Rede LEQT publica nota técnica sobre Tempo de Aprender

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Rede LEQT publica nota técnica sobre Tempo de Aprender

Análise destaca descompassos entre novo programa, que faz parte da Política Nacional de Alfabetização (PNA), e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

A Rede LEQT – Leitura e Escrita de Qualidade para Todos publicou nesta terça-feira (3) uma nota técnica sobre o programa Tempo de Aprender, lançado no último dia 18 de fevereiro pelo Ministério da Educação (MEC).

O documento, que conta com contribuição da presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação, Anna Helena Altenfelder, considera acertada a estratégia do MEC de criar um programa que “articule apoio técnico e financeiro a estados e municípios, à formação de profissionais da educação, produção de material didático e avaliação para promoção de novos avanços”.

No entanto, a Rede adota, na sequência, um tom crítico e de preocupação com os parâmetros adotados pelo Tempo de Aprender quanto à alfabetização e letramento, que considera superados desde os anos 1990.

Preocupa (…) que o desenho e os recursos financeiros do Programa estejam direcionados à promoção de uma concepção de linguagem e de ensino de língua já há muito superada – ao menos desde os Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998 – que prioriza a aprendizagem do sistema alfabético e de sua decodificação, com treino de leitura de palavras isoladas, como finalidade última da alfabetização, dissociando-a dos usos e práticas em contextos sociais da leitura e da escrita.”

Rede LEQT

Descompasso com a BNCC

O documento também lembra que, segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as habilidades de leitura e escrita vão além da simples capacidade de identificar segmentos de palavras, uma vez que implicam, entre outras, decodificar, contextualizar e produzir em vários gêneros textuais e mídias. Segundo a Rede, há um descompasso entre as propostas do Tempo de Aprender e a BNCC, o que impacta negativamente os currículos de estados e municípios que estão em fase de implantação.

Essa dissonância entre o Programa ‘Tempo de Aprender’ e as diretrizes da BNCC ameaça o esforço empreendido nos últimos dois anos por estados e municípios de todo País para produzir seus currículos para a educação Infantil e ensino Fundamental e formar seus professores para a implementação da Base Nacional a partir deste ano”.

Rede LEQT

Anna Helena Altenfelder é citada no documento, em avaliação publicada na análise realizada pelo CENPEC Educação no dia 19/02.

Anna Helena Altenfelder
Anna Helena Altenfelder

A alfabetização é um processo constituído por várias dimensões. A fluência leitora é importante, mas é apenas um aspecto. Assim, se a avaliação focar apenas nessa questão, corre-se o risco de as práticas pedagógicas focarem apenas em atividades de treino de fluência e não promoverem a aprendizagem.”

Anna Helena Altenfelder

A Rede finaliza a nota técnica apresentando três pontos de defesa que devem ser observados no novo programa. Confira.

Rede LEQT - desafios e preocupações quanto ao Tempo de Aprender
Clique para ampliar. Fonte: Rede LEQT.

O CENPEC Educação participa da Rede LEQT e subscreve a nota técnica. Leia na íntegra.


Nota Técnica da Rede LEQT a respeito do Programa Tempo de Aprender

A Rede LEQT – Leitura e Escrita de Qualidade para Todos – que reúne um amplo espectro de organizações da sociedade civil que atuam no campo da promoção da leitura, da educação e da cultura, incluindo investidores sociais, organizações sociais, produtores editoriais, bibliotecários, autores e representantes do setor público e da academia – vem a público manifestar sua preocupação com as orientações do Programa “Tempo de Aprender”, anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) no último dia 18 de fevereiro.

Idealizado pela Secretaria de Alfabetização (Sealf) do MEC, o Programa contará com um orçamento de R$ 220 milhões e funcionará por adesão de Estados, Distrito Federal e Municípios, responsáveis pela gestão de escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, às quais o “Tempo de Aprender” se destina.

Reconhecemos como fundamental o papel constitucional do MEC na redistribuição e suplementação financeira e apoio técnico aos demais entes federados para a promoção de políticas que permitam enfrentar o urgente desafio de garantir uma alfabetização plena para todos os brasileiros, sem exceções. Neste sentido, é acertada a estratégia do MEC de criar um Programa que articule apoio técnico e financeiro a Estados e Municípios, à formação de profissionais da educação, produção de material didático e avaliação para promoção de novos avanços.

