Ataques às escolas: a influência do ultraconservadorismo e como combatê-lo
Reconhecer e entender os fatores que levam à violência de adolescentes contra a comunidade escolar é essencial para pensar políticas públicas adequadas
Por Stephanie Kim Abe
Há exatamente uma semana, um ataque de um adolescente de 13 anos em uma escola estadual na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, que resultou na morte da professora Elisabeth Tenreiro, reacendeu os alertas sobre esse tipo de episódio de violência contra instituições escolares.
O que as especialistas que assinam esse documento e outras(os) pequisadoras(es) do campo também têm notado é que os autores desses ataques são geralmente adolescentes do sexo masculino, brancos, alunos ou ex-alunos da instituição que atacam com armas brancas ou armas de fogo, tendo planejado suas ações muitas vezes por mais de um ano. Muitas vezes alvo de bullying e de outras violências na escola, eles possuem perfis machistas e misóginos (referente ao ódio às mulheres).
Na tragédia que ocorreu na escola municipal em Realengo, no Rio de janeiro, em 2011, por exemplo, testemunhas disseram que o agressor atirava para matar nas meninas e, nos meninos, mirava somente no braço ou nas pernas. As mulheres e meninas são as principais vítimas desses ataques.
Letícia Oliveira, editora do site do coletivo de informação El Coyote, monitora grupos de extrema direita na internet desde 2012 e foi uma das autoras desse relatório. Ela conta que:
Esses grupos masculinistas a que se refere Letícia são também conhecidos hoje em dia pelo termo “machosfera”, que é um ecossistema on-line em que se propagam discursos de ódio contra mulheres, pessoas LGBTQIA+ e outras minorias, além de propagar a ideia da supremacia branca.
“A pesquisadora Lola Aronovich chegou a mapear a relação entre o atirador de Realengo com grupos masculinistas, como o extremista Marcelo Valle Silveira Mello, que hoje está preso. Tivemos esse marco inicial e depois o atentado em Suzano. Todos esses atiradores se inspiram muito no episódio de Columbine, dos Estados Unidos, e eles acabam idolatrando os jovens que fizeram esse tipo de ação antes”, explica Letícia.
Não é à toa que o tema da saúde mental tem estado tão em pauta desde o início da pandemia. De fato, Letícia e outras(os) especialistas têm apontado que o período de aulas remotas, que isolou as(os) estudantes em casa, teve suas consequências sentidas principalmente no retorno às aulas presenciais, com diversos problemas de socialização e relacionamento dentro da escola.
A pandemia é um fator essencial para a gente entender o que está acontecendo agora, porque o único meio de socialização com outras pessoas era a internet. Ou seja, os adolescentes tiveram que passar dois anos criando vínculos na rede, e ao longo desse período, vimos o aumento desses discursos de cooptação para a extrema direita.”
Letícia Oliveira
Denise Carreira, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e sócia-educadora da Ação Educativa, destaca que, não bastasse a pandemia, os últimos anos foram marcados por um processo de destruição das políticas públicas, que acaba por atingir principalmente as pessoas das camadas mais pobres e os mais vulneráveis.
A juventude e as(os) adolescentes, como parte da sociedade, também sentem os efeitos desse contexto, o que tem resultado na cooptação dessa população para os discursos de ultraconservadorismo.
“A juventude vê no seu dia a dia e nas suas perspectivas de futuro um vazio de possibilidades, e essa desesperança alimenta soluções autoritárias e estimulam o sequestro da juventude por movimentos da extrema direita, nessa perspectiva ultraconservadora, que defendem supremacia branca, masculinismo, perseguição às mulheres etc.”, diz Denise.
As escolas – lugar de garantia de direitos, de acesso às políticas e mesmo de acolhimento e familiaridade, nesse contexto de falta de políticas públicas direcionadas e que apoiem uma educação democrática e equitativa – vão perdendo a sua capacidade de se tornar um espaço seguro e de esperança para as(os) adolescentes.
O que acontece é que muitos desses jovens não se sentem acolhidos na escola por diversos motivos, sendo que ela é o ambiente em que eles passam a maior parte do tempo. Daí a transformação de toda essa revolta contra mulheres e minorias em uma revolta contra as professoras, que são muitas vezes as maiores vítimas dos atiradores. A revolta deles é contra o ambiente escolar.”
