Impactos da pandemia nos(nas) jovens das periferias

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Impactos da pandemia nos(nas) jovens das periferias

Quando a preocupação é sobreviver, educação e trabalho caem na lista de prioridades. Veja como as juventudes periféricas têm enfrentado e se mobilizado diante desse cenário

Por Stephanie Kim Abe

No dia 11 de março de 2021, exatamente um ano desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a pandemia de Covid-19, foi lançado o documentário “A conta fica pra juventude”. Uma produção da Oxfam Brasil em parceria com o coletivo juvenil TV Doc Capão, o curta traz relatos de jovens das periferias de São Paulo sobre os efeitos da pandemia em suas vidas. 

Tauá Pires, coordenadora da área de Juventudes, Raça e Gênero da Oxfam Brasil, explica:

Foto: arquivo pessoal

O que fica muito marcado nesse documentário é que a juventude está muito focada em sobreviver, em conseguir as coisas mais básicas para enfrentar e passar por esse período – como comida, moradia, ajuda aos familiares. Quando entram no modo de sobrevivência, todas essas perspectivas de plano de futuro (ir pra universidade, se organizar para buscar uma oportunidade melhor de trabalho, abrir um negócio) saem do horizonte. Esses jovens não conseguem mais projetar sua vida para daqui a cinco anos.”

Tauá Pires

Assista o documentário completo aqui


As desigualdades na população jovem brasileira

O Brasil tem hoje 47,2 milhões de jovens (15 a 29 anos), que correspondem por 23% da população total do país (Pnad Contínua 2018). Em 2020, 30% dos jovens não estavam trabalhando ou estudando. 

Fonte: Plataforma Juventude, Educação e Trabalho

Ao analisarmos os dados da Pnad Covid de maio a novembro sobre os jovens que gostariam de estar trabalhando, mas não estarem buscando trabalho, vemos que os motivos foram se modificando ao longo do tempo: a pandemia vai perdendo espaço para a falta de ofertas de trabalho nos arredores, os estudos e a necessidade de ajudar em casa e cuidar dos familiares. 

Ao olharmos os indicadores de trabalho e educação da população jovem, percebemos como as desigualdades se manifestam. A taxa de desemprego e de informalidade é maior entre a população negra, de baixa renda e do nordeste. 

Entre os jovens de 19 anos, 36,5% não concluíram o ensino médio, e essa taxa varia entre os diferentes estratos da população:

Fonte: Plataforma Juventude, Educação e Trabalho

A falta de interesse em estudar e a necessidade de trabalhar são os principais motivos dos jovens por não frequentarem a escola ou não terem concluído o Ensino Médio. Eles refletem os principais problemas que envolvem o ensino médio – e que devem continuar iguais, mesmo com a pandemia, como explica Lilian L’ Abbate Kelian, técnica de projetos no CENPEC Educação:

Foto: arquivo Cenpec

Desde os anos 1990, o ensino médio no Brasil enfrenta dois grandes desafios: a contextualização do ensino e a integração do currículo, que é muito fragmentado. Para isso, a escola precisa fazer um bom diálogo e trabalho de escuta com a comunidade onde está situada, trazendo os conhecimentos locais e os diferentes saberes pra dentro do currículo, e conectando-o à realidade e ao projeto de vida dos alunos. Não vejo a pandemia mudando muitos esses desafios, eles permanecem. O que modifica é a implementação do novo ensino médio, que será atrasada.”

Lilian L’ Abbate Kelian

Formação e informação pelo direito à educação. Confira a sistematização de produções do Portal CENPEC Educação desde o início da pandemia no Brasil #EducaçãoNaPandemia


Impactos diferentes em diferentes grupos

Para Tauá Pires, a desigualdade que já era um elemento muito forte no panorama das juventudes brasileiras foi mais acirrada com a pandemia. “É óbvio que uma juventude que tem mais estrutura, está numa área mais nobre, com mais serviços e mais oportunidades consegue enfrentar essa pandemia de uma maneira diferente de quem está na favela”, diz.  

A falta de conectividade é um dos problemas apontados por ela. Nas escolas públicas, as crianças e os jovens negros e indígenas são mais de 70% dos estudantes sem acesso domiciliar à internet. 

