A branca ou a negra: que boneca você prefere?

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A branca ou a negra: que boneca você prefere?

Reconhecer o racismo estrutural e sua relação com a exclusão social. Autoria: Educação&Participação
O que é?

Reflexão sobre o preconceito racial contra pessoas negras.

Materiais


Para encontros presenciais ou remotos*: Computadores, notebooks, tablets ou celulares com acesso à internet, dicionários, música suave, revistas, folhas de papel pardo, pincéis atômicos.

Finalidade

Compreender o preconceito racial como uma construção sócio- histórica que desqualifica e exclui pessoas.

Expectativa

Reconhecer a relação entre racismo e exclusão social, aprender a questionar os costumes sociais e a defender direitos e oportunidades iguais para todos; desenvolver atitudes de respeito e tolerância às diferenças raciais.

Público

Adolescentes e jovens

Espaço

Sala de aula, sala de atividades, biblioteca, centro cultural, ou ambiente on-line

Duração

1 encontro de 1h30


Início de conversa

O racismo contra pessoas negras é um dos maiores problemas sociais no Brasil. O resultado do Censo Demográfico de 2010, que levantou dados sobre as “Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência”, mostra que a população negra é maioria no Brasil. Mesmo assim, ainda sofre com o preconceito, a discriminação e o racismo em nosso cotidiano. (Saiba as diferenças e relações entre esses dois conceitos no vídeo #PorumaEducacaoAntirracista.)


Racismo estrutural

Segundo a filósofa Djamila Ribeiro, na entrevista para o site DW: made for minds:

Djamila Ribeiro fala sobre racismo estrutural presente na sociedade  brasileira
Foto: reprodução

o racismo estrutura as relações raciais no Brasil. Uma estrutura presente antes mesmo de nós termos nascidos. No Brasil é comum entrarmos em restaurantes e não encontrarmos nenhuma pessoa negra no local – nem como garçom ou garçonete. Quem vai a shopping terá dificuldade de encontrar uma vendedora de lojas negra. Isso, vale frisar, em um país com 54% da população negra. Ou seja, o racismo estrutura a sociedade e, assim sendo, está em todo lugar.”

Djamila Ribeiro

Fatos e dados sobre o racismo no Brasil

O Brasil tem hoje a maioria da população (55,8%) composta por pessoas negras (que, segundo o IBGE, é a soma de pretas e pardas). No entanto, as desvantagens desse grupo étnico-racial relação à população branca continua evidente. Veja alguns números:

  • Na educação: apesar da melhoria em vários indicadores educacionais, fruto de políticas públicas afirmativas, como o sistema de cotas, a maior taxa de analfabetismo é maior entre pessoas pretas ou pardas: 9,1% no Brasil, quase três vezes maior que a de brancas(os) (3,9%), segundo o IBGE.
  • No mercado de trabalho: pessoas brancas com nível superior completo ganhavam, por hora, 45% a mais do que pessoas pretas ou pardas com o mesma escolaridade (IBGE, 2018). Além disso, apenas 29,9% dos cargos gerenciais foram exercidos por pessoas pretas ou pardas no ano passado.
  • Na segurança pública: a taxa de homicídios chega a 98,5 por 100 mil habitantes entre pessoas pretas ou pardas de 15 a 29 anos. Entre jovens brancos na mesma faixa etária, a taxa de homicídios é de 34 por 100 mil habitantes.
  • Na saúde: em 2017, 50,7% das crianças até 5 anos que morreram por causas evitáveis eram pardas e pretas, enquanto 39,9% eram brancas, segundo dados do Ministério da Saúde.

Uma pesquisa de opinião realizada pelo PoderData em abril de 2021 mostra que:

  • 82% dos entrevistados dizem que existe preconceito contra pessoas negras no Brasil;
  • 11% afirmam não há racismo no país;
  • 7% não souberam responder.
Emicida | Facebook
Foto: reprodução

A gente precisa tocar no tema do racismo com naturalidade, ele tá no nosso dia a dia. No meu tá, no seu também. […] Não é um tabu. Infelizmente é um tabu pra sociedade porque ninguém quer tocar nisso porque vai abrir uma série de feridas e mostrar um milhão de injustiças que o Brasil cometeu, comete e se a gente não fizer nada vai continuar cometendo.”

EMICIDA


Na prática

Inicie a oficina, com uma dinâmica de acolhimento. Proponha que circulem pelo espaço, ao som de uma música suave. Diga que prestem atenção às suas comandas, enquanto estiverem andando, e as executem quando você interromper a música. Ao reiniciá-la, eles continuarão a andar até a interrupção seguinte.

