O que está em jogo na regulamentação do novo Fundeb

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O que está em jogo na regulamentação do novo Fundeb

Entenda os principais pontos em discussão e por que é fundamental que este mecanismo de financiamento seja regulamentado ainda este ano

Por Stephanie Kim Abe

Uma das grandes vitórias da educação brasileira este ano foi a promulgação da Emenda Constitucional 108/2020, em agosto, que tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

A construção e aprovação desse novo Fundeb foi alvo de muito debate e empenho da sociedade civil para garantir que este mecanismo de financiamento da educação não se perdesse, uma vez que a Lei 11.494/2007, que regulamenta o atual Fundeb, perde validade em 31 de dezembro deste ano.

Entre os destaques do novo Fundeb, estão a elevação da complementação da União ao Fundo, dos atuais 10% para 23% até 2026; o sistema híbrido de distribuição dos recursos; a destinação de 70% dos recursos para a valorização de profissionais da educação e a incorporação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como referência para a ampliação do apoio financeiro da União a estados e municípios.

“Na contramão do momento presente, que sinaliza uma pressão sobre os gastos públicos, o aumento da complementação da União no Fundo é muito importante. Por um lado, porque sinaliza o aumento do gasto da União com a educação pública. Em segundo lugar, porque representou uma derrota do governo e da sua política neoliberal de restrição de gastos”, explica Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do CENPEC Educação, em live realizada pela Anpae – Associação Nacional de Política e Administração da Educação no dia 09 de setembro.


Confira a íntegra da live realizada pela Anpae – Associação Nacional de Política e Administração da Educação, no dia 09 de setembro, com a participação de Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do CENPEC Educação.

Considerando todos esses novos aspectos, o desafio agora é garantir a operacionalização do novo fundo ainda este ano, que contemple essas alterações e garanta a sua implementação já a partir de 2021.

Nesta segunda-feira (dia 16/11), o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) apresentou o relatório do PL 4372/2020, da deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), que regulamenta o novo Fundeb. O deputado espera que a votação aconteça ainda esta semana.

Imagem de Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e dirigente municipal de educação de Sud Mennucci (SP).
Imagem: Divulgação.

Quanto mais vamos deixando, mais a questão esfria. Esse distanciamento e essa agenda eleitoral acabou dando complexidade e morosidade ao processo, e corremos o risco de ter um desvio em relação ao que foi o espírito da lei, que foi aprovada praticamente por unanimidade na Câmara e no Senado. Por isso, defendemos a implementação urgente

Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e dirigente municipal de educação de Sud Mennucci (SP)

Regulamentação urgente

Para o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a principal conquista do Fundeb é o fato de ele agora ser permanente, garantindo que gestores e gestoras façam planejamentos de médio e longo prazos.

“A sua aprovação coincide com a chegada dos(das) novos(as) gestores(as) municipais, a partir do próximo ano, o que permite que eles(as) já se adequem e façam o planejamento de gestão a partir dessa nova realidade. A compreensão desses mecanismos de financiamento não é fácil, é um processo bem complexo – daí a demanda por sua implementação urgente”, explica Luiz Miguel.

Luiz Miguel alerta ainda para o impacto da queda da atividade econômica no financiamento da educação, considerando a crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19. De acordo com um estudo do Instituto Unibanco e do movimento Todos Pela Educação, as redes municipais podem perder entre R$ 15 bilhões e R$ 31 bilhões em tributos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) este ano.

“Qualquer situação diferente da que estamos prevendo gera instabilidade e prejudica uma boa gestão e o bom uso do recurso público na garantia do direito à educação”, defende Luiz Miguel.


Projetos de lei

Além do PL da deputada professora Dorinha, cujo relatório foi apresentado pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) esta segunda (16), há o projeto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) (PL 4519/2020).

De acordo com reportagem da iniciativa De Olhos nos Planos publicada em 30 de setembro:

Os projetos têm convergências – inclusive, o de Randolfe utiliza o texto da deputada como base -, mas também diferenciam-se em pontos importantes. O PL apresentado por Dorinha, por exemplo, não cita diretamente o Custo Aluno-Qualidade (CaQ) em nenhum momento, deixando-o para posterior regulamentação. A deputada, relatora da PEC do Fundeb na Câmara, apresentou seu PL ainda em agosto, assim que a Emenda Constitucional 108, que torna o Fundeb permanente, foi promulgada. Já Randolfe tornou pública sua proposta em meados de setembro”.

