Os desafios enfrentados pelos educadores na pandemia
De problemas de acesso à exaustão emocional, educadores(as) se desdobram - e se ajudam - para garantir que alunos continuem aprendendo. É o que revela enquete on-line realizada pelo CENPEC Educação e Eu Ensino.
Por Stephanie Kim Abe
No município de Paranhos, no sul do Mato Grosso do Sul, divisa com o Paraguai, a professora Holanda Vera, da escola indígena comunitária de Ypo’i, adaptou o material que passa aos seus alunos para incluir informações sobre o novo coronavírus e a doença causada por ele, Covid-19, já que ela é uma das poucas pessoas da aldeia que têm acesso à internet pelo celular. Com as aulas suspensas, a escola tem chamado os cerca de 70 alunos, aos poucos, para que recebam as apostilas, impressas na Secretaria de Educação, e façam os exercícios em casa.
Holanda dá aula para duas turmas multisseriadas. Como está mais difícil explicar e passar a matéria para os alunos sem as aulas, ela tem orientado os pais a ajudá-los a fazer as atividades.
Procuramos trabalhar primeiro como a doença está chegando, fazendo um pouco de leitura para orientar as crianças, para depois trabalhar esse assunto através da escrita na nossa língua materna, o Guarani
Holanda Vera
Em São Paulo, na capital paulista, a adaptação que a professora Julia, de História, realizou nas suas aulas foi voltada para a internet – como tem acontecido em grande parte do país, conforme as redes de ensino começaram a adotar as aulas on-line como estratégia para manter as atividades escolares com as escolas fechadas nesse período.
Nesse processo, além de aprender como lidar com as diferentes plataformas usadas pelas duas escolas em que trabalha (uma na rede estadual e outra particular), ela se viu adaptando as atividades oferecidas para os alunos. Partiu em busca de jogos, vídeos e materiais interativos, e até reinventou a linguagem que usa para dar as aulas.
Você tem que ser mais dinâmico, porque o on-line é mais tedioso que a aula ao vivo. Não é à toa que os youtubers têm alguns padrões de comportamento que aumentam o que eles chamam de ‘engajamento’. E nós não somos youtubers. Eu tive que aprender essa linguagem de internet para fazer com que os meus alunos se interessem pela aula
Professora Julia
Professor de História em duas escolas estaduais em Francisco Morato, cidade da região metropolitana de São Paulo, Mateus Oliveira Silva não teve muitos problemas em aprender a usar a plataforma digital de aulas remotas, mas adaptou o seu papel de professor para ser um suporte para os alunos com essa dificuldade.
A maior parte do meu trabalho está sendo ensiná-los a utilizar a plataforma e ajudá-los a entender a matéria. Eles reclamam que é muito conteúdo e que as aulas são muito rápidas, não conseguem acompanhar
Mateus Oliveira Silva
O professor tem gravado áudios explicativos para os alunos, e os envia via WhatsApp. “É uma linguagem mais dinâmica que uma videochamada, que é mais formal. Acho que por isso eles gostaram mais”, diz.
Problemas estruturais na educação
Os relatos individuais dos três entrevistados e suas diferentes dificuldades nesse contexto refletem a realidade de muitos professores no país, como podemos ver pelos resultados de umaenquete on-line realizada pela Eu Ensinoem parceria com o CENPEC Educação. A start-up trabalha com formação de professores e desenvolve uma metodologia de ensino híbrido de formação.
Respondida até agora por 665 educadores de 22 estados e mais de 60 municípios, a enquete, ainda em andamento, mostra que a falta de conhecimento para adaptar as aulas para o novo formato, o distanciamento e os problemas de acesso à internet são as principais dificuldades enfrentadas pelos educadores no atual contexto. Não à toa, muitos relataram querer se aprofundar na utilização de ferramentas on-line quando perguntados sobre os temas que gostariam de considerar nesse momento.
Tem uma falta de conhecimento e uma falta de apoio que faz parte do mundo da educação – e é isso que gera a necessidade de uma ajuda estruturada, como cursos online
Laura Marsiaj Ribeiro – Fundadora e CEO da Eu Ensino
Em relação ao formato de material preferido pelos educadores(as) que participaram da enquete, destacam-se os cursos on-line estruturados. Em seguida, aparecem os vídeos. O formato texto também foi mencionado, porém em menor volume.
