Rozana Barroso: “O Brasil inteiro perde quando temos menos jovens estudando”

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Rozana Barroso: “O Brasil inteiro perde quando temos menos jovens estudando”

Atualmente à frente da UBES, a estudante fala sobre as lutas das(os) adolescentes e jovens brasileiras(os) para sobreviver e continuar estudando em tempos de pandemia. Imagem: UBES Oficial. #11A, o Dia do Estudante!

Por Stephanie Kim Abe

Rozana Barroso, fluminense e vestibulanda, sonha em ser a primeira da família a cursar uma universidade. Ela não está sozinha. Como presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Rozana representa mais de 40 milhões de alunas(os) brasileiras(os) de ensino fundamental, médio e pré-vestibular – muitas(os) das(os) quais também almejam concluir a educação básica.

Mas a pandemia tem colocado mais obstáculos no caminho desses(as) adolescentes e jovens, que já tinham um difícil caminho rumo ao ensino superior. 

O Brasil tem hoje 47,2 milhões de adolescentes e jovens (15 a 29 anos), que correspondem por 23% da população total do país (Pnad Contínua 2018). Em 2020, 30% das(os) jovens não estavam trabalhando ou estudando (Pesquisa Cenário da Exclusão Escolar no Brasil). 

As(os) adolescentes entre 15 a 17 anos compõem a maior parte da população em idade escolar fora da escola. De acordo com a pesquisa Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, 1,5 milhão estavam fora da escola ou sem atividades escolares no final do ano letivo de 2020. Além do desinteresse na escola, a procura por trabalho e a gravidez são os principais motivos alegados por essa população para não estarem estudando.

O Portal Cenpec conversou com Rozana Barroso para entender mais sobre como a pandemia tem afetado as(os) secundaristas, de que forma tem aumentado as desigualdades e quais caminhos elas(es) apontam para que cada vez mais jovens brasileiras(os) realizem os seus sonhos. 

Confira abaixo:


Portal Cenpec: A gente sabe que as realidades das(os) estudantes são muito diversas, mas, em termos gerais, de que forma a pandemia impactou as(os) estudantes do ensino médio? 

Rozana Barroso (@RozanaBarroso) | Twitter
Foto: reprodução

Rozana Barroso: Pra nós, esse momento de pandemia foi e está sendo muito difícil. Os familiares das(os) jovens, os nossos familiares, estão dentro das estatísticas dos que sofrem com o agravamento da desigualdade social, com o aumento do desemprego, do subemprego, da fome. 

Então a realidade das(os) jovens estudantes brasileiras(os) na pandemia foi essa da desnutrição infantil, pela não garantia da merenda escolar; da exclusão digital, pela falta de acesso à internet que fez com quem eles não estudassem mais; da falta de estruturação de políticas de amparo a esses jovens e seus familiares passando por tantas dificuldades.

Com isso, a marca da educação básica na pandemia foi, infelizmente, o abandono e a evasão escolar, porque muitas(os) jovens pararam de estudar. E o resultado, infelizmente, nós já estamos vendo. Nós temos o Enem 2021 com o menor número de inscritos em 13 anos. Então nós vamos ter um problemão para o Brasil, porque o país inteiro perde quando temos menos jovens estudando.

Portal Cenpec: Quem são as(os) jovens mais afetadas(os) por todos esses problemas causados pela pandemia?

Rozana Barroso: Certamente as meninas negras como eu. Porque somos nós as mais afetadas, assim como a juventude negra, a juventude indígena, os estudantes mais pobres, a periferia como um todo.  

São essas(es) jovens que estão em sua maioria vendendo jujuba no sinal e fora da escola, que estão burlando o sistema de aplicativo de entrega quando são menores de idade para trabalhar e não assistindo aula. Pesquisas apontam que esse é o Enem mais branco da história, porque as(os) estudantes negras(os) e indígenas, em sua maioria, não se inscreveram. São esses as(os) jovens mais afetados pelo agravamento da desigualdade social.

