Nesta entrevista com a jornalista Jéssica Moreira, conheça a concepção do podcast Conversa de Portão, que traz os mais diversos assuntos às mulheres periféricas
Por Stephanie Kim Abe
Você ouve alguém bater palmas, o rangido do portão (provavelmente alguém encostando nele), e sai lá fora já sabendo que provavelmente é uma vizinha querendo bater um papo…
Não dá para saber exatamente sobre o que ela vai falar: pode ser sobre o fuzuê que aconteceu na rua no dia anterior, o preço do leite que subiu, o filho dela que chegou tarde em casa no outro dia, a notícia que ela recebeu no WhatsApp e não sabe se é verdade, a neta que está sem merenda na escola e chega todo dia com fome em casa… Qualquer que seja o assunto que ela traz, acaba sendo uma boa prosa.
É nessa ação tão cotidiana — principalmente nas periferias — que se inspira e se baseia o podcast Conversa de Portão. Produzido pelo site jornalístico Nós, mulheres da periferiaem parceria com Universa, do Uol, o podcast nasceu há dois anos com o intuito de atingir as mulheres periféricas por meio de uma plataforma diferente e apostando em uma nova mídia: o áudio.
Em 2020, o podcast Conversa de Portão ficou entre os 20 melhores lançamentos do ano segundo o Spotify. Jéssica Moreira, jornalista, escritora e cofundadora do Nós, mulheres da periferia conta como esta experiência surgiu:
Nós tínhamos esse sonho antigo de produzir conteúdo que fosse mais multimídia, diferente do texto. Em meio à pandemia, um período no qual a informação foi extremamente importante — inclusive para podermos barrar a transmissão do vírus — e as fake news estavam tão disseminadas, o podcast surgiu dessa necessidade de trazer informações verídicas e criar mais diálogos com esse nosso público das mulheres negras e periféricas”, explica.
Jéssica Moreira
Os temas tratados são os mais diversos: há episódios sobre feminismo, infâncias, saúde, economia, política, comportamento, educação etc.
O último episódio, lançado no dia 13 de setembro, tem como tema a questão do direito à creche — assunto este, aliás, que está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) essa semana, por causa do Recurso Extraordinário (RE) 1008166, que questiona o dever estatal de ofertar e garantir o direito à educação pública infantil para crianças de até cinco anos de idade.
Para contar mais sobre essa iniciativa tão importante, o Portal Cenpec conversou com Jéssica Moreira. Confira a entrevista abaixo:
Portal Cenpec: Como surgiu a ideia do programa Conversa de Portão?
Jéssica Moreira: O Conversa de Portão nasceu em setembro de 2020. Nós tínhamos esse sonho antigo de produzir conteúdo que fosse mais multimídia, diferente do texto. Em meio à pandemia, um período no qual a informação foi extremamente importante — inclusive para podermos barrar a transmissão do vírus — e as fake news estavam tão disseminadas, o podcast surgiu dessa necessidade de trazer informações verídicas e criar mais diálogos com esse nosso público das mulheres negras e periféricas.
Nós também entendemos o audiovisual — e, nesse caso, o áudio, por meio do podcast — é uma ferramenta de democratização da informação.
A gente sabe que ainda há um déficit grande de alfabetização, muitas vezes nos territórios periféricos, e muitas pessoas ainda não leem grandes textos. Quando o fazem, costumam ser textos mais curtos, mas a gente acredita que há temas em que é preciso se aprofundar, falar por mais ângulos.
O podcast seria uma ferramenta importante para fazer chegar esse conteúdo a mais mulheres e pessoas, principalmente pensando que elas podem ouvi-lo no dia a dia delas, como lavando louça ou roupa ou indo trabalhar.
Portal Cenpec: Que temas são discutidos no podcast? Quais temas interessam às mulheres periféricas?
Jéssica Moreira: Assim como no Nós, a gente tem uma linha editorial que pensa o jornalismo de memória. A gente entende que é importante contar as histórias das mulheres negras e periféricas, para que isso fique como memória, um legado de quem são elas e com o intuito de não gerar conteúdos estereotipados e muito generalistas.
Tendo isso em mente, nós entendemos que precisamos falar sobre todos os temas com as mulheres periféricas. Muitas vezes, a gente vê outros veículos falando apenas sobre um tema, por exemplo, violência. Ao abordar diferentes temáticas, queremos mostrar que as mulheres periféricas falam sobre tudo.
