Mais do que incentivar a juventude a tirar título de eleitor, é preciso garantir um espaço seguro de debate e incentivar que o pensamento crítico se desenvolva em sala de aula
Por Stephanie Kim Abe
A constatação de que o atual número de adolescentes de 16 e 17 anos que tiraram o título de eleitor é o mais baixo já registrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – cerca de 10% do eleitorado nessa faixa etária – fez acender um alerta e mobilizar celebridades de todo o Brasil, na tentativa de fazer esse número crescer.
De ex-BBBs, como Juliette e Gil do Vigor, a cantoras e atrizes, como Taís Araújo e Anitta, personalidades usaram suas redes sociais para chamar e incentivar jovens de todo o Brasil a tirar o título – o que pode ser feito até o dia 4 de maio. Até o ator Mark Ruffalo, que interpreta o Hulk, entrou na roda, ao compartilhar o tuíte de Anitta e acrescentar que, nos Estados Unidos, Donald Trump só foi derrotado em 2020 por causa de um número recorde de eleitoras(es), especialmente os jovens.
O TSE também promoveu a Semana do Jovem Eleitor, que durou de 14 a 17 de março, e movimentos sociais e organizações criaram campanhas próprias para engajar a juventude – como a Cada Voto Conta, com materiais direcionados a educadores(as) para multiplicar a campanha, e a Olha o Barulhinho, com diversos conteúdos sobre o tema em linguagem e formato de mídias sociais.
Os esforços têm valido a pena, já que houve o aumento de 26% no número de adolescentes de 16 e 17 anos com título de eleitor. Mas é possível crescer ainda mais. A campanha Olha o Barulhinho, por exemplo, tem como meta chegar a 30,2% desse eleitorado (cerca de 2 milhões de jovens) – o que faria da eleição de 2022 aquela com a maior participação da juventude dos últimos anos.
Juventude apática ou instituições que não a representa?
Mas, afinal, o que explica esse número decrescente de jovens dispostos a exercer o seu direito ao voto? Estariam eles desinteressados pela política?
Marcio Black, coordenador do Programa Democracia e Cidadania Ativa da Fundação Tide Setubal, acredita que não. Ele se apoia nos resultados da pesquisa Democracia e Eleições, realizada em setembro de 2021 com cerca de mil jovens de 16 a 34 anos. Ela mostra que 62% dos jovens brasileiros tem como principal valor social o combate à fome e à pobreza, além de outras questões:
“Outras pautas que mobilizam politicamente os jovens e aparecem na pesquisa são o combate à corrupção (35%), o desemprego (33%), a preservação do meio ambiente (27%), entre outros. São agendas que tratam do futuro desses jovens e que mostram o interesse que eles têm no impacto disso tudo lá na frente. Além disso, eles se informam sobre e atuam politicamente. Portanto, não existe apatia”, explica Marcio.
Segundo a pesquisa, os jovens confiam mais na televisão (56%) e em sites de notícias da grande imprensa (40%), quando o assunto é como se informar sobre política. Apenas 4% disseram não se informar sobre o tema.
Para Marcio, uma das principais explicações possíveis para o baixo alistamento eleitoral está na falta de identificação da juventude com as instituições e com as possibilidades reais de mudança que podem surgir a partir delas:
A política institucional no Brasil está descolada do que é a sua base social. Então, por mais que o jovem entenda a importância da política, ela é hoje, pra ele, um espaço institucional muito envelhecido, que abre poucas oportunidades para que ele se manifeste, e que não o representa. Ele não identifica a política institucional, exercida por meio do voto, como um espaço onde de onde virão soluções. Alguns chegam, inclusive, a identificar esse como um espaço de onde emanam os problemas”.
Sempre espirituosa, a personagem argentina Mafalda traz um pouco desse sentimento que muitas(os) jovens – e adultas(os) também – têm ao olhar para as instituições. Usar essa ou outras das tirinhas de Quino para começar uma conversa sobre o assunto em sala de aula pode ser uma boa ideia. Afinal, a escola tem um papel importante nesse debate, certo?