Quando falo sobre educação, falo da minha vida mais do que tudo. Eu tenho dois exemplos vivos dessas situações em casa. Para além de ser estudante de pré-vestibular, tenho um irmão de 18 anos, que está trabalhando de auxiliar de pedreiro, e uma irmã de 8 anos, que está há um ano e meio sem aprender a ler, ou seja, superatrasada. É essa a realidade de muitas outras crianças, adolescentes e jovens estudantes, principalmente negras(os) e da periferia.

A pandemia também impactou de forma desigual as(os) jovens. Por exemplo, o debate que é feito nas escolas particulares trata sobre a questão da “autonomia” para estudar e da questão da sua saúde mental. Já nas escolas públicas, também falamos sobre o agravamento da situação psicológica das(os) jovens, mas principalmente da perda de vínculo com a escola. Porque essas(es) estudantes não tiveram garantia de acesso à internet para poder continuar os estudos – e isso é muito perigoso para o país. Não há Brasil que avance quando a educação retrocede. 

Portal Cenpec: Como você mesmo citou acima, tivemos muitas questões com o Enem este ano e no ano passado, o que resultou na edição desse ano mais branca e elitista em uma década. O que isso significa, do ponto de vista das(os) estudantes secundaristas que almejam acessar o ensino superior?

Rozana Barroso: O Enem mostra que as(os) jovens de hoje estão sem perspectiva de futuro. As(os) jovens brasileiras(os) perderam a esperança na educação. Acredito que a própria realidade impôs para elas(es) que ou trabalham, ou vendem jujuba no sinal, ou morrem de fome. Além desse cenário, temos declarações do próprio ministro da educação de que a universidade é para poucos, desencorajando as(os) jovens a cursarem o ensino superior porque não vão ter emprego.

Ao ficarem um ano e meio sem estudar, submetidos ao subemprego, as(os) jovens desistiram dos seus sonhos, perderam as perspectivas de futuro. E isso é muito preocupante. 

Portal Cenpec: A pandemia mudou o foco das prioridades da UBES? Havia urgências antes que vocês acabaram deixando para depois? 

Rozana Barroso: A pandemia agravou todas as situações, por isso que a gente chama de agravamento das desigualdades sociais, porque elas sempre existiram. 

É a mesma coisa com a escola. A gente sempre lutou pela estruturação das escolas, pela melhoria da merenda escolar, pelo acompanhamento do desenvolvimento tecnológico pelas escolas. Essas sempre foram pautas, mas foram agravadas com a pandemia. Então só aumentou a necessidade de lutar pelo direito à alimentação, por mais investimento, pela melhoria das escolas – que muitas vezes não têm teto, não têm porta, não têm sabonete e água, não têm um laboratório de informática. 

As nossas lutas só aumentaram e, com a falta de diálogo com o governo federal que temos vividos nos últimos três anos, toda essa situação só piorou. 

Atualmente, muita gente me pergunta sobre a reforma do Ensino Médio. Eu digo que a gente não tem medo de debater a educação, mas antes disso, nós precisamos dar um passo atrás e entender que estamos em um momento atípico de pandemia e que a escola precisa olhar para essa situação e trazer de volta as(os) estudantes, não passar por cima disso como se esse fenômeno não tivesse acontecido. 

Junto com isso, precisamos construir um novo Ensino Médio com as(os) estudantes, não para as(os) estudantes. Escutar as(os) jovens brasileiras(os) é muito importante nesse momento. O diálogo e a construção conjunta nessa implementação do Novo Ensino Médio são essenciais e vão garantir o melhor para as(os) estudantes. É o que temos visto nas viagens pelos estados, como São Paulo e Rio Grande do Norte. Temos visto projetos diferentes, mas muito bacanas.  

Portal Cenpec: Como você avalia as soluções e ações implementadas pelas escolas e redes de ensino no período de ensino remoto, em termos de estratégias pedagógicas? 

