Da PEC 13/2021 ao relatório da OCDE, entenda como o Brasil tem investido (ou não) em educação e como isso impacta na busca por equidade no sistema público de ensino
Por Stephanie Kim Abe
Aprovada no dia 21 de setembro no Senado, a PEC 13/2021 desobriga governantes a cumprirem os pisos mínimos de investimento em educação estabelecidos na Constituição Federal no ano de 2020 e de 2021. De acordo com o artigo 212 da Carta, a União deve aplicar, por ano, no mínimo 18%, e estados, Distrito Federal e municípios, no mínimo 25% das receitas de impostos, na manutenção e no desenvolvimento do ensino.
O argumento seria o “desequilíbrio fiscal ocasionado pela pandemia de Covid-19”, que fez com que estados e municípios tivessem menos arrecadação, por causa da crise econômica, e menos gastos, já que as escolas se mantiveram fechadas ao longo de 2020 e parte de 2021.
Para entidades educacionais, porém, essa PEC é um “calote à educação premiado”. Em documento redigido pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) José Marcelino de Rezende Pinto, membro da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), as entidades apontam que apenas um estado e 317 municípios não cumpriram a vinculação mínimo de impostos em educação em 2020, de acordo com dados do Sistema de Informações sobre Orçamento Públicos em Educação (Siope).
Para esses poucos casos, Nalú Farenzena, doutora em Educação e presidente da Fineduca, explica que não haveria a necessidade de uma Emenda Constitucional:
Querer inscrever na Constituição Federal uma norma que flexibiliza a aplicação dos 25%, ainda que seja apenas nos anos de 2020 e 2021, é uma banalização da própria Carta Magna. Mesmo que haja previsão de que os recursos sejam aplicados nos anos seguintes, é possível fazer isso de outra forma, como negociações ou termos assinados entre gestoras(es) e tribunais de conta.”
Nalú Farenzena
Além disso, cerca de 85% dos gastos em educação são com pagamento de profissionais da educação. “Se há gestoras(es) estaduais ou municipais que ‘economizaram’ ano passado foi porque não renovaram o contrato de professoras(es) e servidoras(es) ou os deixaram em condições precárias de remuneração. Ou seja, estamos desresponsabilizando gestoras(es) de ofertar condições adequadas de oferta educacional”, acrescenta Nalú.
Conquista democrática e garantia de recursos
Nalú enfatiza que as vinculações das receitas de impostos para as área sociais são uma conquista democrática. Criada na Constituição Federal de 1934, a destinação constitucional só deixou de valer durante o período do Estado Novo, em 1937, e com a Ditadura Militar, em 1964, sendo retomada em 1983 e consolidada pela Constituição de 1988.
Esse é um mecanismo de proteção da oferta educacional e da educação como direito social, que segue efetivo diante dos diversos períodos de crise (econômica, fiscal) que temos passado.”
Nalú Farenzena
Essa, aliás, não é a primeira vez que a vinculação é ameaçada. Em fevereiro de 2021, o texto do relatório da PEC Emergencial pelo senador Marcio Bittar (MDB) previa a desobrigação de União, estados e municípios de garantir investimento mínimo nas áreas de educação e saúde. Como explica o professor Jorge Abrahão de Castro, doutor em Economia e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea):
Sempre tivemos um grupo mais conservador – ‘aficionados pelo fiscalismo’, eu diria – que tenta, em todas as oportunidades, fragilizar esse princípio histórico, esse pilar do financiamento da educação. Essa PEC 13 é uma alcunha para tentar mais uma vez desobrigar os governantes a cumprir com as vinculações de recursos voltados às áreas sociais, utilizando a pandemia como desculpa.”
Jorge Abrahão de Castro
A proposta ainda precisa passar por aprovação na Câmara dos Deputados para ser promulgada.
Investir mais
De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil foi um dos países que ficou mais tempo com as escolas totalmente fechadas durante a pandemia, cerca de 178 dias. A média dos países da OCDE foi de 44 dias.
