#PL573Não: não à privatização da escola pública em São Paulo
Entenda as intenções e os perigos do Projeto de Lei que propõe que organizações sociais sem fins lucrativos façam gestão de escolas municipais de ensino fundamental e médio
Por Stephanie Kim Abe
Está em discussão, na Câmara Municipal de São Paulo, o projeto de lei 573/21, que propõe que OSCs (organizações da sociedade civil sem fins lucrativos) sejam autorizadas a gerir escolas municipais de ensino fundamental e médio.
Em seu artigo 2º, o PL diz que:
O programa tem como objetivo a melhoria da qualidade do ensino a partir de um novo modelo de gestão, buscando diferentes estratégias para a implementação de uma grade curricular mais aberta ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.”
PL 573/21
Para especialistas da área educacional, porém, essa afirmação não tem embasamento científico e traz muito mais perigos do que soluções para a oferta e garantia da educação pública de qualidade.
Regina Estima, pedagoga, pesquisadora em educação e uma das fundadoras do Coletivo Paulo Freire, alerta para o fato de que a proposta segue a mesma linha de outros projetos conservadores na educação dos últimos anos.
O PL 573 é mais uma investida de ordem liberal contra o caráter público da educação. O Escola sem Partido, a educação domiciliar, as escolas militarizadas… esses são todos projetos da mesma natureza privatizante, em que o setor privado quer disputar não só o orçamento público, mas também assumir a gestão e a gestão pedagógica das escolas.”
Permitir o Estado se desobrigar de sua responsabilidade induz processos de privatização, de subfinanciamento e de desigualdades.”
Romualdo Portela de Oliveira
O projeto é de autoria dos vereadores Rubinho Nunes (União), Cris Monteiro e Fernando Holiday (ambos do Partido Novo).
🏫 Gestão privada não garante melhoria na qualidade da educação
Érica Catalani, coordenadora de projetos do Cenpec, explica que o PL é pouco fundamentado na sua afirmação de que haveria uma melhoria da educação com a gestão pelas OSs. A literatura tem mostrado, inclusive, o contrário.
O estudo Escolas Charter e Vouchers, feito pela D3e – Dados para um Debate Democrático na Educação, analisou cerca de 150 artigos produzidos nos EUA e três estudos de caso sobre o Chile, a Colômbia e a Suécia (metanálise), para entender o que dizem as evidências sobre subsídios públicos para entidades privadas em educação.
As escolas charters são instituições privadas financiadas pelo setor público, e os vouchers são como bolsas de estudos para que estudantes cursem escolas privadas financiadas pelo governo — como o Programa Universidade para Todos (ProUni).
O estudo conclui não só que houve um impacto nulo ou muito baixo das escolas charter sobre o desempenho das(os) estudantes, como identificou aumento na segregação das(os) alunas(os) no sistema de ensino.
Essa parceria público-privada gera competição entre as escolas pelos melhores indicadores, pelos melhores desempenhos. E elas não alcançam isso investindo em formação ou apoio pedagógico às(aos) estudantes, mas garantindo a permanência apenas daquelas(es) que se saem bem nos resultados. Então são criados guetos dentro do sistema.”
Érica Catalani
“Nesse estudo, ficou claro que não há nenhuma garantia, do ponto de vista do impacto de uma parceria público-privada na melhoria da qualidade de ensino, e que há evidências de que esse tipo de parceria tem provocado a segregação de estudantes, contribuindo para as desigualdades educacionais”, completa.
👩🏾🏫 Menos investimento e precarização do trabalho docente
Outro impacto negativo do PL 573/21 recai sobre o investimento público em educação. Os recursos provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), por exemplo, não podem ser usados em escolas privadas sem fins lucrativos, a não ser quando há falta de vagas.
