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O que deve bombar na educação em 2024
Especialistas do Cenpec apontam e comentam os assuntos que devem ser pauta na agenda educacional este ano
- Débora souza de britto
Por Stephanie Kim Abe
Na segunda-feira (dia 15/01), foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 14.811/24, que altera o Código Penal, a Lei de Crime Hediondos e o Estatuto da Criança e do Adolescente para reforçar medidas de proteção a crianças e adolescentes contra a violência nas escolas.
Com a lei, bullying e cyberbullying passam a ser tipificados como crimes no Código Penal, e torna crime hediondo atos como tráfico de pessoas menores de 18 anos, pornografia infantil, sequestro e incentivo ao suicídio e à automutilação por meio da internet.
(…)
Intimidação sistemática (bullying)
Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:
Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)
Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:
Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
(Decreto-Lei nº 2.848 de 1940 – Código Penal, a partir das alterações da Lei 14.811/2024)
A lei ainda estabelece a elaboração da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, e que medidas de prevenção e combate à violência contra crianças e adolescentes nas escolas sejam implementadas pelo governo municipal, de forma intersetorial, com a participação da comunidade escolar e com apoio de Estados e União.
Art. 2º As medidas de prevenção e combate à violência contra a criança e o adolescente em estabelecimentos educacionais ou similares, públicos ou privados, devem ser implementadas pelo Poder Executivo municipal e do Distrito Federal, em cooperação federativa com os Estados e a União.
Art. 3º É de responsabilidade do poder público local desenvolver, em conjunto com os órgãos de segurança pública e de saúde e com a participação da comunidade escolar, protocolos para estabelecer medidas de proteção à criança e ao adolescente contra qualquer forma de violência no âmbito escolar prevista no parágrafo único do art. 2º desta Lei, com ações específicas para cada uma delas.
Parágrafo único. Os protocolos de medidas de proteção à violência contra a criança e o adolescente nos estabelecimentos educacionais ou similares, públicos ou privados, deverão prever a capacitação continuada do corpo docente, integrada à informação da comunidade escolar e da vizinhança em torno do estabelecimento escolar.
(Lei 14.811/2024)
A lei é mais uma medida fruto das discussões sobre violência nas escolas que foram encadeadas a partir dos ataques violentos contra diferentes escolas, que levaram inclusive à morte de pessoas da comunidade escolar, ocorridos em 2023.
Em reportagem veiculada no Jornal Hoje da TV Globo no dia 15 de janeiro, Guillermina Garcia, gerente de programas e projetos do Cenpec, falou sobre a importância dessas medidas:
É importante que essa ação da sociedade de enfrentamento e combate à qualquer tipo de violência também esteja articulada com outras instâncias da nossa sociedade, e do ponto de vista da educação, o papel fundamental é a prevenção. A gente precisa trabalhar na construção de uma escola mais integradora, investindo na gestão e na formação dos professores, para lidar com o bullying e outras formas de violência”.
Guillermina Garcia, gerente de programas e projetos do Cenpec
Para Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho do Cenpec, essa temática deve continuar sendo debatida em 2024 – como a própria sanção dessa lei demonstra.
Esse é de fato um tema que precisamos ficar atentos ainda este ano, para falar sobre violência nas escolas e o que ela envolve, como a questão do bullying, do clima escolar, da educação antirracista”.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho do Cenpec
✏️
Não é só a questão do clima escolar e da violência nas e contra as escolas que devem pautar o debate educacional este ano.
O Portal Cenpec conversou com especialistas da casa para que apontassem e comentassem outros assuntos que devem ocupar as discussões nas diferentes instâncias, do chão da escola aos gabinetes das(os) legisladoras(es), referentes à educação brasileira.
“Seja qual for a temática, de uma maneira geral, esperamos que toda e qualquer novidade, medida, programa ou projeto de lei, seja a nível do Executivo ou do Legislativo, tenha um foco e uma preocupação para o enfrentamento das desigualdades”, reforça Anna Helena.
