PNLD: livros didáticos na garantia de educação de qualidade com equidade
Entenda mais sobre essa importante política pública, conheça o histórico do Cenpec na elaboração dos seus guias e confira dicas para fazer escolhas fundamentadas
Por Stephanie Kim Abe
Não é nenhuma novidade que o material didático é muito importante nas escolas brasileiras. E a principal política pública de acesso a eles é via Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
Segundo o estudo O PNLD e o Uso de Materiais Didáticos no Brasil, realizado pelo Instituto Reúna em 2019, 96% das(os) professoras(es) entrevistadas(os) dão aulas em escolas da rede pública em que há a disponibilização dos materiais do Programa.
Para 90% das(os) entrevistadas(os), os materiais didáticos têm significativa relevância e, para 59% delas(es), os livros do PNLD são o principal material utilizado nas escolas em que lecionam.
Em 2021, a aquisição de livros e material didático custou quase R$ 2 bilhões para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão responsável por operacionalizar o Programa e garantir que ele chegue a todas as escolas da rede pública de educação básica do Brasil.
Histórico da distribuição de livros didáticos no Brasil
A distribuição de livros didáticos para estudantes existe desde 1937, por meio do Instituto Nacional do Livro. Em 1966, o MEC criou a Comissão do Livro Técnico e Livro Didático para coordenar a produção, edição e distribuição desses materiais. Em 1985, passou a se chamar Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Além da mudança de nome, o programa recebeu atualizações de estrutura e concepção. As principais novidades foram: as(os) professoras(es) passam a escolher os livros que desejam adotar em sala de aula, entre os selecionados pelo programa; os livros descartáveis são abolidos – agora são reutilizados por turmas em anos subsequentes; a oferta de livros se amplia a estudantes de 1ª e 2ª série das escolas públicas e comunitárias.
A cada ano, é aberto o edital para uma etapa de ensino — o PNLD 2022 foi, pela primeira vez, voltado para a Educação Infantil. As editoras inscrevem suas obras no edital para aprovação, que devem seguir os critérios estabelecidos no edital público do PNLD. Essa avaliação sistêmica das obras inscritas só começou a ocorrer a partir de 1994. Até então, o Ministério da Educação (MEC) limitava-se à aquisição e à distribuição gratuita de publicações, sem avaliação.
Essa mudança foi um marco histórico para a garantia da qualidade do material didático que chega às escolas, como explica Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e coordenadora de projetos do Cenpec:
Ao estabelecer critérios pedagógicos teóricos e metodológicos para avaliação dos materiais, o PNLD altera de forma significativa a qualidade dos livros didáticos brasileiros. Antes disso, era comum encontrarmos livros com problemas conceituais, sem preocupação com a diversidade nas ilustrações, reforçando estereótipos ou discriminação.”
Maria Alice Junqueira
Atuação do Cenpec
O Cenpec foi a instituição convidada pelo MEC para coordenar a primeira avaliação dos livros didáticos no país, em 1995. O papel do Cenpec foi reunir os pareceres consolidados sobre os livros didáticos de 1ª a 4ª séries das disciplinas Português, Matemática, Ciências e Estudos Sociais inscritos no Programa e editá-los como resenhas.
América Anjos Costa Marinho, educadora que atuou de 1995 a 2018 no Cenpec com produção de materiais pedagógicos, elaboração de projetos e formação de educadoras(es), conta que o objetivo das análises era apoiar as(os) docentes na seleção das obras a serem adotadas nas salas de aula:
Cada livro era avaliado por três especialistas das respectivas áreas, com o cuidado de serem de regiões diferentes. O coordenador da área compilava os três pareceres e, se notasse alguma discrepância, as(os) avaliadoras(es) eram entrevistadas(os) para dirimir as dúvidas e, além disso, eram chamadas(os) outras(os) três pareceristas. As análises ainda traziam informações e orientações para a elaboração dos próximos livros didáticos, a fim de contribuir para a melhoria dos materiais oferecidos às(aos) docentes e estudantes”.
América Anjos Costa Marinho
Desse trabalho, resultou a publicação do Guia de Livros Didáticos, que trouxe informações detalhadas sobre os critérios de avaliação e sobre as obras selecionadas, de forma a oferecer subsídios aos professores da rede pública brasileira para a seleção de livros a serem adquiridos pelo MEC para utilização nas escolas.
“A maioria das resenhas tinha grande qualidade, mas muitas vezes eram muito acadêmicas. Assim, o Cenpec foi escolhido por sua experiência em saber falar com as(os) professoras(es), sem banalizar o conteúdo, mas numa linguagem mais acessível e mais agradável. Nossa equipe elaborava a edição linguística e gráfica dessas análises para tornar os textos mais sucintos, agradáveis à leitura e as informações mais acessíveis ao público docente”, lembra América.
