PVE: Boas práticas de gestão durante a pandemia (parte I)
Conheça como cinco secretarias municipais de educação do programa Parceria pela Valorização da Educação se organizaram para encarar esse momento, olhando para o seu contexto e enfrentando problemas locais
Por Stephanie Kim Abe
Assim como alunos, pais, professores, gestores e secretarias tiveram que adaptar suas atividades para o contexto da pandemia, o programa Parceria pela Valorização da Educação (PVE) também o fez. Afinal, se o objetivo da iniciativa é melhorar a qualidade da educação pública por meio da qualificação das práticas de gestão e de mobilização social, ela tem que atender os anseios de seu público-alvo: secretarias e gestores escolares.
“Em março, refizemos o percurso formativo previsto para 2020. Estamos trabalhando com os municípios no enfrentamento das demandas que esse contexto de pandemia está trazendo para as nossas três frentes de trabalho: gestão educacional e escolar, e mobilização”, explica Maria Guillermina Garcia, coordenadora de projetos no CENPEC Educação.
Pensar juntos e encontrar soluções contextualizadas
Nos 36 municípios em que atua, o CENPEC Educação e as demais instituições que trabalham como parceiros técnicos nessa iniciativa do Instituto Votorantim adaptaram as formações presenciais, que deram lugar a reuniões a distância e atividades assíncronas, em ambiente virtual, tocadas pelas formadoras do projeto. Mas o maior desafio tem sido pensar soluções para situações inéditas, como o fechamento das escolas, o alcance do acesso à Internet pelos alunos etc.
Não existiam respostas prontas antes de começarmos o trabalho. Para poder apoiar e subsidiar essas equipes, nós tivemos que pensar junto com eles possíveis caminhos para essas novas questões
Maria Guillermina Garcia, coordenadora de projetos no CENPEC Educação
Os esforços têm mostrado resultados. Em cinco meses de trabalho, a equipe do projeto tem testemunhado importantes experiências – que mostram, por exemplo, que as soluções pensadas no coletivo e que consideram o contexto do município são as que acabam trazendo resultados melhores e mais efetivos.
“Quanto mais a rede conhece os seus alunos e sabe de suas realidades, mais chances ela tem de encontrar soluções adequadas”, diz Guillermina Garcia.
Além da construção de respostas contextualizadas, o PVE também tem auxiliado os municípios na troca de experiências. As formadoras trabalham em mais de um município e fazem uma espécie de ponte de informações entre diferentes localidades. O programa também tem produzido conteúdo e disponibilizado espaços para que esses diálogos aconteçam, como por meio de videoconferências com diferentes especialistas.
O Portal CENPEC Educaçãoselecionou cinco municípios participantes do PVE para destacar suas boas práticas de gestão e mobilização durante a pandemia. Separadas em duas reportagens, as experiências – que se desenvolvem em diferentes territórios e realidades brasileiras – mostram soluções locais e contextualizadas. Ainda que não sirvam de modelo para outras secretarias, inspiram a refletir e pensar diferentes maneiras de atuar para garantir a aprendizagem dos alunos.
1. Casas sementeiras: comunidade e território para garantir aprendizagens integrais remotas – Almirante Tamandaré (PR)
Em muitos municípios e estados, a solução para a entrega das atividades remotas tem sido o uso do transporte escolar (como no caso de Curral Novo do Piauí, no relato abaixo) ou a coleta das mesmas pelos pais nas escolas. Há municípios em que professores e diretores também acabam indo até a casa dos alunos para garantir essa distribuição.
Em Almirante Tamandaré, município da região metropolitana de Curitiba (PR) onde cerca de 40% dos mais de 8 mil estudantes não tem acesso à Internet, a solução foi outra: criar pontos de retiradas/entregas desse material em diferentes partes do território.
As chamadas “casas sementeiras” não são nada mais do que casas de pessoas da sociedade civil (ou mesmo indústrias e comércios) que se comprometeram a acompanhar a aprendizagem das crianças do seu entorno, junto com a escola, realizando a busca dos materiais e distribuindo-os às crianças do seu bairro que não possuem acesso à Internet.