As políticas públicas precisam dar um jeito de garantir internet e meios de conexão para a juventude, principalmente a da periferia, pra que ela não fique mais marginalizada. A gente sabe quem é jovem que não consegue estudar e aquele que consegue continuar estudando sem nenhuma dificuldade. No momento em que a escola passa para o modo on-line, isso é um fator decisório. Uma juventude sem educação não consegue se movimentar socialmente, e isso impacta não só essa geração, mas toda a sociedade.”

Tauá Pires

Ela também destaca a questão da saúde emocional dos jovens, que também tem sido muito impactada, como mostra a pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus”, realizada com mais de 33 mil jovens em todos os estados brasileiros. Para os respondentes, os principais desafios enfrentados ao estudar em casa são o equilíbrio emocional, a dificuldade de se organizar para o estudo à distância e a falta de um ambiente tranquilo em casa. A cada 10 jovens, 6 declararam que escolas e faculdades deveriam priorizar atividades para lidar com as emoções. 


Potência de mudança dos jovens

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos jovens da periferia, há muitas ações realizadas em coletividade nas próprias comunidades para tentar minimizar a falta de políticas públicas que olhem para a sua situação. O documentário da Oxfam Brasil e da TV Doc Capão mostra um pouco dessas experiências. 

Para Tauá, porém, o Estado precisa pensar políticas públicas específicas para essa juventude:

A gente sabe que as comunidades acabaram tendo que assumir uma linha de frente, pra prover o básico das famílias, dos grupos vulneráveis, e a juventude teve um protagonismo nisso. Mas é fundamental que, mesmo vivendo um momento tão difícil, de colapso, cada ente governamental dê conta de construir as suas políticas específicas e de fazer valer o Estatuto da Juventude.” 

Tauá Pires

Para Lilian, reconhecer que há diferentes juventudes e que elas são impactadas de diferentes formas é fundamental para que o Estado possa tomar as atitudes necessárias:

Precisamos formular perguntas para entender como que mulheres e homens, negros e não negros vivenciam diferentemente essa situação da pandemia. Já se fala muito da sobrecarga de trabalho que recaiu sobre as mulheres, que ficam mais ocupadas com o funcionamento doméstico. A desigualdade fica ainda mais difícil de identificar e combater sem a política pública que é a escola, que é um espaço onde a gente consegue enxergar essas diferenças e pensar estratégias.”

Lilian L’ Abbate Kelian

Em um dos seus depoimentos para o documentário “A conta fica para a juventude”, a jornalista e secretária executiva do Em Movimento Mariana Resegue é categórica ao definir qual a consequência de não agir sobre os impactos que a pandemia tem sobre os jovens da periferia. Como ela relata no documentário:

Foto: reprodução

Isso é o assassinato dos sonhos. É o não poder sonhar, sendo que você tem que voltar pra uma questão de sobrevivência. A sobrevivência não abre espaço pra você poder criar projetos. Se a gente não cria projetos de inclusão sistêmica sustentável capazes de tirar os jovens da sobrevivência, a gente não vai poder desenvolver esse potencial. E aí a conta que eu acho que o jovem vai pagar se a gente não fizer algo urgente, de forma sistemática, com base em evidências e envolvendo todos os setores, é a conta de não conseguir desenvolver o seu potencial.”

Mariana Resegue

1 milhão de oportunidades

Os(as) jovens que estiverem buscando por oportunidades de trabalho ou cursos para melhorar a sua formação podem acessar a plataforma digital 1mio.com.br. Nela, há vagas de estágio, aprendiz ou emprego, que podem ser localizadas por estado e cidade; cursos e certificações em diferentes áreas de conhecimento; além de diversos conteúdos (como e-books e vídeos) que podem ajudar na sua formação e carreira.

A plataforma é um produto da iniciativa Um Milhão de Oportunidades, organizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e diversas empresas e sociedade civil. O objetivo é gerar um milhão de oportunidades de formação e acesso ao mundo do trabalho para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos em situação de vulnerabilidade nos próximos dois anos.

Dado os atores por trás da iniciativa, as ofertas de trabalho estão compromissadas com o trabalho decente e a erradicação do trabalho infantil, trabalho escravo e trabalho precário, e as oportunidades de formação levam em conta a garantia de acesso à Educação de qualidade de todos os(as) jovens e adolescentes.

Acesse aqui a plataforma


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