Políticas educacionais em 2023: em quais áreas tivemos avanços e em quais estagnamos

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Políticas educacionais em 2023: em quais áreas tivemos avanços e em quais estagnamos

Especialistas do Cenpec comentam alguns dos assuntos mais importantes do cenário educacional brasileiro deste ano e avaliam em que medidas as políticas públicas avançaram ou não

Por Stephanie Kim Abe

O ano de 2023 chegou cheio de expectativas para a comunidade educacional, dados os últimos anos de inação do governo anterior, mesmo frente à pandemia de Covid-19 e os seus impactos com o fechamento de escolas de todo o país. 

A expectativa era que políticas educacionais fossem propostas e executadas para lidar com os problemas urgentes e recorrentes que enfrentamos no exercício diário de garantir o direito à educação pública de qualidade para todas e todos – como a evasão e o abandono escolar, a baixa atratividade da profissão docente, a defasagem de aprendizagem das(os) estudantes, a falta de estrutura das escolas etc. 

A esses problemas, que já exigiam esforços interfederativos e investimento adequado, somaram-se outras demandas que apareceram ao longo do ano – como a necessidade de compreender e agir com medidas de curto, médio e longo prazo sobre os episódios de violência extrema contra as escolas que explodiram desde o início de 2023.

É possível dizer que parte dessa expectativa se concretizou, no sentido de que mobilizações foram feitas, consultas públicas abertas, programas e ações foram lançadas. Mas, para que tudo isso não passe de intenções e realmente cheguem a quem mais precisa – a comunidade escolar –, ainda são necessárias mais definições, execução orçamentária e lobby político para que as mudanças de fato ocorram. 

A seguir, especialistas do Cenpec comentam alguns dos principais temas educacionais que mobilizaram o governo e a sociedade civil organizada ao longo de 2023, indicando:

  • os que tem sinalizado progresso em verde;
  • e os que estão estagnados ou podem sofrer revezes em amarelo.

Confira!

🟢 Clima e convivência escolar

O ano de 2023 foi o mais violento contra as escolas já registrado no Brasil. Isso porque, de janeiro a outubro, foram contabilizados 16 ataques extremos a instituições de ensino, segundo dados do governo federal. Esse número é maior que o dobro de 2022, em que foram registrados sete ataques. 

Para combater esses episódios, o governo federal se mobilizou, criando grupos de trabalho interministeriais para tratar da temática e estabelecendo o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE) para receber e monitorar denúncias de violência escolar ou ameaças.

Para além dessas medidas emergenciais e de curto prazo, o Ministério da Educação (MEC) coordenou um trabalho com um grupo de especialistas para pensar estratégias e recomendações para políticas públicas do que fazer para coibir que essa violência extrema se propague. 

Nesse sentido, o tema da importância do clima e da convivência escolar acabou entrando na pauta de muitas redes e escolas Brasil afora, como fatores que são determinantes de se olhar para garantir que toda(o) e qualquer estudante sinta-se bem acolhida(o) na escola. 

Esse é, inclusive, o foco de uma das 13 ações emergenciais a serem realizadas pelo governo para prevenir os ataques às escolas presentes no relatório final Ataque às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental:

“7. Melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos”.

Erica Catalani, coordenadora de programas e projetos do Cenpec, chama atenção também às recomendações que envolvem a criação de uma rede de apoio e proteção que articule sistema de comunicação, saúde, segurança e educação, já que sabemos que o fenômeno da violência extrema é fruto de múltiplos fatores. 

Ela também espera que esse e outros relatórios recentemente publicados sejam mais divulgados para desencadear o atendimento às recomendações neles contidas, tanto a nível de município quanto de estado:

Foto: acervo pessoal

Por exemplo, educadores e educadoras teriam acesso ao perfil das pessoas que praticam esses atos de extrema violência (que são, na maioria estudantes ou ex-estudantes) para mobilizar ações pedagógicas que previnam outras(os) estudantes de caminharem para as mesmas circunstâncias, apresentando isolamento social, concepções opressoras (nazismo, misoginia, racismo) e ausência de sentido na vida. Outras ações seriam envolver a construção de um clima escolar positivo, onde há uma convivência democrática, respeitosa e que implica em participação de estudantes e comunidade nas decisões – elementos que inclusive vão contribuir para o aprendizado”.