Veja os temas que devem ser prioritários na pauta educacional a seguir.
Considerando que este é o último ano de vigência do atual Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 13.005/14), é de extrema urgência que se construa, debata, tramite e aprove um novo PNE que guie a educação brasileira para os próximos dez anos.
Infelizmente, o atual PNE chega ao final com pouquíssimas metas e estratégias cumpridas, e na Conferência Nacional de Educação (Conae 2024), que deve acontecer no final deste mês, será fundamental pensar e discutir novas ideias para garantir mecanismos de financiamento e gestão que permitam ao novo PNE ser de fato implementado – daí temas como o Sistema Nacional de Educação (SNE) e o Fundeb virem atrelados ao PNE e também serem considerados pautas quentes para este ano de 2024.
Assim, há um longo caminho a percorrer nessa construção coletiva, participativa e democrática que deve ser a formulação e tramitação de um Plano nacional de educação.
Anna Helena alerta para a importância de olhar para as metas no sentido de revisá-las, não apenas mantê-las como estão:
Há pessoas que defendem inclusive a prorrogação do PNE vigente, levando em conta o fato de que poucas metas foram alcançadas. Mesmo assim, achamos importante que elas sejam avaliadas e revisá-las. Precisamos levar em consideração que muitas coisas mudaram em 10 anos, com algumas pautas passaram a ter mais força e estarem mais presentes – como a educação antirracista – e que devem ser contempladas no novo PNE”.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho do Cenpec
Uma das políticas prioritárias do atual governo, a educação integral deve seguir no centro do debate educacional este ano, com os olhares voltados para a implementação do Programa Escola em Tempo Integral (Lei nº 14.640).
O Programa tem como objetivo alcançar a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 13.005/14), que estabelece a oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da Educação Básica até o final deste ano.
Para Guillermina Garcia, essa é uma oportunidade ímpar de impactar na aprendizagem das crianças e adolescentes de fato, a partir do momento que conseguirmos garantir mudanças que vão além do aumento da permanência das(os) estudantes na escola:
O caminho que consideramos ideal é aquele em que os municípios estruturam políticas municipais de educação integral. Isso significa rever e ampliar o currículo – não apenas o tempo na escola –, garantir formação de professores, dialogar com o território e a comunidade escolar, melhorar processos e concepções. Precisamos ficar de olho, porque a ideia não é só ampliar o tempo e seguir com o mesmo currículo e estrutura”, diz.
Guillermina Garcia, gerente de programas e projetos do Cenpec
Esse é o principal debate que tem dado dor de cabeça ao governo federal desde o início dessa gestão. Fruto da pressão popular e das iniciativas e movimentações de coletivos de estudantes, especialistas e críticos da reforma, o governo teve que recuar na implementação do Novo Ensino Médio no ano passado e abrir espaços de diálogo para discutir a temática.
Este ano, o debate continua quente e urgente, já que será preciso diálogo com o Congresso Nacional para aprovar uma nova lei do ensino médio que não aprofunde as desigualdades e que esteja de acordo com o que tem sido construído com participação popular. Esta semana, o ministro Camilo Santana sinalizou que deve trabalhar para garantir esse diálogo.
O relator do PL, Mendonça Filho, foi ministro da Educação na época em que o Novo Ensino Médio foi aprovado, em 2017.
Como consequência desse debate, Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec, acredita que deve-se discutir também a questão da finalidade dessa etapa e da educação profissionalizante.
Os defensores do Novo Ensino Médio vendiam a ideia dos itinerários formativos como se fossem cursos profissionalizantes, mas sabemos que pela precariedade da oferta isso obviamente não estava acontecendo. A intenção de expandir a rede de institutos federais do MEC é, de certa forma, uma resposta a essa demanda também. É válido debatermos sobre o desenho geral desse sistema”, defende Romualdo.
Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec
O homeschooling apareceu com força durante o governo Bolsonaro e sua ameaça não foi totalmente enterrada, já que a matéria (PL 1338/2022) voltou a ser discutida no Senado no começo de dezembro de 2023.
As(os) especialistas do Cenpec acreditam que esse debate deve ter continuidade no Congresso, e por isso o alerta para ficarmos atentos à tramitação.
O homeschooling é um perigo, uma ameaça, por todos os motivos que já discutimos sempre: obstáculo ao direito da criança ao convívio escolar, ameaça a segurança e a proteção dessas estudantes etc. Vamos ficar de olho e atuar nessa tramitação se necessário”, explica.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho do Cenpec
As expectativas com relação ao avanço na alfabetização são altas, principalmente considerando que muito foi prometido do governo federal em 2023, mas pouco recurso foi de fato distribuído e utilizado pelas redes de ensino para implementar o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada ao longo do último ano. O Programa teve adesão de 100% dos estados e distrito federal e 99,2% dos municípios.
Infelizmente, a alfabetização ainda é uma questão a ser enfrentada – e não só nos anos iniciais. Não avançar nesse direito é frustrante, ainda mais se pensarmos que temos metodologias e conhecimento para trabalhar a alfabetização nas diferentes etapas. Para tal, precisamos de uma construção coletiva, um esforço de todos os entes federados, e garantir formação de professores de todas as etapas”, diz Guillermina.
Guillermina Garcia, gerente de programas e projetos do Cenpec
No final do ano passado, o MEC promoveu o Seminário Nacional Escola das Adolescências: compromissos de uma política nacional para os anos finais do ensino fundamental. Ele sinaliza o olhar que o Ministério parece estar finalmente dedicando a essa etapa da educação básica que, para muitos especialistas, é pouco priorizada.
Além disso, já existe um grupo de trabalho interfederativo criado pelo MEC para debater os anos finais do ensino fundamental, cuja composição inclui o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Guillermina acredita que esse grupo deve ser mais atuante este ano:
Tudo indica que o MEC deve lançar um programa focado no Ensino fundamental II – também conhecido como ‘etapa esquecida’ –, cuja estrutura precisa ser enfrentada e modificada. Sabemos que é preciso cuidar da passagem do 5o para o 6o ano, e buscar propostas, em parceria e com a participação da comunidade escolar, sobre como atacar os problemas estruturais desse ano de transição. Será preciso mexer com o currículo também”.
Guillermina Garcia, gerente de programas e projetos do Cenpec
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é um dos principais indicadores de qualidade da política educacional brasileira. Ele foi criado em 2007 e é calculado a partir de duas métricas: a taxa de aprovação escolar e da média das notas obtidas pelas(os) estudantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que são testes padronizados em larga escala em Língua Portuguesa e Matemática.
O Ideb tinha como meta estabelecida alcançar a média 6 (de uma variação de 0 a 10), o que significa que a educação brasileira teria alcançado resultados parecidos àqueles de países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Com isso, Romualdo Portela explica que é preciso olhar para esse indicador de forma a entender o que fazer com ele:
Se o Ideb estava montado em cima de um sistema de metas que iam só até 2022, então esse modelo caducou. Não temos outro. Podemos continuar realizando o Ideb, mas isso não faz muito sentido se não tivermos como medir o avanço ou não do progresso”.
Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec
Romualdo reforça que essa discussão não foi tratada pelo Ministério da Educação (MEC), tanto nessa gestão quanto na gestão anterior, mas que é importante e que há movimentos para tal.
Debater o monitoramento da qualidade da nossa educação é necessário, porém pouca gente tem dado atenção a ele. Mas temos a oportunidade, com essa discussão aberta, de aperfeiçoar o Ideb, que sempre foi controverso. Podemos incluir nesse indicador uma medida de desigualdade, trabalhando com a ideia de que não adianta apenas melhorar a média do Ideb, mas reduzir o gap entre os melhores e os piores resultados”, sugere.
Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec
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