Letícia Oliveira
Soluções autoritárias tampouco funcionam
Na busca por responder às inseguranças da comunidade escolar com relação a esse e outros ataques, gestoras(es) educacionais e governantes acabam por implementar soluções mais imediatas e, de certo modo, simplistas.
Aumentar a presença do policiamento nas escolas e nos arredores, criar aplicativos ou botões que podem ser acionados em casos de emergência para alertar órgão da polícia ou dos bombeiros são algumas dessas ações discutidas atualmente pelos governos do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo.
“As experiências que vimos nos Estados Unidos, como o que aconteceu em Uvalde, no Texas, nos indicam que colocar detector de metais ou ronda policial dentro da escola não aumenta a segurança de fato. Essas medidas acabam por piorar a situação porque deixa todos os adolescentes e a comunidade escolar em estado de alerta, principalmente estudantes negras(os) e de outras minorias que são vítimas da violência policial diariamente fora da escola“, ressalta Letícia.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec, alerta:
Fortalecer a escola e a rede de articulação intersetorial
O portal de notícias G1 divulgou no dia 29/03 que o Ministério da Educação (MEC) pretende criar um grupo interministerial para trabalhar os ataques às escolas, que envolveria diferentes órgão e setores, como Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, e representantes de estados e municípios.
“Se isso realmente acontecer, acho uma iniciativa excelente. Desde que lançamos o relatório, que é um pontapé inicial para essa discussão, nossa intenção era justamente essa: que houvesse políticas públicas intersetoriais para tratar a temática. Mas precisamos trabalhar em nível municipal e estadual também“, diz Letícia.
O secretário de educação do estado de São Paulo afirmou que deve ampliar o efetivo de profissionais do programa Conviva, para que haja pelo menos um(a) educador(a) do programa em cada uma das 5 mil escolas estaduais. O Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar – Conviva SP foi lançado após o ataque à uma escola estadual em Suzano, na Grande São Paulo, que deixou 10 pessoas mortas. O objetivo é apoiar na criação de um clima escolar que favoreça a aprendizagem.
Para Denise Carreira, é imprescindível retomar as políticas sociais como um todo e revogar aquelas que são de cunho ultraconservador e antidemocrático – como o Novo Ensino Médio e o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). Em carta divulgada na semana passada, 200 entidades manifestaram ao governo a importância de se revogar o Pecim.
É preciso ainda fortalecer o trabalho da escola como rede de proteção, os programas de saúde mental nacionais e locais, e o fortalecimento das relações com as famílias.
Considerando que o ultraconservadorismo e o extremismo de direita propagam ideias racistas, misóginas, machistas, lgbtfóbicas, faz-se ainda mais fundamental a abordagem das questões de gênero e sexualidade e de uma educação antirracista nas instituições de ensino público e privadas.
Apesar de movimentos como o Escola sem Partido, que ganharam força nos últimos anos propagando a censura nas escolas, a sociedade se mostra ciente da importância dessas abordagens educacionais.
A pesquisa nacional Educação, Valores e Direitos, coordenada pelo Cenpec e pela Ação Educativa, apontou que 93% das(os) brasileiras(os) acreditam que as escolas precisam ensinar meninos a dividirem com meninas e mulheres as tarefas de casa, e 88% consideram importante que as escolas discutam as desigualdades entre homens e mulheres.
“Além de avançar em programas de educação antirracista e programas que abordem a igualdade de gênero e o enfrentamento da LGBTfobia, é de extrema importância que debatamos na escola as questões das masculinidades, já que esses movimentos de extrema direita promovem a visão de uma única masculinidade, aquela violenta e racista. A escola precisa e deve saber abordar essas questões tanto com a juventude como com as famílias e a comunidade escolar“, diz Denise.
Escola Segura
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com SaferNet Brasil, criou um canal exclusivo para recebimento de informações de ameaças e ataques contra as escolas.
Essa é uma das ações da Operação Escola Segura, iniciada na última quinta-feira (6). Todas as denúncias são anônimas e as informações enviadas serão mantidas sob sigilo. Acesse.
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