Já fizemos séries específicas, como sobre feminismo, afrofuturismo e infâncias, mas costumamos mesclar sempre. Às vezes saem episódios mais politizados, outras vezes mais voltados a comportamento e sociedade. Todos esses são temas próximos das nossas ouvintes, que são principalmente mulheres entre 18 a 44 anos, majoritariamente de 25 a 34 anos, a maioria periféricas e negras. Também conseguimos atingir um outro público por causa da parceria com o Uol.
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Portal Cenpec: Muitos dos temas citados são polêmicos ou mais densos. Como fazer para criar esse diálogo com as(os) ouvintes sobre essas questões?
Jéssica Moreira: O nosso grande diferencial é esse jeito de fazer, que o próprio nome do podcast já deixa evidente: é uma conversa de portão. Ou seja, nós vamos falar de um tema difícil, mas de um jeito próximo, de uma forma mais leve.
Além disso, como mulheres das periferias que somos, a gente conhece e tem em mente sempre o jeito como a nossa mãe, a nossa vizinha, os nossos iguais discutiriam esses temas.
Então a gente costuma ser bastante acolhedora, para trazer as mulheres para o debate; usar uma linguagem que não seja simplista, mas que seja de fácil entendimento; trazer conteúdo de maneira aprofundada com algum didatismo, mas sem o tom professoral ou academicista, porque isso as afasta.
No começo, nós tivemos o cuidado de enviar os episódios por WhatsApp, mas atualmente paramos com essa prática. Existe esse desafio de alcançar as mulheres periféricas, já que existe a falta de conectividade e a concorrência com a televisão e o rádio.
Este ano, os episódios contam com duas apresentadoras, porque entendemos que dessa forma a gente consegue ter mais prosa, simular mais um diálogo de portão. As especialistas entrevistadas são sempre mulheres negras e/ou periféricas (ou seja, que também fazem parte do mesmo universo que nós). Também diminuímos a duração, para cerca de 20 minutos. Mas é tudo um aprendizado constante, vamos melhorando conforme vamos produzindo o podcast.
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Portal Cenpec: A educação é um tema que perpassa ou é o foco mesmo de muitos episódios. Qual é o interesse e a importância que ele tem para as mulheres periféricas?
Jéssica Moreira: Educação sempre foi um dos temas mais importantes para o Nós, mulheres da periferia. A gente fala da educação a partir do olhar das professoras das periferias, das mães das periferias, das estudantes das periferias. Durante a pandemia, por exemplo, produzimos diversos conteúdos refletindo sobre a educação a partir desse ângulo: como uma professora da periferia estava se sentindo naquele momento, como as mães super sobrecarregadas estavam lidando com a situação, de que maneira os estudantes que iam prestar Enem enfrentaram a dificuldade da falta de acesso à internet etc.
Agora, em meio às eleições de 2022, temos lançado episódios que falam sobre a importância das infâncias, fruto de um projeto com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. O episódio sobre o direito à creche é um deles. Esse tema é muito caro às mulheres periféricas, porque são mais de 11 milhões de mães solo — e muitas delas estão nas periferias. A creche é o lugar que elas podem deixar os seus filhos para conseguir ir trabalhar, sendo que muitas delas são chefe de família também.
Trazer esse tema para o Conversa de Portão foi muito interessante, porque ele é super denso, cheio de camadas e complexidades, e falamos sobre isso de uma maneira que todas entendessem, para que as mulheres nas periferias possam lutar pelo direito à creche de seus filhos — e como elas podem fazer isso por meio das eleições.
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Pensar em educação é um mínimo múltiplo comum, porque se temos uma educação forte nós fortalecemos também todos os setores da sociedade. Por isso é preciso ter um plano a longo prazo de educação para todos e todas.
A nossa comunicação, o nosso site que traz as notícias e os conteúdos a partir das periferias, também são fruto das políticas públicas de educação. Hoje, se eu sou jornalista e minhas colegas também, é porque a maioria de nós foi bolsista ou beneficiária de programas como o PROUNI, então, para nós, é muito importante discutir o tema que nos fez chegar até aqui também.
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Gostou da iniciativa Nós, mulheres da periferia? Você pode apoiá-las clicando aqui.
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