Primeira comanda:

  • quando a música parar, você ficará de frente para a(o) colega mais próxima(o). Sorriam um para o outro, perguntem o nome da(o) colega e como ela(e) gosta de ser chamada(o). Ao se despedir, façam um gesto carinhoso um(a) para a(o) outra(o).

Continua a música.

Segunda comanda:

  • quando a música parar, você ficará de frente para o colega mais próximo. Cada um perguntará ao outro de que doce mais gosta e oferecerá, “simbolicamente” (faz de conta), o doce preferido ao outro.

Continua a música.

Terceira comanda:

  • quando a música parar, você ficará de frente para a(o) colega mais próximo. Perguntem um ao outro o que mais gostaria de ganhar de presente e ofereçam um ao outro, “simbolicamente”, esse presente.

Continua a música.

Quarta comanda:

  • quando a música parar, cada um procurará os colegas com quem teve interlocução durante a atividade, para dar as mãos, formando uma roda. Como todos se cruzaram antes, acabarão por formar uma única e grande roda. Coloque uma ciranda para dançarem.

A seguir, convide a turma a se sentar, em roda, para conversar sobre a dinâmica realizada: 

  • Gostaram?
  • Por quê?
  • Sentiram-se acolhidos?
  • Que sentimentos despertaram as gentilezas quando oferecidas e quando recebidas? São sentimentos positivos?
  • Já experimentaram essas sensações?
  • É sempre isso que acontece entre as pessoas, na vida cotidiana?
  • Alguém já viveu o oposto?

Pergunte se alguém já se sentiu discriminada(o) numa roda de amigas(os), na vizinhança, numa festa ou evento.

  • Que hipóteses têm para explicar essa discriminação?
  • Será que por ser muito jovem, por ser negra(o), por ser gordinha(o), por ser mulher, por ser homossexual, não ser da turma?
  • O que teria mobilizado a discriminação?

Abra a palavra para falarem sobre o assunto.

Indague se sabem que esse comportamento de afastamento e exclusão chama-se preconceito.

  • Sabem o significado de preconceito?
  • Já tiveram a curiosidade de procurar nos dicionários?

Oriente que, em duplas, peguem os dicionários disponíveis na sala e peça que alguém procure e leia para o grupo o significado da palavra preconceito, ou leia você mesmo, se eles tiverem dificuldade.

Segundo o dicionário Michaelis:

preconceito – pre.con.cei.to

sm (pre+conceito1 Conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos adequados. 2 Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente de experiência ou razão. 3 Superstição que obriga a certos atos ou impede que eles se pratiquem. 4Social Atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença, opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos. P. de classe: atitudes discriminatórias incondicionadas contra pessoas de outra classe social. P. racial: manifestação hostil ou desprezo contra indivíduos ou povos de outras raças. P. religioso: intolerância manifesta contra indivíduos ou grupos que seguem outras religiões.”

Michaelis

Preconceito, portanto, é uma atitude de intolerância com o diferente, intolerância essa que é histórica e socialmente construída, para marginalizar e oprimir um grupo social mais fragilizado num determinado contexto, como os negros, os indígenas, as mulheres e os obesos o são, em nossa sociedade. Com o passar do tempo, a atitude de marginalização se cristaliza, acaba se naturalizando, e as razões apontadas para a discriminação acabam parecendo “verdadeiras”, passando de geração a geração.

Conte que há vários estudos que comprovam que as crianças crescem reproduzindo as atitudes e o discurso social das(os) adultas(os) do meio em que vivem e, desta forma, acabam por desenvolver comportamentos preconceituosos, desde a mais tenra idade. Isso acontece lentamente, pela repetição constante de práticas preconceituosas, mesmo que veladas. E, quando as(os) adultas(os) se dão conta, o preconceito está instalado.

Para ilustrar essa questão, proponha que assistam a um vídeo que mostra o preconceito em relação a pessoas negras, na sociedade estadunidense.

Trata-se da reportagem  Teste das bonecas e as relações sociais, da CNN, que apresenta um estudo sobre o comportamento preconceituoso de crianças, realizado por uma equipe de psicólogas(os) da Universidade de Chicago, em 2013.

Esse estudo é similar a uma experiência realizada em 1940 (73 anos antes), por um casal de psicólogos americanos negros – Kenneth Bancroft Clark e Mamie Phipps Clark, com crianças brancas e negras e bonecas brancas e negras, para investigar a discriminação e a segregação racial nas escolas americanas.

Após a projeção, forme grupos para discutirem algumas questões sobre o vídeo:

  • Qual foi o comportamento mais frequente observado nas crianças?
  • Todas as crianças deram respostas iguais?
  • Quais respostas foram diferentes?
  • A que atribuem essas respostas diferentes?
  • A equipe de psicólogas(os) contatou diferenças entre seu estudo e a do casal Clark? Houve algum avanço na atitude de não discriminação?
  • E no Brasil? Acham que os resultados seriam diferentes?
  • Se as crianças são influenciadas pelo discurso dos adultos, o que acham que seria importante para conquistarmos a igualdade entre todos?

