Potencializando o protagonismo juvenil com diferentes linguagens
Entenda mais sobre as diferentes definições sobre protagonismo juvenil, os empecilhos para trabalhá-lo na escola, e as possibilidades trazidas pelas novas tecnologias e linguagens distintas nessa frente
Por Stephanie Kim Abe
Desde que o pedagogo mineiro Antonio Carlos Gomes da Costa (1949 – 2011) consolidou a expressão “protagonismo juvenil” no Brasil em 1996, ela tem sido cada vez mais norteadora do trabalho de organizações da sociedade civil e de políticas públicas voltadas para as crianças, adolescentes e jovens.
Antonio foi um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990) e escreveu inúmeros livros que versam sobre a promoção e a defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
“(…) no campo da educação, o termo protagonismo juvenil designa a atuação dos jovens como personagem principal de uma iniciativa, atividade ou projeto voltado para a solução de problemas reais. O cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla.”
É baseada exatamente nesse conceito que trabalha Marcela Ferreira Paes, professora de Biotecnologia e Genética e coordenadora do Núcleo Incubador de Empreendimentos do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), campus Vila Velha.
Desde 2014, ela busca estimular esse protagonismo das(os) suas(seus) estudantes, tanto do ensino médio técnico quanto da graduação, por meio de projetos de iniciação científica, inovação e empreendedorismo.
“Eu lanço um desafio e os estudantes têm que identificar um problema da comunidade e resolvê-lo a partir de uma determinada disciplina. Para chegar nesse objetivo, eles seguem uma trilha direcionada que eu proponho. Nesse caminho, eles têm aulas com mentores de diferentes áreas e acesso a uma série de ferramentas, mas desenvolvem ideias, fazem entrevistas com a população, marcam reuniões e pensam soluções sozinhos”, explica Marcela.
Ano passado, o projeto Biofábrica sustentável: produção de bioinsumos agrícolas de um grupo de suas(seus) estudantes do 3º ano foi um dos vencedores pelo júri popular do Solve for Tomorrow Brasil – iniciativa global de Cidadania Corporativa da Samsung, com coordenação geral do Cenpec.
📢 Projetos que dão voz ao estudante
O Solve for Tomorrow estimula estudantes do Ensino Médio de escolas públicas a identificarem problemas reais e desenvolverem soluções baseadas em ciência e tecnologia – não à toa o projeto da professora Marcela se alinhou tanto à iniciativa.
Juliana Gonçalves, técnica de projetos do Cenpec que faz parte da equipe do Solve for Tomorrow Brasil, explica como a iniciativa estimula o protagonismo juvenil:
“O trabalho por projetos em sala de aula é um convite à participação estudantil, pois desperta a curiosidade e propõe desafios, aliando teoria e prática em um movimento que aproxima o que se aprende do que se vive. No Solve for Tomorrow, levamos em conta a relevância científica e tecnológica dos projetos, mas também o protagonismo e a colaboração entre estudantes. Propostas que partem de um interesse genuíno dos meninos e meninas envolvidos, vão mais longe. Já a colaboração é um critério importante, afinal pensamos melhor quando pensamos juntos, reunindo habilidades e repertórios complementares para solucionar problemas complexos”.
“Da forma como trabalho com meus estudantes, eu entendo como protagonismo juvenil aquele tipo de protagonismo em que os alunos têm a capacidade de liderar uma equipe e resolver problemas por eles mesmos”, aponta Marcela.
🏫 Organização escolar que não estimula a participação
Letícia Araújo, coordenadora de programas e projetos do Cenpec, olha para o protagonismo juvenil mais no sentido da participação:
“É promover que as crianças, adolescentes e jovens possam de fato participar e ter suas vozes ouvidas em vários aspectos no que diz respeito à educação. É incitá-los em sala de aula e na relação com o aprendizado, de tal maneira que eles possam de fato participar da construção do conhecimento coletivamente, desde o planejamento até a execução de atividades. É uma questão de estimular que esses atores sejam mais ativos em relação a vários aspectos de suas vidas”.
Mas para ser consultado, escutado, e ter voz ativa, é preciso estimular essas ações – tanto do lado das(os) estudantes, para que aprendam sobre esse direito e saibam exercê-lo, quanto das(os) professoras(es) e demais profissionais da escola.
“Ainda temos uma educação que é muito pautada numa relação em que o adulto se coloca no lugar de saber e de poder, diferente das crianças, dos jovens e dos adolescentes. E uma pessoa não se torna participativa de um dia para o outro. Ela tem que conviver em espaços que incitem a participação, para que, quando ela for participar, ela se sinta empoderada para fazê-lo”, explica Letícia.