Para Jorge Abrahão:
O fato de as escolas terem ficado fechadas por tanto tempo e não se ter gastado com a educação decorre da forma como o país e seus dirigentes enfrentaram a pandemia. Nessa crise, não houve formação de professores, aquisição de equipamentos, garantia de acesso à internet, remuneração adequada às(aos) professoras(es). Não se tentou gastar o máximo que era necessário para gerar essas possiblidades. E os grandes prejudicados desse cenário foram as(os) estudantes das escolas públicas, principalmente as(os) mais pobres.”
Jorge Abrahão de Castro
Justamente por causa disso, o professor acredita que a pandemia trouxe a urgência de novos investimentos na educação para se buscar igualdade. Porém, segundo a OCDE, enquanto cerca de dois terços dos mais de 40 países estudados aumentaram o investimento destinado para a educação básica em 2020, o Brasil seguiu na contramão e não gastou mais com essa etapa em 2020 ou 2021.
Os dados trazidos pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021 também mostram que estados e municípios reduziram os valores empenhados e efetivamente despendidos em educação em 2020, durante a pandemia. No caso dos estados, essas despesas caíram 9% entre 2019 e 2020, e no caso dos municípios cerca de 6%. Confira gráficos do Anuário, a seguir:
Segundo Jorge:
É preciso acelerar os gastos em educação. As meninas e os meninos ricos estão tendo todas as condições nas suas escolas e nas suas casas para continuar estudando. Já os pobres não. Por isso, é preciso suprir as deficiências e tentar ao máximo cobrir esse tempo perdido, investindo em equipamentos, em fibra ótica, em treinamento etc. Se não, estamos jogando para frente essas desigualdades, que vão se perpetuando.”
Jorge Abrahão de Castro
Melhorar a qualidade do financiamento
O gasto em educação no Brasil já segue abaixo da média da OCDE há alguns anos. Em 2018, por exemplo, o Brasil gastou 3,7 mil dólares por estudante (considerando os ensinos fundamental e médio), enquanto a média dos países da OCDE foi de 10 mil dólares.
De acordo com Nalú Farenzena:
A diminuição do gasto em educação vem ocorrendo no Brasil desde 2015 e foi aprofundada com a aprovação da Emenda Constitucional 95 de 2016, do Teto de Gastos, que limita os gastos federais, mas que afeta as redes públicas municipais, estaduais e do Distrito Federal porque elas recebem transferências de recursos e assistência financeira da União.”
Nalú Farenzena
Mais do que indicar a necessidade de mais financiamento, é preciso apontar caminhos. Nesse sentido, o professor Jorge defende que uma boa reforma tributária, que faça com que essa estrutura seja menos desigual, seria uma forma de melhorar a qualidade desse financiamento:
É preciso tributar juros do capital próprio, lucro de dividendos e aumentar a tributação sobre os mais ricos. É preciso incentivar e lutar por uma reforma que permita melhorar a distributividade tributária, impondo perdas aos setores mais ricos e exonerando os setores mais pobres, e gerando recursos para ampliar o financiamento da educação.”
Jorge Abrahão de Castro
A presidente da Fineduca acredita que é preciso inverter a lógica que rege a política de financiamento da educação no Brasil: em vez de deixar que os recursos disponíveis determinem o quanto se deve gastar em educação, ter um padrão mínimo de qualidade da oferta educacional.
Esse padrão já está posto com o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), mecanismo previsto no Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 13.005) e na regulamentação do Fundeb, aprovada no final do ano passado.
O PNE coloca, em sua meta 20, que a gente precisa chegar no gasto de educação que corresponda a 10% do PIB. Sem isso, a gente não consegue mexer substantivamente nas desigualdades. Só conseguimos garantir mais equidade, melhores condições de oferta com mais recursos. O modelo de só melhorar a gestão já está esgotado.”
Nalú Farenzena
Jorge ressalta a importância de defender todos esses mecanismos institucionais, da vinculação ao PNE, que estão postos e lutar pelos seus avanços:
O Fundeb é importante para garantir recursos mais equitativos nas redes, permitindo que a(o) estudante, estando em São Paulo ou no Maranhão, tenha um manto protetivo de gastos, e igualando os sistemas de ensino, por meio da complementaridade da União. Também temos que retomar a agenda do PNE, que institui a ampliação dos gastos e do investimento em educação, e ter um bom planejamento que foque e amplie o gasto desses recursos para que possamos garantir uma educação de qualidade para todas e todos.”
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