Saeb: para que serve a avaliação em larga escala e como fazer bom proveito dos seus resultados
Entenda a importância do Saeb para pensar e monitorar políticas públicas e veja quais cuidados tomar para que seus resultados reflitam a realidade educacional
Por Stephanie Kim Abe
As provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2023 começaram a ser aplicadas essa semana. Até o dia 17 de novembro, mais de 8,4 milhões de estudantes, 380 mil turmas e 190 mil escolas devem participar da aplicação, que acontece em todos os municípios brasileiros.
Conduzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Saeb é uma avaliação em larga escala que tem como objetivo fazer um diagnóstico da educação brasileira, como explica Lina Kátia Mesquita de Oliveira, diretora da Fundação Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Fundação CAEd):
O Saeb vem subsidiando políticas públicas educacionais importantes em nível federal, estadual e municipal, além de monitorar a qualidade da educação ofertada ao longo do tempo. O resultado do Saeb também é um dos indicadores que compõem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)”.
O Saeb acontece a cada dois anos na rede pública e em uma amostra da rede privada. Desde que foi criado, em 1990, já passou por muitas mudanças para angariar dados que traduzam a realidade educacional brasileira.
Desde 2019, o Saeb é composto por provas de Língua Portuguesa e Matemática aplicadas em estudantes do 2o, 5o e 9o ano do ensino fundamental e da 3a série do ensino médio. Estudantes de 5o e 9o ano sorteadas(os) (amostragem) também realizam avaliação de Ciências Humanas e Ciências da Natureza.
Além dos testes, são aplicados também questionários eletrônicos para secretárias(os) municipais de educação, diretoras(es) e professoras(es) de turmas cujos estudantes participam da prova. A avaliação da educação infantil, que acontece desde 2021, é feita por meio de questionários para as(os) gestoras(es) e docentes de creches e pré-escolas de escolas públicas, particulares e conveniadas selecionadas por amostragem. As(os) estudantes também preenchem questionários, que são impressos e aplicados junto com os testes.
A ideia é que cada um desses atores respondam sobre aspectos que contemplam o seu perfil, a sua experiência profissional, as condições de trabalho e as atividades que desenvolvem para que o Saeb colete informações referentes ao atendimento escolar, ao ensino e aprendizagem, à gestão, à equidade, ao investimento etc.
A escola está dentro de um contexto e há fatores extraescolares que interferem nela – como condições socioeconômicas das famílias das(os) estudantes. Por isso, uma boa avaliação não deve analisar somente a proficiência. Ela deve ter a aferição da aprendizagem, mas também olhar para os fatores associados a essa aprendizagem (infraestrutura da escola, gestão escolar, práticas docentes etc) – tal como o Saeb faz.”
Lina Kátia Mesquita de Oliveira, diretora da Fundação Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Fundação CAEd)
Por sua importância, escolas e redes de ensino se preparam para realizar a aplicação do Saeb de diferentes formas.
Em Panorama, município paulista localizado na divisa com Mato Grosso do Sul, cada uma das quatro escolas municipais de ensino fundamental I que participam do Saeb faz a sua sensibilização com a comunidade escolar. Como conta Iara Aparecida Silva Gomes, coordenadora geral de Educação da Secretaria da Educação de Panorama (SP):
Fazemos uma reunião com os pais e com os estudantes, para falar sobre a importância da avaliação. Algumas escolas fazem videozinhos e encaminham no grupo com os pais. Para garantir 100% da presença das crianças, também deixamos um carro da Secretaria à disposição para buscá-las caso algum evento atípico aconteça e as impeça de ir, por exemplo chuvas. E também oferecemos lanche no dia”, diz.
Iara Aparecida Silva Gomes, coordenadora geral de Educação da Secretaria da Educação de Panorama (SP)
A gestora pública Tânia Conceição Nunes de Sá Gomes acredita que essa organização é fundamental para garantir uma boa aplicação da prova e, consequentemente, de resultados mais fidedignos sobre a educação brasileira. Pela sua ampla experiência trabalhando com diferentes redes e atualmente como formadora na equipe do Cenpec no programa Parceria pela Valorização da Educação (PVE), ela vê a preocupação das instituições de ensino em se organizar também estruturalmente para o dia dos testes.
Às vezes, é necessário mudar o horário do recreio, para que o barulho não atrapalhe as(os) estudantes que estejam realizando a prova. Há escolas que acolhem a presença dos pais que querem estar no dia. Se o dia está muito quente, é preciso garantir uma sala com cortina ou ventilação. Tudo isso para contribuir para o conforto das(os) estudantes, para que elas(es) se sintam confortáveis para realizar a avaliação da melhor forma”, explica.
Tânia Conceição Nunes de Sá Gomes, gestora pública
Por outro lado, também há práticas que ela identifica em diferentes redes e escolas que, apesar de muitas vezes serem comuns, não são recomendadas. Listamos três delas abaixo, com explicações do porquê é melhor evitá-las.
3 práticas NÃO recomendadas na preparação para o Saeb
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Cuidados na análise dos resultados
A ansiedade pelos resultados do Saeb é comum entre equipes técnicas de secretarias de educação, gestoras(es) e demais profissionais da educação. Não só pela cultura da comparação excessiva, mas porque esses resultados também impactam na distribuição de recursos para a educação.