Por isso, a escola precisa garantir espaços de participação, como conselhos escolares, e escuta, como rodas de conversa ou profissionais que estejam atentas(os) às demandas e anseios das(os) estudantes. Mais do que isso, é necessário que elas(es) enxerguem as(os) alunas(os) como agentes ativos de seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.
“Não adianta também ter um grêmio estudantil e na hora que o estudante leva uma proposta para a direção, ela veta. Não dá para querer formar cidadão crítico, mas não na minha aula. Precisamos ter uma relação mais horizontal dentro da escola, mais equitativa com os jovens”, diz Letícia.
“Esse protagonismo juvenil precisa de oportunidades para se realizar. E para que aconteça na escola, esta deve ser um espaço que possibilita o exercício da criatividade, que respeita e acolhe as diferenças, além de promover um clima de confiança para que os jovens sintam-se à vontade para falar”, diz Juliana Gonçalves.
💻 Explorando novas tecnologias e diferentes linguagens
Juliana Gonçalves se lembra de algumas premissas de um dos programas do qual participou no Cenpec: o Programa Jovens Urbanos.
Entre suas diversas ações, o programa foi realizado em parceria com a Secretaria de Educação de Minas Gerais de 2014 a 2018, com estratégias baseadas em uma concepção de educação integral para as juventudes.
“No Jovens Urbanos, buscávamos enxergar os jovens em todas as suas dimensões, desenvolvendo propostas que permitiam, por exemplo, a circulação e apropriação dos espaços públicos das cidades, ampliação de repertório sociocultural, desenvolvimento de habilidades comunicativas, e contribuição para construírem seus projetos de vida”, explica Juliana.
Uma das estratégias de escuta utilizada em Minas Gerais foi a das Ambiências Criativas, que propunha desde uma organização do espaço físico voltada para a sensibilização do olhar e despertar do interesse e do debate, até provocações mediadas pela(o) professora(r) com discussões em grupo para formar um horizonte investigativo.
Veja no vídeo abaixo como a estratégia funciona:
“Uma das grandes contribuições do Jovens Urbanos nessa parceria com a secretaria em Minas Gerais foi propor estratégias de escuta jovem nas escolas para reconhecer anseios, proposições e projetos estudantis como elementos de integração curricular”, destaca Juliana.
Para Eduardo de Moura Almeida, professor doutor formado em Letras e pesquisador de pós-doutorado na Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, se há escuta ativa de adolescentes e jovens, há trabalho com novas tecnologias e diferentes linguagens – assim como elas são uma maneira de também atrair mais a atenção e o interesse das(os) estudantes:
“As culturas juvenis são marcadas por esses novos gêneros. Logo, se estamos focando na vida, nos gostos, no cotidiano, na vivência desses estudantes, temos a necessidade de ouvir, dialogar e trabalhar com o que está sendo produzido por eles e como isso está sendo feito. Eles estão ouvindo podcasts, discursando nas redes sociais, se informando por meio de vídeos curtos etc”, explica o professor.
Ele também aponta a integração curricular e a transdisciplinaridade, aliadas às novas tecnologias, como estratégias fundamentais para trabalhar o protagonismo juvenil.
Como sempre, a formação de professoras(es) se faz essencial – tanto para saber lidar com as novas tecnologias ou metodologias ativas, quanto para compreender a importância da escuta ativa e de fomentar a participação em sala de aula.
“Temos duas frentes de trabalho a percorrer. Uma em relação à parte técnica, no sentido de que os professores possam experimentar e se familizar com novas práticas, como trabalhar ferramentas de edição de áudio, de texto, de vídeo. A outra é no âmbito do diálogo, do professor entender que o diálogo está sujeito a conflitos, não é algo passivo, e que portanto ele precisa saber como entender e conversar com as culturas juvenis”, diz o professor.
Para Juliana, o conceito de protagonismo juvenil requer uma atenção crítica: “Há quem use o termo no sentido de valorização e de escolha dos principais, dos melhores, dos que se destacam, ou seja, daqueles que mereceriam uma atenção especial, numa lógica excludente. O protagonismo juvenil com o qual o Cenpec se identifica é aquele da emergência do sujeito e que aposta no potencial de leitura crítica e de participação das juventudes para tomar o mundo como problema e ousar propor soluções, a partir de suas experiências e pertencimentos. Isso sem deixar de reconhecer a pluralidade das vivências juvenis, em contextos e condições diversos”.
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