“Esse morador, de 15 em 15 dias, combina um horário com as 10 famílias que ele atende e faz a entrega. O que muda? Numa escola com 300 alunos, ao invés de a diretora receber 300 alunos, ela recebe só 30 pessoas, que fazem a distribuição das atividades a partir de suas casas. Além de evitar a aglomeração na escola e ajudar os familiares que não precisam desviar de seus caminhos para ir até a unidade de ensino, nós estamos criando comunidades ao redor dessas casas”, explica o Secretário Municipal de Educação e Cultura Jucie Parreira dos Santos.
Processo de convocação e formações
As casas sementeiras fazem parte do Programa Municipal de Aprendizagem Integral Remota. “O programa articula aquilo que a Constituição já institui: a família, o Estado e a sociedade juntos comprometidos com a promoção do direito à educação”, explica o secretário.
As atividades são produzidas pelos professores do território, em conjunto, e pensadas para que os objetivos de aprendizagem ocorram explorando e potencializando a rotina doméstica dos alunos.
As atividades são feitas pelos professores, mas o território colabora para que isso chegue a cada uma das crianças
Izabel Brunsizian, formadora do PVE no município
A chamada para a sociedade civil interessada na proposta partiu, a princípio, da dupla gestora, para os seus grupos de WhatsApp da comunidade. A Secretaria também organizou lives para divulgar o projeto e construiu um formulário on-line para que as pessoas pudessem se cadastrar.
Há cuidados na escolha dos participantes: se apresentam sintomas de Covid-19, a função é transferida para a casa mais próxima; e há a entrega de equipamentos de proteção individual (EPIs) a todos.
As primeiras entregas foram realizadas em agosto, e o projeto já tem quase 300 casas sementeiras cadastradas. Além de geolocalizá-las no Google Maps, a Secretaria também está providenciando formações para essas pessoas, para que tenham um olhar de proteção integral e saibam identificar abusos, violência e outras negações de direitos contra as crianças.
Trabalho pautado pela educação integral efetiva
Desde 2017 a Secretaria Municipal de Educação e Cultura tem trabalhado a ideia de cidade educadora, com uma visão de Educação Integral muito forte e legítima, em que toda a comunidade é entendida como um espaço de aprendizagem.
Isso se reflete no fortalecimento do papel da dupla gestora como lideranças desse processo nos territórios, das associações de pais, mestres e funcionários nas unidades escolares, e na criação dos “times de defesa”, que são grupos de pessoas mobilizadas nas escolas para atuar na prevenção contra a violência e a negação de direitos de crianças e adolescentes.
A própria estrutura da Secretaria passou a refletir a prática dos professores na sala de aula. Ou seja, as cinco grandes competências esperadas dos educadores se transformaram em cinco divisões do órgão: Departamento de Educação em Direitos Humanos, Departamento Político Pedagógico, Departamento de Mobilização e Articulação Territorial, Departamento de Infraestrutura Educacional e Departamento de Registros e Questões Financeiras.
O que eu acho mais importante de todo esse trabalho realizado ao longo do tempo é que temos tido um resultado significativo na aprendizagem. Não só na melhoria dos indicadores dos educandos, mas no sentido da aprendizagem na comunidade. Agora ela começa a entender a função social da escola, como um lugar que promove o direito de aprendizagem que é fundamental para o desenvolvimento da cidade
Jucie Parreira dos Santos, Secretário Municipal de Educação e Cultura de Almirante Tamandaré (PR)
Contribuições do PVE
Essa estrutura foi potencializada pelo programa Parceria pela Valorização da Educação (PVE), do qual fazem parte há três anos. No contexto de pandemia, as formações têm ajudado a equipe a ampliar sua forma de trabalho, refletir sobre suas práticas de gestão de rede e amadurecer as propostas pensadas.