Erica Catalani, coordenadora de programas e projetos do Cenpec

Leia mais sobre as recomendações para políticas públicas para lidar com episódios violentos nas escolas

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Convivência e relações na escola no podcast Educação na ponta da língua!


O terceiro episódio do podcast Educação na ponta da língua se debruça sobre esse tema, focando em uma premissa particular e importante: um clima escolar positivo pode incidir tanto no enfrentamento da violência escolar, como também na melhoria das aprendizagens.

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Ouça o bate papo aqui:

🟡 Novo Ensino Médio 

O governo federal pausou o processo de implementação do Novo Ensino Médio (Lei 13.415/17) em abril, em resposta às críticas que vinham sendo feitas sobre a reforma desde a sua sanção, por meio de medida provisória, em 2017. 

Uma consulta pública on-line foi aberta, no sentido de ouvir a comunidade escolar e especialistas sobre o tema. Também foram realizados seminários e webinários, audiências públicas e debates em diferentes regiões do país.

O resultado desse processo foi um novo projeto de lei que redefine a Política Nacional de Ensino Médio no Brasil (PL 5230/2023), enviado ao Congresso Nacional pelo Executivo no dia 24 de outubro. 

Dentre as principais mudanças, estão o aumento de 1,8 mil para 2,4 mil horas dedicadas à formação geral básica das(os) estudantes, a volta de todas as disciplinas obrigatórias do ensino médio, a proibição da oferta dessa etapa na modalidade educação a distância (EAD) e a contratação de profissionais com notório saber apenas em casos excepcionais. 

As mudanças agradaram grande parte daquelas(es) que criticavam o Novo Ensino Médio, buscando enfrentar os principais gargalos da reforma, que acabava por aprofundar as desigualdades. 

O relator do PL, Mendonça Filho – Ministro da Educação na época em que o Novo Ensino Médio foi aprovado, em 2017 –, apresentou relatório no dia 09 de dezembro em que diminui para 2,1 mil horas a carga horária de formação geral básica, dentre outras mudanças. A votação está prevista para ocorrer essa semana.

Diferentes setores da sociedade já se manifestaram sobre a questão. O Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, com mais de 30 estudiosos da área, criticou em nota técnica as medidas propostas, ressaltando a possibilidade de “retrocessos”. 

Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec, acredita que:

Foto: acervo pessoal

O processo de tramitação é uma oportunidade para escuta, consulta e articulação coletiva de diferentes setores e atores envolvidos no Ensino Médio. Por mais urgente que seja o assunto, é preciso tempo para um debate maior. Toda e qualquer política educacional no nosso país tem que ter como centralidade o enfrentamento das desigualdades educacionais. O Projeto de Lei aprovado em 2017 sofreu muitas críticas nesse sentido. A implementação ocorrida nos últimos anos mostrou que a maioria destas críticas são procedentes. É preciso mudanças para garantir que todos e todas tenham oportunidades educativas em quantidade e qualidade suficientes para aprender e se desenvolver”. 

Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec

Saiba mais sobre o assunto e veja o especial Novo Ensino Médio: O que é preciso entender?

🟢 Educação integral 

Desde o início do mandato, o governo de Luís Inácio Lula da Silva tem colocado a educação integral como uma das suas principais bandeiras. 

Em julho, o Programa Escola em Tempo Integral (Lei nº 14.640) foi sancionado, com o objetivo de alcançar a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 13.005/14), que estabelece a oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da Educação Básica até 2024. 

O governo federal prevê o investimento de 4 bilhões de reais para a criação do primeiro um milhão de matrículas em tempo integral em 2023 – que significa aquelas em que a jornada da(o) estudante na escola é igual ou superior a sete horas diárias ou 35 horas semanais. Até 2026, a ideia é alcançar mais de 3,2 milhões de matrículas.

Desde então, o programa foi se institucionalizando, por meio de portarias e resoluções. A liberação dos recursos para o programa foi iniciada em outubro e, em novembro, as diretrizes para o programa foram definidas pela Portaria 2.036. A ideia é “ampliar matrículas de tempo integral com qualidade e equidade” – ou seja, enviar o recurso e priorizar a ampliação da oferta em escolas em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica. 

Semana passada, o governo lançou um guia com orientações e recomendações sobre alocação e distribuição de matrículas do Programa. Todos os estados e distrito federal e 84% dos municípios aderiram ao programa.

Para Guillermina Garcia, gerente de programas e projetos do Cenpec, o lançamento do Programa foi muito importante porque trouxe a agenda da educação integral, que estava muito fragilizada nos últimos anos, para o centro da agenda política educacional. 