As obras indicadas no Guia eram aquelas que passavam pelo crivo da Secretaria de Educação Básica (SEB) e da equipe de especialistas, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e levando em conta aspectos como: respeito aos direitos humanos, aos princípios democráticos e à cidadania; ausência de preconceitos; precisão dos conceitos adotados de acordo com a área do conhecimento; embasamento teórico; promoção do pensamento crítico das(os) estudantes; qualidade do texto escrito; papel das ilustrações na compreensão do texto; metodologia adotada; entre outros.
“A SEB fazia uma primeira leitura para eliminar obras que apresentassem problemas conceituais graves e preconceitos de diversas naturezas. Os livros que restavam iam para a avaliação das(os) pareceristas, focados na edição das obras: o livro tem todas as informações, bibliografia? Quais eram os textos escolhidos? Apresenta manual do professor? O projeto gráfico é agradável? O papel possibilita boa leitura? O tamanho e o formato da letra estão adequados à série? Tudo isso era avaliado”, diz América.
América conta que um problema bem comum nos livros didáticos eram os manuais do professor. Muitas vezes, eles eram apenas uma cópia do livro do estudante com as respostas dos exercícios. Não havia um trabalho metodológico de explicar porque estavam propondo aqueles caminhos, aquelas atividades.
Com base em todos esses critérios, os livros indicados no Guia recebiam classificações: recomendados com distinção; recomendados e recomendados com ressalvas.
Os livros recomendados com distinção eram os que traziam mais textos com mais variedade em relação tipo, formato, linguagem, autoria e temáticas, e traziam sugestões de trabalho com as(os) estudantes mais diversas e interessantes, que levavam em conta as vivências das(os) alunas(os).
“Em Matemática, já havia a preocupação em verificar se as propostas traziam o trabalho com letramento matemático, com atividades contextualizadas. Em História, se analisava qual era a metodologia adotada, se seguia a cronologia tradicional ou se trabalhava os contextos históricos de forma mais articulada e profunda, que relacionasse os aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais”, diz a educadora.
Além dos Guias, o Cenpec organizou seminários de formação com equipes das secretarias municipais de cada estado para discutir as obras e as análises presentes no Guia. Nessas formações, as equipes tinham a oportunidade de apresentar suas dúvidas, questionamentos e críticas sobre as obras, enquanto o Cenpec realizava a mediação das informações e dos conhecimentos apresentados no Guia ao contexto das escolas e às especificidades de cada região.
Infelizmente, muitas vezes as(os) professoras(es) escolhiam os livros recomendados com reservas em vez dos mais recomendados, porque estes propunham um trabalho menos tradicionais e mais dinâmico, focado nas(os) estudantes e trazendo mais sugestões de atividades, leituras que exigiam muito mais das(os) docentes. Então, nos seminários, nós procurávamos mostrar a importância desse trabalho e como seria possível realizá-lo em diferentes realidades”.
América Anjos Costa Marinho, educadora
Critérios para escolha
O PNLD prevê que cada escola realize o seu processo de escolha das obras aprovadas, de forma conjunta com todas(os) as(os) educadoras(es) da instituição. Os livros escolhidos são adquiridos pelo MEC, distribuídos às escolas via FNDE e usados pelas(os) estudantes por quatro anos.
De acordo com o levantamento do Instituto Reúna, 91% das(os) professoras(es) participam do processo de escolha do PNLD.
Para elas(es), o material didático tem uma importância muito grande, por diversos fatores relacionados a atividades de ensino-aprendizagem, como mostra o gráfico ao lado:
Dada a importância desse processo de seleção, Maria Alice Junqueira acredita que as escolas devem pensar com atenção nos critérios que as levam a escolher o livro didático. Ela indica alguns:
A meu ver, é preciso, primeiro, analisar o quanto essa obra está de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. Depois, o quanto ela se aproxima com o projeto político pedagógico da escola. Ela está de acordo com a concepção de educação, de criança, de ensino aprendizagem que a escola defende? Por fim, compreender se o livro dialoga com a realidade da sua escola. Ele é interessante para o trabalho nesse território?”
Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e coordenadora de projetos do Cenpec
Ela entende a dificuldade de realizar esse processo com tempo e calma, considerando a realidade das condições de trabalho das(os) professsoras(es) e das escolas brasileiras. “Mas precisamos discutir cada vez mais, trocar mais e garantir uma escolha mais criteriosa do livro didático, que é tão importante para a educação brasileira”, diz.
📚 Dica prática: Roteiros de Apoio à Análise de Materiais Didáticos do PNLD
Esses documentos, produzidos pelo Instituto Reúna, trazem insumos técnico-pedagógicos para auxiliar secretarias de educação, gestoras(es) escolares e professoras(es) no processo de escolha dos materiais didáticos do PNLD.
Estão disponíveis Roteiros de Apoio do Ensino Médio, do Ensino Fundamental e da Educação Infantil.
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