“As casas sementeiras são uma grande ferramenta de sucesso hoje por causa das ferramentas que aprendemos com o PVE, que nos legitimou e tem nos ensinado a pensar mobilização como política pública. Tem sido uma parceria fundamental e estratégica”, diz o secretário.
A formadora Izabel Brunsizian também vê muito potencial para a educação do município. “A pandemia para Almirante Tamandaré trouxe o fortalecimento dos princípios que eles já tinham, e a segurança de que essa forma de ensinar é efetiva. É um exemplo de que não é só parar as aulas presenciais e depois voltar a tê-las normalmente. Eles criaram uma forma de ver a educação que vai permanecer”, revela.
2. Gestoras empoderadas pelo contexto adverso – Curral Novo do Piauí (PI)
Em Curral Novo do Piauí (PI), cidade a cerca de dez horas da capital Teresina, a ideia de fazer a entrega das atividades impressas para os alunos via transporte escolar surgiu de uma reunião com a formadora do PVE Cristiana Moreira. Ela trouxe relatos da experiência do município de Botucatu (SP), do qual também é formadora, e de como estavam utilizando o transporte escolar para essa finalidade, uma vez fechadas as escolas por causa da pandemia de Covid-19.
A partir daí, a Secretária Municipal de Educação Erasma de Macedo Alves se mobilizou, junto com a sua equipe, para fazer as coisas acontecerem. O processo, porém, não foi fácil. “No começo, estávamos bastante ansiosas, achando que seria algo solto e depois tudo voltaria ao normal”, explica Emanuela de Macedo Alves, técnica da Secretaria Municipal de Educação de Curral Novo do Piauí (PI).
Contexto adverso
O município, com menos de cinco mil habitantes, é rural e não possui muitos recursos. A rede de ensino é formada por três escolas, além de classes multisseriadas, com cerca de 1,1 mil alunos.
As escolas estavam começando a construção dos seus projetos político-pedagógicos, e a Secretaria contava com apenas três pessoas na equipe. Uma nova contratação no começo do ano foi importante para estimulá-las a trabalhar mais nesse contexto adverso.
As atitudes da equipe técnica surpreenderam a formadora Cristiana Moreira positivamente, que viu uma mudança radical de postura e de engajamento, em comparação ao ano passado (2019).
É interessante porque mesmo com a pandemia, elas estão engajadas em fazer a diferença e não deixar as crianças para trás. Se ano passado elas não se sentiam empoderadas como equipe para formar gestores, hoje elas percebem o valor das reuniões, dos planos de ação etc. Mesmo com as dificuldades de acesso, elas comparecem aos encontros on-line e sabem que podem e que precisam fazer a educação acontecer no município
Cristiana Moreira, formadora do PVE no município
Mais engajamento e novos aprendizados
Além de buscar construir um plano de contingência, que pensasse em todas as questões organizacionais e logísticas que precisavam ser adaptadas para o período, houve mobilização para a realização de projetos de leitura delivery e telemensagem.
A mudança também é perceptível para a própria equipe, que vê o quanto cresceu e se reinventou para garantir o enfrentamento da crise.
“Eu aprendi a organizar a minha rotina, a conduzir mais e a ter mais pontos de atenção. Eu vi, principalmente, que tudo o que fazemos precisa seguir um planejamento, que precisa ser obedecido”, diz a Secretária Municipal de Educação Erasma de Macedo Alves.
Eu tinha vontade de estar a todo momento nos encontros, ajudando, participando. Mas só este ano que eu pude ver o quanto posso contribuir para o projeto e para a educação no município. Estou bem mais engajada – não sei se por causa do momento que estamos vivendo, que pede que façamos as coisas darem certo e as turmas se sintam bem
Emanuela Alves, técnica da secretaria municipal de educação de Curral Novo do Piauí (PI)
Já pensando no futuro e aproveitando a energia de se sentirem capacitadas para fazer acontecer, a equipe vislumbra poder finalizar o trabalho de propostas pedagógicas e de construção de currículo que buscavam estruturar antes da pandemia.
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