Os resultados preliminares do Saeb 2023 saem entre os dias 16 e 26 de abril de 2024 e os resultados finais serão divulgados até o dia 28 de junho de 2024.
Para aquelas que buscam ‘fabricar resultados’ do Saeb, a lógica seria garantir que o recurso chegue ao meu município para então melhorar a educação. O que muitas(os) não percebem é que naturalmente olhando para os processos e planejando a melhoria da aprendizagem, eu acabo tendo mais recursos e mais investimento, e melhor uso deles”, explica Tânia.
Tânia Conceição Nunes de Sá Gomes, gestora pública
A gestora também vê muita decepção e má interpretação dos resultados que são divulgados, sem uma leitura mais aprofundada do que eles de fato revelam.
Quando esse resultado é positivo, alcança as metas planejadas, a gestão e as demais pessoas envolvidas entendem que todo o trabalho realizado resultou em um bom desempenho ou pelo menos num desempenho que indica que houve avanço em relação ao ano anterior. Quando isso não acontece, muitas escolas experimentam uma frustração muito grande. Algumas não param para refletir sobre elas mesmas e acabam culpabilizando algum agente externo pelo baixo desempenho – como a família, questões socioeconômicas, a falta de disciplina do estudante etc”, diz Tânia.
Tânia Conceição Nunes de Sá Gomes, gestora pública
Daí a necessidade de um trabalho de autoavaliação e conscientização das(os) profissionais de educação sobre como analisar essas informações fornecidas pelo Saeb.
Para além de olhar o dado puro e simples e focar na média do munícipio, por exemplo, o ideal é desagregar esse resultado, esmiuçar os boletins de desempenho e os relatórios que são disponibilizados pelo Inep para realizar um trabalho efetivo de uso do Saeb para melhoria da qualidade da educação.
Vale lembrar que não é porque o Saeb avalia estudantes de determinados anos que somente as(os) professoras(es) dessas turmas devem se preocupar com os seus resultados.
O Saeb é construído com base em uma matriz de referência que leva em conta o progresso das habilidades. Então ao avaliar o estudante do 9o ano, ele avalia nove anos de escolaridade. Há, inclusive, itens comuns com a prova do 5o ano, por exemplo, já que a ideia é entender se há avanços no conjunto de habilidades que o aluno desenvolveu”, explica.
Lina Kátia Mesquita de Oliveira, diretora da Fundação Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Fundação CAEd)
É preciso transformar os percentuais em estudantes. Ou seja, analisar o resultado por turma e por estudante. Os relatórios de resultados são bem completos e trazem os níveis de fluência leitora, níveis de escrita dos estudantes, então é possível fazer isso. As escolas que fazem isso planejam melhor as ações de recuperação e de recomposição para esse estudante, porque o fazem com base na necessidade que cada estudante tem”, explica Tânia.
Tânia Conceição Nunes de Sá Gomes, gestora pública
Isso significa variar estratégias e ações, o que pode trazer mais resultado. Por exemplo, realizar um trabalho de reforço com determinadas(os) estudantes no contraturno, trabalhar atividades diferenciadas em sala de aula, disponibilizar professora(r) para atender as necessidades específicas de algumas(ns) estudantes etc.
Quanto mais bem analisados forem os dados, e discutidos com a equipe gestora e docente de forma a identificar os problemas e quem são as(os) estudantes afetadas(os) por eles, mais efetivas serão as soluções encontradas para aprimorar o baixo desempenho e garantir o direito à educação de qualidade de todas e todos.
Em Panorama, por exemplo, a coordenadora geral Iara conta que a análise da edição anterior do Saeb levou a uma intensificação da formação docente:
Para nós, a análise do Saeb indica como nós estamos ensinando as nossas crianças. A nossa formação de professoras(es) pode ser individual ou coletiva. Na individual, o coordenador vai até a sala de aula para fazer observações e dá o retorno para o professor sobre a dinâmica da sala de aula, as estratégias utilizadas, a análise da evolução da turma etc. A formação coletiva acontece após reuniões da Secretaria com os coordenadores, onde são identificadas e alinhadas as maiores necessidades da rede como um todo”, explica Iara.
Iara Aparecida Silva Gomes, coordenadora geral de Educação da Secretaria da Educação de Panorama (SP)
Ela também ressalta que é feita uma devolutiva dos resultados para toda a comunidade escolar e que é feito um trabalho de metas por bimestre para buscar alcançar a nota desejada no Saeb.
Tânia ressalta que essa maneira de melhor se apropriar dos resultados é um processo que muitos municípios e escolas estão trilhando, mas que ainda requer maturidade.
Este não é um processo de curto prazo e requer apoio, informação, formação e continuidade para que continue avançando. As equipes, gestoras(es), professoras(es) estão se apropriando dessa leitura, ganhando musculatura e se sentindo mais confiantes nessa metodologia. Mas inevitavelmente elas esbarram com aquelas outras práticas não recomendadas que continuam sendo feitas em outros municípios ou escolas vizinhas do território. É preciso mudar a cultura de uma região inteira para que essas mudanças comecem a se enraizar de fato”, diz.
Tânia Conceição Nunes de Sá Gomes, gestora pública
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