Volta às aulas: planejar em meio a incertezas

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Volta às aulas: planejar em meio a incertezas

Reflexões e dificuldades de quem atua na gestão e na escola para a garantia da segurança e direito à educação de todos(as) os(as) estudantes

Por Stephanie Kim Abe

Em Itaoca (SP), município paulista localizado no Vale do Ribeira, as aulas, que estavam primeiro programadas para retornar em janeiro, agora devem começar em março. A mudança foi necessária dada a conjuntura da pandemia de Covid-19 no país e também na região. Regina Célia Nunes da Silva Oliver, secretária municipal de educação, explica:

Regina Célia Nunes da Silva Oliver
Foto: arquivo pessoal

Eu tinha pensado em voltar em janeiro, pra fazer sondagem e avaliar os alunos. Mas a pandemia detonou após o Natal e o Ano Novo. Vieram muitas pessoas de fora e os casos aumentaram muito. Tivemos que alterar. Planejamos o retorno pra fevereiro, mas a evolução dos casos continuou, e agora em março temos que manter essa postura.”

Regina Célia Nunes da Silva Oliver

Na rede municipal de Manaus (AM), as aulas retornam em 18/02, 100% em ensino remoto. E para Júnior Mar, diretor das Divisões Distritais Zonais (DDZs) da Secretaria Municipal de Educação de Manaus (Semed), essa situação não deve mudar tão cedo.

 Júnior Mar
Foto: arquivo pessoal

Vivemos aqui uma situação muito delicada, por conta da pandemia. Todos têm acompanhado essa segunda onda, a falta de oxigênio nos hospitais da cidade. O alcance da vacina também ainda é muito tímido. Considerando todo esse contexto, penso eu que o primeiro semestre será todo on-line. Pode ser que no segundo semestre tenhamos o ensino híbrido? Sim, mas vamos estudando como as coisas evoluírem.”

Júnior Mar

As incertezas relacionadas a quando e como esse ano letivo se inicia afetam o planejamento das redes e escolas de todo o país. Elas ocorrem em meio ao agravamento da pandemia de Covid-19 e da atenção aos impactos que as escolas fechadas ocasionam no desenvolvimento e na segurança das crianças e adolescentes.

Para quem está na linha de frente desse planejamento, como gestores(as), técnicos(as) e professores(as), pensar formas de contornar esse cenário e encontrar soluções para garantir o direito à educação vem acompanhado de muitas emoções, dúvidas e aprendizados. 

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Protocolos são, de fato, melhorias?

“Estamos vivendo momentos de bastante tensão”. É assim que a professora Elly Bayó, da Creche Angela Masiero, define a sua relação com o planejamento da rede municipal de Santo André (SP), município da região metropolitana de São Paulo onde trabalha. 

O retorno presencial está previsto para 1º/03 – o que, a seu ver, é um equívoco, dada a alta de casos e a falta de segurança para o retorno dos profissionais de educação. É principalmente a falta de escuta e ação do governo que a deixa mais angustiada.

A professora, que também faz parte do Conselho Municipal de Educação, conta:

Elly Bayó
Foto: arquivo pessoal

Reclamamos sobre a urgência de manutenção nos nossos prédios, e não houve nenhuma ação. Na minha unidade, por exemplo, eu não posso abrir a janela, porque é um risco para as crianças. A pia que a Secretaria instalou na minha sala é inadequada. Eu até já me preparei para comprar máscaras, já que, como o Estado se desresponsabiliza, não sei quando eles vão se importar com a gente.”

Elly Bayó

Para Elly, o retorno às aulas presenciais não faz sentido mesmo cumpridos todos os protocolos e medidas sanitárias, pois bate de frente com a concepção de educação infantil e de escola acolhedora que acredita. Por exemplo, o rodízio entre as crianças, já que a volta é escalonada, atrapalha o processo de adaptação que é fundamental na primeira infância. 

“As crianças na creche requerem um processo de construção de cotidiano, que elas não terão, frequentando uma semana sim e outra não. As linhas de separação, os EPIs, as máscaras que usaremos… todos esses protocolos são limitações, e vão tornar esse espaço, que deveria agradável, em um ambiente traumatizante. Eu me pergunto o quanto isso é saudável, para as crianças? A função social da escola se perde”, diz.

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Tivemos acertos ano passado?

Ao olhar para trás, a secretária Regina aponta o estreitamento do vínculo entre família e escola como o principal ganho do ano passado. Em seu município, isso ocorreu com os(as) professores(as) indo até às casas dos(as) estudantes para entregar as atividades impressas. 