A pesquisa Democracia e Eleições revela que a família (52%) é o principal agente influenciador da opinião política das(os) jovens, seguida dos amigos, jornalistas e professoras(es). Mas, entre as(os) mais jovens de 16 e 17 anos, as(os) docentes acabam ocupando o segundo lugar de influência.
Em relação a onde discutir e se posicionar sobre questões políticas, 49% das(os) entrevistadas(os) preferem fazê-lo pessoalmente (49%) ou pelo WhatsApp (48%). E cerca de 80% delas(es) acreditam que o debate político, de forma geral e nas redes sociais, é agressivo e intolerante.
Frente esses dados, Marcio chama atenção para a importância da escola como um espaço seguro e democrático para que a juventude possa se informar, debater e confrontar as mais diversas opiniões políticas:
A atuação política das(os) jovens acontece apesar da escola. Mas ela é um espaço de sociabilidade deles. E a política, por natureza, acontece na sua maior potência nos espaços públicos. A escola é o espaço onde os jovens têm a oportunidade de se associar fisicamente, debater os temas que são pertinentes e que os afligem em relação à política, e, o mais importante, se expressar. Apesar de ser um espaço de disputa atual, com movimentos como o Escola sem Partido, a escola segue sendo um espaço democrático e de diversidades. Porque é na escola que se encontram todas as juventudes: o jovem evangélico, a(o) jovem metaleira(o), a(o) jovem do rap, a(o) jovem liberal etc.”
Marcio Black
Como trazer o tema para sala de aula?
Quando começou a trabalhar o debate com temas políticos em sala de aula, o professor de Filosofia da rede estadual de São Paulo Márcio Ferezini Marangoni percebeu o quanto a família tem essa influência sobre as(os) estudantes.
Eu não diria que era uma formação política, mas era uma opinião formada dentro de casa. Muitas vezes, esse papel formador da família era exercido de forma um pouco autoritária, porque não dava para saber se era uma questão de medo de mudar de opinião e confrontar o pai ou a mãe. Então foi difícil de lidar. Eu buscava fazer o papel da escola, que, a meu ver, é de tentar trazer para a(o) estudante leituras que não são da sua vivência, ao mesmo tempo que respeito esse espaço que ela(e) tem em casa.”
Márcio Ferezini
A maneira que ele encontrou de fazer isso foi propondo debates em formato de competições. A ideia era ler alguns programas políticos de candidatos(as), sem a identificação dos documentos de qual político(a) eles pertenciam, e debater sobre o que foi lido, trabalhando com foco na argumentação.
Quando eles ouviam a palavra ‘competição’ eles se engajavam na hora, porque queriam ganhar qualquer tipo de disputa na forma de argumento. E não aceitava um ‘porque eu acho melhor’, ‘porque eu acredito nisso’ – era preciso ter argumentos reais sobre porque tais políticas melhorariam a vida dos mais pobres etc.”
Márcio Ferezini
O professor conta que as dinâmicas, apesar de algumas vezes acabarem em gritaria ou bagunça, chamaram o interesse de alguns(as) estudantes, que acabaram optando pela criação de grêmios. Atualmente coordenador pedagógico do cursinho popular Eldorado, ele trabalha o debate político em forma de roda de conversa, por meio do projeto CRISE (Coletivo de Reflexão e Investigação Sobre o Espaço).
Para Sthefanie Duarte, professora de inglês no Centro Interescolar de Línguas em Brasília, a dica é partir da realidade local para trabalhar diferentes aspectos políticos. Em 2019, ela partiu da vida de uma de suas alunas, que treinava atletismo na cidade, para falar sobre a vida dos atletas da região com os estudantes de nível iniciante.
As(Os) estudantes faziam perguntas básicas em inglês para saber informações pessoais, entender quem eram essas(es) atletas: qual o seu nome, quantos anos você tem etc. E os atletas explicavam a rotina deles, os lugares onde treinavam etc. Essa minha aluna era de um nível mais avançado, e já conseguia responder em inglês, o que gerou uma expectativa na turma iniciante, uma motivação de saber que elas(es) também poderiam falar como ela.”