Ela acredita que:

Foto: acervo pessoal

A proposta é bastante completa e busca contemplar, por meio dos seus eixos estruturantes, toda a complexidade que é a implementação de uma política de educação integral. Uma questão relevante para avançar na perenidade destas políticas é que haja um apoio robusto para as redes municipais construírem e/ou aprimorarem suas políticas de educação integral, e não somente a ampliação de matrículas de tempo integral. Para que isso ocorra, o investimento na formação e articulação de todos os atores envolvidos é essencial”.

Guillermina Garcia, gerente de programas e projetos do Cenpec

Saiba o que esperar do novo programa de educação integral

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🟡 Alfabetização

Outra forte bandeira da atual gestão é a alfabetização. Nessa frente, o governo lançou o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (Decreto 11.556/2023) em junho, no sentido de dar apoio técnico e financeiro a estados e municípios para avançar na alfabetização de suas(seus) estudantes.

O Programa tem como objetivos garantir que 100% das(os) estudantes brasileiras(os) estejam alfabetizadas(os) ao final do 2o ano do ensino fundamental, e que seja feita a recomposição das aprendizagens para as crianças matriculadas no 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental, com foco na alfabetização.

O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada está ancorado nos parâmetros e nas diretrizes que foram definidas pela pesquisa Alfabetiza Brasil, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

A partir dela, foi definido um novo parâmetro para determinar se as crianças estão ou não alfabetizadas. Assim, ficou determinado como ponto de corte a nota 743 na escala Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) para que uma(m) estudante seja considerada(o) alfabetizada(o). O Saeb é uma avaliação de larga escala realizada a cada dois anos com estudantes da rede pública e com uma amostra da rede privada.

Apesar de empossado o Comitê Estratégico Nacional do Compromisso (Cenac), principal instância que coordena o Programa, e a Rede Nacional de Articulação de Gestão, Formação e Mobilização (Renalfa), até novembro de 2023 o governo ainda não tinha repassado nenhum dos 801 milhões de reais previstos no orçamento de 2023 para o Programa, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.

Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec, ressalta que já passou da hora de realmente avançarmos nessa área:

É mais do que urgente garantirmos a alfabetização plena de todas as nossas crianças e adolescentes. Na verdade, essa é uma dívida histórica. Saldar esta dívida é, sem dúvida, um imperativo moral e ético, mas também condição para a construção de um país mais justo, sustentável e economicamente desenvolvido”.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec
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Alfabetização e letramento no podcast Educação na ponta da língua!


Qual o papel de educadoras e educadores na garantia do direito de toda criança à alfabetização? Que estratégias mobilizar para recompor essas aprendizagens e promover o letramento de todas e todos as(os) estudantes nesse pós-pandemia? Confira essas e outras dúvidas no segundo episódio do podcast Educação na ponta da língua.

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Ouça o bate papo aqui:

🟢 Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER)  

2023 marcou os 20 anos da Lei 10.639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo da educação básica. 

Com isso, diversos debates foram realizados e artigos publicados analisando e avaliando a importância dessa lei e as contribuições que ela trouxe para a efetivação de uma educação antirracista. Publicação de diretrizes nacionais sobre o tema, formação docente, elaboração de material didático, publicação e consumo de literatura afro-brasileira, e muitas outras áreas tiveram avanços na busca por um currículo decolonial. 

Somado a esse movimento na educação básica, no ensino superior tivemos a atualização da Lei de Cotas (​​Lei 12.711/2012), que institui o sistema de cotas sociais em universidades e institutos federais para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas. 

Assinada em 13 de novembro, a nova lei amplia os beneficiários, incluindo os quilombolas; prevê o monitoramento anual da lei e uma avaliação a cada 10 anos; e prioriza os cotistas no recebimento de auxílio estudantil.

Para Washington Góes, técnico de programas e projetos do Cenpec, é preciso continuar avançando: 

Foto: acervo pessoal

Uma forma de fazer isso é ampliar ainda mais os meios de comunicação com o público sobre a temática e manter a produção de conteúdos que questione a educação, que ainda é eurocêntrica. Esperamos ações urgentes de revisão das políticas de currículos e investimento na formação de professoras e professores para, de fato, implementar uma educação antirracista nas escolas”.

Washington Góes, técnico de programas e projetos do Cenpec


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