Em termos de apoio prático, a enquete revela que 41,1% dos entrevistados buscam novas ideias e material didático, enquanto 21,3% precisam de ajuda referente à tecnologia e conexão à internet.
No caso da professora Holanda, o problema é mais embaixo, já que a aldeia não tem energia elétrica. Os professores são os únicos que têm acesso à internet via celular, e com isso têm o papel também de conscientizar e orientar as demais pessoas da comunidade sobre a pandemia. “Estamos correndo atrás, fazendo documento para mandar para o Ministério Público, chamando o prefeito, mas até agora nenhuma resposta”, relata ela, em relação ao fornecimento de energia na aldeia.
Para a professora Julia, a conexão à internet é uma barreira que a impede de dar aulas, mesmo quando está preparada. “A minha internet é horrível, ela não me ajuda. Já passei um dia inteiro querendo conectar e não consegui dar aula. É quase como se eu tivesse faltado”, desabafa.
Para o professor Mateus, a conexão também é um entrave: “Aqui a internet é instável. Hoje mesmo eu fiquei sem energia. Mas os alunos entendem, porque estamos todos passando por uma situação parecida”.
Exaustão emocional
A constatação de Mateus se refere à falta de eletricidade na sua casa, mas também traduz o quanto essa nova rotina de trabalho tem afetado alguns professores, no sentido emocional. “Tenho percebido que eu e meus colegas estamos muito exaustos”, diz Julia.
O motivo dessa exaustão é a necessidade de fingir uma falsa normalidade, que tem sido exigida pela rede na forma de burocracia. “Não deveria ter essa formalidade toda de querer cumprir calendário, de cobrar avaliação dos alunos, de mais planilhas para preencher. Esse excesso de cobrança dá a sensação de que está tudo normal”, explica Mateus.
O discurso é: ‘é tudo igual, a diferença é que você faz no computador’. E não tem nada igual! Estamos em um momento de exceção e essa exigência, por parte do governo, de manter uma normalidade que não existe, é uma alienação”
Professora Julia
Ambos os entrevistados têm trabalhado mais, seja para preparar as aulas, buscar novos materiais ou atender individualmente os alunos, já que eles mandam mensagens com dúvidas via WhatsApp fora de horário estabelecido. “Apesar de termos combinado, sempre aparece alguma dificuldade do aluno fora desse horário. Aí você lê a mensagem e a resposta já vem em sua cabeça, então não tem como não responder na hora”, confessa Mateus.
Onde procurar apoio
Para a CEO Laura, da Eu Ensino, a carga socioemocional que esta nova rotina tem trazido aos professores foi uma surpresa. “Uma coisa que a gente tem visto muito é um sentimento dos professores de precisar de apoio e de se sentir muito cobrado, como se o mundo estivesse em suas costas. É muito importante olhar também para esse lado da empatia e do acolhimento”, diz Laura.
Para tentar ajudá-los durante esse período, a Eu Ensino desenvolveu uma trilha de prática meditativa, que é postada todas as quartas e sextas-feiras nas redes sociais da startup. “São vídeos muito curtos, como uma meditação guiada, mas rápida. Esse apoio prático é ideal para quem nunca fez meditação na vida e se sente ansiosa”, explica.
A start-up, que volta suas ações para apoiar educadores da rede pública, também está disponibilizando seus cursos gratuitamente durante esse período, como o de Metodologias para Ensino Remoto e Gestão Virtual de Equipes, voltado para gestores.
Na busca por soluções, é nos próprios colegas de trabalho que os educadores têm encontrado mais apoio. Na aldeia da professora Holanda, os seis professores indígenas prepararam juntos os novos materiais que estão sendo distribuídos para os alunos, e houve uma conversa com outros professores e coordenadores das demais aldeias da região para pensarem coletivamente como seriam esses materiais.
No caso dos entrevistados paulistas, ainda que estejam separados pela distância, as trocas de experiências têm movimentado os grupos de WhatsApp com os colegas. “Outro dia um professor até gravou a si próprio, mostrando como ele estava fazendo, para ajudar os outros”, relata Mateus. Já a professora Julia constata: “Nós somos uma categoria que se ajuda, no geral. Sempre tivemos muita troca, mas isso se intensificou, ficamos mais próximos, estamos mais unidos”.
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