É o caso, por exemplo, das creches conveniadas. Nesse caso, a terceirização já acontece por falta de condições do Estado em garantir a demanda da população, como explica Regina:
Essa é uma história de luta das mulheres pela creche, na condição em que a demanda pelo serviço é muito maior do que a capacidade de atendimento do poder público. Além disso, o direito constitucional de atendimento passa pela regulação do poder público, em uma parceria que funciona como um complemento para a ação do estado. É uma história muito diferente.”
Regina Estima
O ensino fundamental e médio não se encaixa nessa categoria, já que não há falta de atendimento.
“Então, a prefeitura deixaria de receber verbas do Fundeb, que são em torno de seis milhões por ano, se pensando em uma escola com mil estudantes aproximadamente. Mas ainda teria que repassar verba para as organizações da sociedade civil. Ou seja, ela teria que custear essas instituições de outra forma”, explica Érica.
Ela também chama atenção para questões de ordem administrativa de realocação e contratação de profissionais. Segundo o art. 11 do PL, as OSs também poderão contratar professoras(es), diretoras(es), vice-diretoras(es) e secretária(o) escolar. Aquelas(es) funcionárias(os) efetivas(os) que não quiserem aceitar o novo modelo de contratação e gestão das OSs poderão solicitar remoção para outra instituição pública municipal. Como questiona Érica:
Quem trabalha em escola pública sabe que, quando uma escola é criada, é criado um cargo de direta(or), vice-diretas(or), e são feitos concursos para preencher essas vagas. Como vamos transferir para outra escola profissionais já concursadas(os) que não queiram aderir ao modelo da OSs? A escola terá duas(dois) diretoras(es)? O que será feito com essas(es) servidoras(es)?”
Érica Catalani
Para Romualdo, a questão afeta diretamente a qualidade: “Os concursos garantem qualidade e essa é uma ideia consolidada no Brasil. A rede paulista, por exemplo, funciona historicamente com alto percentual de não concursados, o que prejudica diretamente a qualidade da educação, porque não há estabilidade, não há uma série de condições.”
📣 Mobilização
Apesar de ser um projeto de lei localizado, toda a sociedade deve ficar atenta, alerta Érica, porque caso seja aprovado, o PL pode ser replicado em outros municípios e estados:
“O município de São Paulo pode ser o campo de experimentação de uma situação que com certeza ganhará espaço no Brasil todo. Esse é o nosso grande temor — por isso, estamos nos mobilizando tanto para freá-lo.”
Diversos eventos devem acontecer nos próximos dias, no sentido de discutir a temática e alertar a população sobre o assunto.
Hoje, às 19h, acontece a live Privatização da Educação Paulistana, organizado pelo Comitê São Paulo da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
O evento será transmitido nos canais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e terá a participação de Dalva Franco (GREPPE), Carlos Roberto Medeiros Cardoso (Gestores em Luta), Luana Bife (Sindsep), Regina Estima (Coletivo Paulo Freire) e Melissa Saraiva (CRECE).
Ative a notificação no vídeo abaixo e participe!
O Cenpec também soltou um posicionamento sobre o assunto, na voz de Érica Catalani:
As(Os) professoras(es) estão voltando do recesso agora, então queremos fazer um debate que desconstrua essa ideia falsa de garantia de qualidade do PL. O que estamos vendo é a precarização dos serviços e dos vínculos empregatícios, como está acontecendo na Saúde, na Cultura, na Assistência Social. Queremos que a nossa mensagem chegue também às comunidades, às famílias, aos conselhos escolares.”
Regina Estima
Érica lembra que já existem estudos que mostram o que de fato funciona quando o assunto é melhoria da qualidade da educação pública:
“Estamos falando de formação docente, melhoria do plano de carreira e melhores condições de trabalho, implementação da BNCC, investimento em infraestrutura escolar. Essas são ações que devem ser consideradas, sempre na perspectiva da supressão das desigualdades.”
📆 Agenda de mobilizações contra o PL 573/21
Também estão sendo preparadas notas técnicas, audiência pública e abaixo-assinados contra o PL. Acompanhe as redes do Cenpec e os canais do Coletivo Paulo Freire e para ficar por dentro da agenda de mobilizações.
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