Rozana Barroso: Acho que as escolas são as menos culpadas, na verdade. O que a gente tem sentido é que a comunidade escolar está muito preocupada. Ela quer trazer as(os) jovens de volta, falar com as(os) estudantes. 

Mas a verdade é que não tivemos um centavo a mais para a estruturação das escolas. Tem pouco mais de 300 dias, quase um ano, que a gente tenta se reunir com o Ministério da Educação (MEC), para falar sobre essa questão, e ainda não fomos recebidos. Então a nossa opinião é que faltou diálogo e responsabilidade por parte do MEC para garantir infraestrutura, alimentação escolar, internet e uma volta segura às escolas para as(os) estudantes. 

Portal Cenpec: Em etapas iniciais da escolarização, como educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a pandemia gerou um efeito muito grande na relação entre escola e família, aproximando-os. Você acredita que houve um impacto nesse sentido para os(as) estudantes do ensino médio e suas famílias?

Rozana Barroso: Acredito que sim. A gente tem encontrado muitas famílias e mães aflitas que estão com as(os) filhas(os) fora da escola, e por isso temos dialogado com muitos movimentos sociais de pais e mães que têm estado à disposição para construir junto com a gente essa luta em defesa da educação. São mães aflitas porque perderam o emprego, porque não têm um espaço seguro para deixar as crianças, porque as(os) filhas(os) jovens estão no subemprego. 

A minha mãe, por exemplo, é estudante de EJA e vibra com o meu sonho de ser a primeira da família a ir para a universidade. “A educação salvou a sua vida”, ela diz – o que é uma verdade, porque quando a gente vem da periferia, a educação salva a nossa vida mesmo. 

Então a corrente de proteção da escola tem aumentado e os pais têm se juntado nessa batalha com a gente. 

Portal Cenpec: Na visão da UBES, quais as principais estratégias que devem ser adotadas para trazer esses(as) estudantes de volta pra escola e enfrentar as desigualdades educacionais?

Rozana Barroso: A nossa luta tem sido apontar os caminhos para os problemas que estamos vivendo e reivindicar que sejamos escutados para que então os órgãos responsáveis pela educação pensem e coloquem em prática soluções e estratégias que solucionem essas questões. 

Nesse sentido, nós estamos viajando o Brasil com a nossa nota técnica, que chama Vida, pão, vacina e educação – pelo direito de estudar, feita em um ano e meio de pandemia. Temos entregado o documento a todos os secretários estaduais, para que possa direcionar a educação em tempos de pandemia, o retorno às aulas, a educação de modo híbrido, o modelo virtual. 

A nota aponta alguns desses caminhos, que vão no sentido de pensar políticas públicas de amparo às nossas demandas: busca ativa de estudantes fora da escola, garantia da merenda escolar, amparo psicológico para entender o que as(os) jovens passaram durante a pandemia, combate ao subemprego, garantia de conectividade pela regulamentação da Lei 14.172/21, que leva internet para 18 milhões de estudantes etc.

Muitos estados já estão colocando em prática nossas orientações, mas acreditamos que é preciso a criação de um plano nacional de educação em tempos de pandemia. Afinal, estamos vivendo um momento atípico, então a gente precisa olhar a educação a partir dessa situação. Nesse sentido, como fazer para trazer as(os) jovens de volta pra escola e como garantir uma educação de qualidade para elas(es)? 


Desigualdades educacionais em foco

Rozana Barroso foi uma das participantes do evento de lançamento do Painel de desigualdades educacionais no Brasil, desenvolvido pelo Cenpec e disponibilizado gratuitamente a partir do dia 16/9. Além de Rozana, André Lázaro, Heleno Araújo, Sueli Carneiro e outros enviaram depoimentos gravados. As diferentes vozes e olhares trazem reflexões fundamentais para o debate., que teve a participação ao vivo de Maria Alice Setubal, Petronilha B. Gonçalves e Silva e Renato Janine Ribeiro. Confira!


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