Preocupa, porém, que o desenho e os recursos financeiros do Programa estejam direcionados à promoção de uma concepção de linguagem e de ensino de língua já há muito superada – ao menos desde os Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998 – que prioriza a aprendizagem do sistema alfabético e de sua decodificação, com treino de leitura de palavras isoladas, como finalidade última da alfabetização, dissociando-a dos usos e práticas em contextos sociais da leitura e da escrita.

O novo Programa, cabe lembrar, é parte da Política Nacional de Alfabetização (PNA), que tem como referência uma concepção equivocada de que basta aprender o código de escrita alfabético para que a compreensão textual se dê de forma automática. Essa concepção baseia-se quase que exclusivamente em estudos sobre a aquisição da língua inglesa e privilegia um método único para a alfabetização de crianças brasileiras em português. Ao assumir um discurso de que serão priorizadas “evidências científicas” e ignorar a rica produção científica nacional sobre os processos de alfabetização, realizada em sua maioria por universidades públicas e com diferentes abordagens, o MEC tem reiteradamente rebaixado as pesquisas brasileiras ao status de não-científicas.

Conforme previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – obrigatória por lei e prevista na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional –, as habilidades de leitura e escrita vão muito além da capacidade de identificar segmentos de palavras, pois implicam decodificar, compreender, contextualizar, depreender sentidos, ressignificar e produzir em vários gêneros textuais e mídias, desde o início do processo de alfabetização. Essa dissonância entre o Programa “Tempo de Aprender” e as diretrizes da BNCC ameaça o esforço empreendido nos últimos dois anos por Estados e Municípios de todo País para produzir seus currículos para a Educação Infantil e Ensino Fundamental e formar seus professores para a implementação da Base Nacional a partir deste ano.

A equipe do Instituto Avisa Lá reforça que

“este programa do MEC contraria principalmente a concepção de criança ativa, competente, capaz de interações significativas com seus pares, com os professores, com a língua portuguesa e as demais linguagens explicitadas na BNCC. Ao advogar que a criança é uma tábula rasa que precisa ser ensinada passo a passo, ao defender o automatismo, o MEC vai na contramão do que se espera de uma educação no século 21”.

Conforme nos lembra Anna Helena Altenfelder, Presidente do Conselho de Administração do CENPEC:

“A alfabetização é um processo constituído por várias dimensões. A fluência leitora é importante, mas é apenas um aspecto. Assim, se a avaliação focar apenas nessa questão, corre-se o risco de as práticas pedagógicas focarem apenas em atividades de treino de fluência e não promoverem a aprendizagem.”

Preocupa ainda a proposta de avaliação prevista pelo Programa “Tempo de Aprender”. A equipe da Comunidade Educativa Cedac, alerta que

“O teste de fluência leitora, que avalia a velocidade de leitura, recorre inclusive a pseudopalavras (palavras inventadas para o treino específico de determinados fonemas), o que se distancia bastante do objetivo de formar leitores de textos reais, que circulam socialmente.”

É preciso distinguir rapidez para ler de capacidade de compreender criticamente o que foi lido. Além disso, considerando o forte poder de indução das avaliações externas de larga escala, corre-se o risco de que sejam excluídas dos objetivos pedagógicos do processo de alfabetização a promoção das habilidades de leitura, compreensão e produção.

Diante do exposto, a Rede LEQT defende que:

  1. “Levar a ler e a escrever, inclusive em sua vertente artística e literária, é oferecer combustível para que as pessoas desenvolvam a razão intelectual e sensível, para que ampliem seu repertório cultural e suas possibilidades de interlocução, de constituição de conhecimento, de ser e estar no mundo. Ler e escrever também são ferramentas essenciais para acessar o mercado de trabalho e exercer os direitos e deveres cidadãos.”, tal como explicitado em nossa Carta de Princípios.
  2. O novo Programa considere as diretrizes e normas da educação nacional e que siga a concepção de alfabetização expressa na Base Nacional Comum Curricular em vigência e em pleno processo de implementação nas mais de 180 mil escolas do País.
  3. O MEC realize um processo de amplo diálogo com Estados, Municípios, profissionais da educação, pesquisadores de universidades brasileiras e sociedade civil em geral, por meio de audiências públicas e outras formas de participação, para garantir uma política nacional de alfabetização e processos de avaliação externa que de fato colaborem para o aprimoramento das aprendizagens.

A Rede LEQT acompanhará atenta a tomada das necessárias providências para que o mencionado Programa possa efetivamente cumprir o papel fundamental de garantir uma alfabetização de qualidade para todos.

Rede LEQT – Leitura e Escrita de Qualidade para Todos



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