territórios mais preservados do Brasil. Em 2022, apenas 1,4% da área total desmatada no Brasil estava em terras indígenas.

Saiba mais sobre os Yanomami aqui

Caderno de Boas Práticas Pedagógicas de Leitura: Educação para Sustentabilidade

Para ajudar professoras e professores que trabalham em comunidades ribeirinhas, a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) lançou a publicação Caderno de Boas Práticas Pedagógicas de Leitura: Educação para Sustentabilidade. Nela, são descritas brincadeiras regionais e locais que podem ser realizadas com as crianças, de forma interdisciplinar, com o objetivo de incentivar um processo de ensino-aprendizagem mais significativo.

A publicação parte da experiência com comunidades ribeirinhas do Amazonas, e ainda traz fundamentação metodológica e outras dicas de como adaptar o material para diferentes contextos.

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