Veja mais na reportagem “O que dizem as diferentes propostas de regulamentação do Fundeb” do De Olho nos Planos

Para Luiz Miguel Martins Garcia, é preciso que haja uma soma de esforços nessa tramitação, assim como houve no processo de discussão e aprovação da EC 108.

“Este é o momento de juntar esforços e de dialogar, até porque estamos falando de um processo que tem menos de um mês para que a lei seja aprovada. É preciso que esteja tudo pronto para que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é responsável por aplicar o Fundeb, possa atualizar os seus sistemas”, diz.


Pontos de destaque

Em posicionamento publicado em 16 de outubro, a Undime elencou oito pontos de destaque que devem estar contemplados na lei de regulamentação do novo Fundeb. Entre eles, estão o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como referência para a garantia de padrão mínimo de qualidade na educação, a garantia do controle social por meio de conselhos de acompanhamento e a construção de um indicador para a distribuição dos 2,5% da complementação da União vinculados a indicadores de melhoria de aprendizagem.

“No que diz respeito ao conceito de ‘profissionais da educação’, defendemos que sejam garantidos todos envolvidos na atividade, como professores contratados e as equipes de apoio escolar, não apenas os efetivos. Também defendemos o uso do recurso público na educação pública, garantindo que não haja nenhuma política de vouchers ou financiamento de outras áreas, mantendo apenas a questão das conveniadas na Educação Infantil”, defende Luiz Miguel.

De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, o texto do relator Felipe Rigoni prevê o repasse de recursos públicos para instituições privadas sem fins lucrativos e conveniadas na Educação Infantil, nas modalidades educação no campo e especial, e também no Ensino Técnico – etapa essa que não estava contemplada no PL 4372/2020 da deputada Dorinha.

Imagem de Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do CENPEC Educação.
Imagem: Divulgação.

A possibilidade do uso do recurso público para escolas privadas representaria uma sangria de recursos do setor público para o privado, no momento em que estamos sendo chamados para ampliar a oferta em decorrência da pandemia. Em segundo lugar, a escola pública é que atende a maioria da população, e a maioria mais pobre. É importante ter essa visão do ponto de vista do gasto estratégico, do gasto público para a redução da desigualdade

Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do CENPEC Educação

Com relação à complementação da União, o novo Fundeb prevê que ela seja dividida em 10% via VAAF (valor anual por aluno), para estados e Distrito Federal; 10,5% via VAAT (valor anual total por aluno), em redes municipal, estadual ou distrital, e 2,5% via VAAR, destinado a redes que mostrarem melhoria da aprendizagem, nos termos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – que precisa ser regulamentado.

O relatório de Felipe Rigoni traz como condições para o repasse desses 2,5% a seleção técnica de diretores e diretoras de escola, o avanço em avaliação de aprendizagem, as taxas de aprovação e o atendimento escolar.

Para Romualdo Portela, o ideal seria adiar a discussão referente ao repasse vinculado a resultados para ser discutido em 2022, já que ele só entra em vigor em 2023. A seu ver, essa questão vai na contramão de todo o propósito do novo Fundeb.

“A EC 108 trabalha com dois pilares: garantir o mínimo para cada estudante brasileiro e reduzir a desigualdade que já existe de condições financeiras de cada ente federado. Portanto, toda a logica do Fundeb é diminuir a diferença de recursos aportados para cada rede de ensino, e reduzir a discrepância de gasto por aluno em cada lugar. Se eu for colocar mais dinheiro para quem tem mais resultados, vou no sentido contrário”, defende o diretor de pesquisa e avaliação do CENPEC Educação.

Outro ponto levantado por Luiz Miguel são os fatores de ponderação, que indicam o quanto é preciso investir por aluno para cada etapa e modalidade de ensino. Isso porque as demandas são diferentes: escolas do campo, indígenas e quilombolas, por exemplo, têm menos alunos por turma e necessitam de materiais bilíngues – o que requer mais recursos.

“Precisamos olhar para eles com bastante cuidado, para ter uma situação mais equilibrada e definida, e que não leve a um desgaste de ficar rediscutindo esses fatores todo ano”, diz. 

De acordo com a reportagem do De Olho nos Planos, o PL 4372/2020 da deputada Dorinha propõe manter os atuais fatores de ponderação até 2022. Já o PL 4519/2020, do senador Randolfe Rodrigues, corrige os fatores de ponderação já em 2021. Veja abaixo os fatores, de acordo com a arte da iniciativa De Olho nos Planos:

Imagem dos fatores de ponderação para a regulamentação do Fundeb, que indicam o quanto é preciso investir por aluno para cada etapa e modalidade de ensino.

Releia aqui o especial #CENPECExplica Fundeb na Prática


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