Sthefanie Duarte
Essas conversas geraram questionamentos quanto às condições de treinamento e de vida dessas(es) estudantes-atletas. A turma começou a perceber a falta de apoio, a dificuldade que enfrentavam para conciliar treino e estudo, a condição de vulnerabilidade de alguns deles(as) etc. A partir desse interesse, passaram a falar sobre orçamento público – uma adaptação de uma atividade que a professora havia participado durante a Missão Pedagógica no Parlamento, programa de capacitação para educadoras(es) oferecido pela Câmara dos Deputados.
Para discutir o tema, foi feita uma roda de conversa com toda a comunidade, aberta, em português. Os registros posteriores do encontro foram realizados em inglês, de forma a trabalhar o idioma. Também foi realizado uma campanha de doações, para arrecadar objetos que pudessem ser vendidos no bazar que um dos centros de treinamento da região realiza para arrecadar fundos.
Ninguém fala sobre o orçamento, sobre a esfera pública – ainda mais em uma aula de idioma. As pessoas acham que é ensinar verbo, trazer uma situação e praticar. Muitas vezes, o inglês é ensinado com aqueles materiais didáticos prontos, que traz uma figura de uma casa de um bairro nobre dos Estados Unidos, que não tem nada a ver com a realidade dos nossos estudantes. Mas se olharmos para dentro da sala, as condições dos nossos estudantes, as suas histórias e relatos, conseguimos mostrar um pouco da dimensão da ação do poder público na nossa vida, no nosso cotidiano – e porque o debate sobre política é necessário na escola.
Sthefanie Duarte
Dicas de materiais
Abaixo, listamos três materiais que podem servir de recursos para abordar a temática em sala de aula.
🔖 Planos de aula do #Faketôfora
Sua turma já perguntou se as urnas eletrônicas são mesmo seguras? Já ouviu o boato de que as pesquisas eleitorais são uma furada nos corredores da escola? E as(os) estudantes discutindo se é melhor anular ou votar em branco?
Nos seis módulos doprojeto #FakeToFora, todas essas questões e outras referentes ao processo eleitoral são abordadas, por meio de planos de aula, vídeos, jogos e outras sugestões. Os módulos podem ser desenvolvidos separadamente ou como uma trilha única, conforme a proposta de itinerários formativos do Novo Ensino Médio.
O projeto foi desenvolvido pelo Instituto Palavra Aberta, por meio do EducaMídia, e tem como objetivo ajudar educadoras(es) a abordar os temas que envolvem a democracia e as eleições em sala de aula, de forma a prepará-los para votar, enfatizando o papel da educação midiática na construção da cidadania.
🔖 Livro Educação Política: Sugestões de ação a partir da nossa atuação
Lançado em 2017 e escrito pelo cientista político Humberto Dantas, esse livro traz dicas de materiais e atividades para trabalhar a temática da educação política com estudantes, a partir da experiência realizada por um projeto da Fundação Konrad Adenauer nas periferias de São Paulo (SP).
O livro é dividido em cinco partes e, ao longo do texto, faz comentários sobre a prática docente nas diferentes situações que podem surgir sobre o tema. Na primeira parte, por exemplo, há sugestões de obras artísticas (poemas, esculturas, músicas, tirinhas) que versam sobre democracia, participação política, cidadania etc, que podem servir como ponto de partida para uma discussão na sala de aula.
Fato ou boato? Que tal trabalhar a argumentação para esse tipo de situação por meio de um jogo? O Pontos de Vista é um jogo on-line e também aplicativo para dispositivos móveis que trabalha o gênero Artigo de Opinião com os(as) estudantes.
Lançado pelo Programa Escrevendo o Futuro, uma iniciativa do Itaú Social com coordenação técnica do Cenpec, ele convida as(os) participantes a opinar e argumentar sobre assuntos do cotidiano, como questões de gênero, padrões de beleza, fake news, bullying e o papel da política na comunidade. O jogo é gratuito e, ao final, as(os) estudantes são convidadas(os) a elaborar um texto.
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