A autora Maria Clara Araújo dos Passos fala sobre a importância de ouvir as demandas da comunidade transexual e pensar práticas pedagógicas decoloniais que garantam uma educação democrática e inclusiva
Por Stephanie Kim Abe
“Toda prática educativa implica uma concepção dos seres humanos e do mundo.” (Paulo Freire. Ação cultural para a liberdade, 1976. p. 42)
É a essa frase do patrono da educação brasileira que a autora Maria Clara Araújo dos Passos recorre ao explicar os movimentos sociais no Brasil e por que eles têm a educação entre seus campos de disputa, no seu livroPedagogias das travestilidades(Civilização Brasileira, 2022).
O contato com o pensamento freiriano se deu na graduação em Pedagogia, cursada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A vitória de ingressar no ensino superior só não foi mais comemorada pelo fato de que, na época, 2015, a universidade não tinha uma política de nome social para pessoas trans como ela.
No texto, a autora fala das dificuldades que passou ao longo de toda sua vida na escola para ser entendida e respeitada no seu processo de autorreconhecimento como uma travesti:
Desde muito cedo, o âmbito educacional deixou o mais explícito possível suas dificuldades em compreender as particularidades de minha vida: aos 6 anos, desejando ser a Power Ranger Rosa, aos 13 usando lenços na cabeça, aos 18 implorando pelo meu nome social e, logo, o reconhecimento de minha identidade de gênero. Nenhuma foi atendida. Nenhuma foi levada a sério como algo que eu, enquanto um ser humano, preciso daquilo para me construir e ter minha subjetividade.”
Maria Clara Araújo dos Passos, pedagoga e escritora
O texto, que se tornou um manifesto, também está presente no seu livro Pedagogias das Travestilidades, fruto de seu Trabalho de Conclusão de Curso, finalizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A obra resgata a história do Movimento de Travestis e Mulheres Transexuais, mostrando como, tal qual acontece com diferentes movimentos sociais, este foi fundamental na formação crítica e no autorreconhecimento das mulheres trans e travestis como sujeitas de direito, dado que essas são populações historicamente excluídas do sistema formal de ensino.
Afinal, se a escola é a instituição por excelência onde as pessoas se autorreconhecem e aprendem a pensar criticamente e a se constituir como sujeitos de direitos, onde se formarão aquelas(es) sistematicamente excluídas(os) das escolas – como as mulheres trans e travestis?
O Portal Cenpec conversou com a autora – atualmente mestranda em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP) – para saber mais sobre a sua obra, as pedagogias estudadas e as possibilidades de outras práticas pedagógicas que proponham uma nova forma de olhar, aceitar, respeitar e conviver com as diversidades.
Portal Cenpec: Sobre o que fala o seu livro Pedagogias das travestilidades?
Maria Clara Araújo dos Passos: O Pedagogias é uma leitura e uma interpretação acerca da história e do movimento de travestis e mulheres transexuais no Brasil e de como essa história – que eu entendo como uma história política-pedagógica – impactou na construção de outras pedagogias, que são essas que eu chamo de Pedagogias das travestilidades.
Ou seja, é o conjunto de outras possibilidades pedagógicas orientadas pelo ponto de vista das travestis e mulheres transexuais como educadoras e educandas, seja dentro das escolas ou universidades, ou mesmo fora dessas instituições formais, atuando na sociedade.
Uma coisa importante de se ressaltar é que eu não estou escrevendo ou propondo uma pedagogia nova nesta obra.
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Portal Cenpec: Quais são essas outras pedagogias que você apresenta a partir desses olhares?
Maria Clara: Eu reúno três pedagogias escritas por travestis no terceiro capítulo do livro. Esse número foi limitado pelo próprio tempo de gestação e produção de um TCC. São elas:
📍 Pedagogia do Salto Alto, da educadora Marina Reidel. Ele é um trabalho, digamos, pioneiro, mesmo no campo da educação, porque foi uma das primeiras dissertações que fazem esse descolamento e trazem as vivências de educadoras travestis e trans. Ela toma como referência esse desequilíbrio do salto alto que o corpo, a presença, o saber dessas professoras trans e travestis agregam ao espaço escolar.
📍 Pedagogias e Currículos Queer, de Adriana Sales, que é a tese de doutorado dela. É um trabalho muito bonito também nessa perspectiva de registro da história do movimento de travestis e mulheres transexuais. Ela trabalha muito a partir da perspectiva da teoria queer de pensar uma prática pedagógica que questione as normatividades, na qual a estranheza não seja algo negativo – pelo contrário, seja algo que potencializa.
📍 Pedagogia da Desobediência, de Thiffany Odara, fruto da sua especialização na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Nós temos as mesmas referências bibliográficas quase, e ela entende que as travestis e mulheres trans ativistas da Bahia nos dão subsídios para pensar essa travestilização da educação, dialogando com o feminismo negro.
Portal Cenpec: Que outros pontos de vista são esses que as mulheres trans e travestis trazem para o debate educacional?
Maria Clara: Há várias demandas educacionais que nós, pessoas trans, trazemos para o ambiente escolar e universitário e que precisam de um reconhecimento e uma legitimação. São demandas, aliás, específicas da comunidade trans, como a questão do uso do nome social – que é muito cara para nós –, a utilização do banheiro, que ainda é tão discutida, e a divisão binária da aula de educação física (meninos e meninas).
Tanto a nossa presença no ambiente escolar quanto a nossa produção de conhecimento tem trazido questionamentos a esses processos estabelecidos nas instituições formais de ensino que fazem com que elas comecem a se movimentar.
Eu penso muito que os nossos corpos são pedagógicos: não há espaço que a gente entre que não requeira um movimento a partir da nossa entrada.
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Folheto sobre as travestis na escola
Para exemplificar como o Movimento de Travestis e Mulheres Transexuais brasileiro incidiu e incide sobre educação e as práticas pedagógicas, Maria Clara cita, em sua obra, o folheto educativoEducação sem preconceitos: a travesti na escola, de 2010, fruto de uma campanha do Movimento com o Ministério da Saúde.
O folheto apresentam os fatores que dificultam a permanência dessa população na escola. Para Maria Clara, a campanha é:
“A necessidade de ter essas demandas atendidas é muito nítida e, para mim, perceptível pelas minhas próprias experiências pessoais. Eu me reconheci como pessoa trans aos 16 anos, no ensino médio. Como escrevi no meu manifesto, eu não tive a minha demanda pela utilização do banheiro atendida – pelo contrário, ela foi deslegitimada na escola onde estudava. Eu tenho plena convicção que se eu tivesse me afirmado como pessoa trans no 1o ano do ensino médio, e não no 3o, eu não estaria conversando com você aqui agora. Eu não teria conseguido permanecer e finalizar o ciclo da educação básica. Lembro que eu só persisti porque pensava: “está acabando”.
Ou seja, precisamos rever essas bases e esses processos que sustentam uma educação que instrumentaliza práticas de violência institucional contra crianças e adolescentes trans. Falar sobre gênero e reconhecer as demandas educacionais das diferentes populações é trabalhar necessariamente pela democratização da educação no Brasil, defende Maria Clara Araújo”
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