Na entrega, eles já conheciam o ambiente em que o aluno vive, já tem essa visão da realidade. Os professores então preparavam atividades que eram possíveis de se realizar ali, com os pais, dentro das habilidades requeridas. Os familiares também puderam dar suas contribuições, falar que as atividades tinham que ser coloridas, lúdicas etc.”

Regina Célia N. S. Oliver

A partir desses feedbacks, a SME tem adequado os seus materiais didáticos, e os professores as suas atividades pedagógicas. De acordo com a secretária, o retorno deve ser escalonado, atendendo 35% dos estudantes matriculados por dia, seguindo um ensino híbrido, conforme as diretrizes do plano estadual de retorno às aulas.

A professora Elly se preocupa, porém, que o retorno dessa forma ameace desfazer até mesmo esse importante vínculo, já que a atenção que antes era totalmente voltada para o atendimento via WhatsApp agora será dividida com as crianças que estiverem presencialmente em sala de aula. 

Outro ponto em que as duas também concordam é na importância das formações continuadas que ocorreram ao longo do ano passado, seja por meio de webinários ou pela troca entre colegas.

Nunca fundamentamos tanto a nossa prática. Foi um ano de muito estudo, de entender; de questionar pontos que muitas vezes ficavam lá no projeto político-pedagógico, escrito pro forma. O que é infância, por que estamos fazendo essa proposta, como mostrar que isso é importante para as famílias, sem institucionalizá-las… essas foram algumas das discussões feitas pelo coletivo.”

Elly Bayó

Superamos todos os desafios?

Júnior Mar, que ano passado estava em sala de aula, acredita que este ano os(as) professores(as) já estão mais aptos(as) e aprimorados(as) para o ensino remoto. Se no começo da pandemia muitos(as) não estavam habituados ao ambiente virtual ou a como gravar aulas por vídeo, hoje já existem processos programados que facilitam essa rotina. Mas o problema da conectividade se mantém.

Estamos buscando auxílio em relação à conectividade para o corpo docente, também para o corpo discente, se conseguirmos. Nós temos um canal de televisão, mas muitos alunos não têm televisão, ou precisam dividi-la com os familiares. Nós buscamos alternativas, mas seria incrível se todos tivessem um smartphone ou um tablet para acessar e ter contato com o professor em tempo real.” 

Júnior Mar

Assim como em Itaoca, em Manaus a Secretaria também tem adaptado o seu material didático e aprendido com as medidas do ano passado. Este ano, as atividades serão todas impressas na Semed e então distribuídas, trazendo mais qualidade, unificação de conteúdo e padronização de edição.

Outro problema que deve continuar sendo foco da Semed é o resgate dos(as) alunos(as) que não estão acompanhando as aulas remotas.

“A bola dentro da Secretaria foi justamente o monitoramento e o acompanhamento de quantos alunos estavam assistindo às aulas. Temos um formulário e também uma equipe em cada um dos sete distritos que funciona exclusivamente para buscar esses alunos. Alguns viajaram para o interior, sumiram do nosso raio de ação, mas um percentual muito grande conseguiu ser resgatado”, diz.


Há luz no fim do túnel?

As discussões e formações que realizaram ano passado serviram para reafirmar o que a professora Elly e suas colegas já estavam colocando em prática na creche Angela Masiero: o desemparedamento da infância. E é esse processo que Elly enxerga como uma das saídas para a educação infantil em tempos de pandemia. 

“Precisamos tirar as crianças do confinamento e ter o máximo de vivências no espaço externo que faz parte da creche. Mais do que isso, precisamos caminhar pela comunidade, ocupar esse território, pensar em outras possibilidades – que não a sala de aula”, defende.

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Mesmo essa solução, que pode parecer mais simples, esbarra na limitação do governo, que precisa dar condições para realizar essas práticas: por exemplo, realizar a manutenção das áreas comuns do bairro, ou garantir que haja pessoas na equipe escolar (agente de desenvolvimento infantil) suficientes para apoiar uma saída com os(as) estudantes. 

Eu tenho muita saudade de voltar para o território, porque o nosso lugar é na escola. Espero bastante que haja a possibilidade do não retorno no dia 1º de março, pra que, quando isso acontecer, possamos retornar plenas. Mas sem vacinação e com essa alta de casos, nós vamos voltar à escola com tensão, com risco de infecção e de uma forma não inteira.” 

Elly Bayó

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