Dê aproximadamente 20 minutos para a discussão nos grupos. Acompanhe o trabalho e ajude-os na escuta do outro.

Abra a seguir a roda para a socialização e o debate. Anote em um cartaz as principais conclusões a que chegaram, em relação a cada pergunta feita e afixe na parede.

Leia-as, ao final, para que reconheçam os variados posicionamentos.

E se?
Se houver algum debate mais acalorado, intervenha. Ressalte que o objetivo do debate e das reflexões é entender que a discriminação é uma atitude construída socialmente e, para que nos tornemos todos melhores seres humanos, precisamos entendê-la para evitar a reprodução.

Para finalizar, projete outro vídeo, apresentando o que pensa sobre o preconceito o menino Gustavo, um garoto negro do 5° ano da escola do Centro Educacional Unificado (CEU) Curuçá, na Zona Leste do município e de São Paulo.

Gustavo deu o seu depoimento, ao término do Projeto Leituraço, realizado nas escolas municipais, em junho de 2015, pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que propõe a leitura de contos africanos nas escolas da rede por um determinado período de tempo, para que as crianças e adolescentes da rede entrem em contato com cultura africana, descobrindo seus encantos e para valorizá-la. Sua fala surpreende pela consciência que revela a respeito da questão.

Assim como Gustavo e algumas das crianças da reportagem da CNN, podemos perceber o quão é importante falarmos sobre a origem histórica e social dos preconceitos e valorizarmos as produções culturais das diferentes raças/etnias, como forma de desenvolvermos atitudes e comportamentos de solidariedade, de convivência amistosa e de justiça.

Após a projeção, peça que falem, no coletivo, o que podem aprender com a fala de Gustavo. Relacione essas aprendizagens em um cartaz e afixe na sala, como produção da turma.


Hora de avaliar

Disponha várias revistas para o grupo e cole papel pardo na parede para montarem um painel coletivo. Em duplas, peça que avaliem a oficina, escolhendo uma imagem que represente o que significou para cada uma delas o assunto tratado na oficina. Abra para comentários e peça para darem um título ao painel.

E se?
Se não houver consenso em relação ao título, registrem os títulos mais solicitados, mesmo que sejam vários. Explore com eles essa diversidade de interpretações dentro do grupo e aponte como foi importante a compreensão e a tolerância com as diferenças e como essa atitude é fundamental para a convivência na sociedade.

O que mais pode ser feito?

Seguem algumas sugestões:

  • Uma oficina de criação literária para que os estudantes escrevam pequenos contos ou HQs, tendo como tema central o preconceito.
  • Uma pesquisa na internet selecionando outros episódios de racismo para serem trazidos para o debate no grupo.
  • Um evento envolvendo outras turmas ou mesmo a comunidade externa propondo um debate sobre o racismo e como combatê-lo.

E você?
Tem alguma prática de educação antirracista para compartilhar? Conte nos comentários e compartilhe nas redes sociais usando #PorumaEducacaoAntirracista.


Para saber mais

A questão racial nas estatísticas

Em comparação com o Censo realizado em 2000, o percentual de pardas(os) cresceu de 38,5% para 43,1% (82 milhões de pessoas) em 2010.  A proporção de pretas(os) também subiu de 6,2% para 7,6% (15 milhões) no mesmo período. Esse resultado também aponta que a população que se autodeclara branca caiu de 53,7% para 47,7% (91 milhões).

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, 53% das(os) brasileiras(os) se declararam pretas(os) e pardas(os), ou seja, a maioria da população.

Adriana Beringuy, técnica do IBGE, afirma que esse percentual não tem relação com o aumento da taxa de natalidade entre negras(os) e pardas(os). O fator mais determinante, segundo ela, é a autodeclaração.  “Pode ser que também esteja aumentando a miscigenação entre as pessoas”, diz. “Mas o que observamos mesmo é a predominância da autodeclaração”.


Desigualdade socioeconômica e violência contra a população negra

Segundo o Banco de Dados sobre a população negra (produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, da Presidência da República, em parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares, com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racional e a Fundação Getúlio Vargas), no Brasil, negras(os) representam apenas 20% das(os) brasileiras(os) que ganham mais de dez salários mínimos. O último Censo traz um dado já conhecido: brancas(os) continuam recebendo salários mais altos e estudando mais que pretas(os) e pardas(os).

Em 2019, 77% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras. De 2008 a 2018, o número de homicídios de pessoas negras no país aumentou 11,5%, já entre pessoas não negras caiu 12,9%.

No mesmo ano, 66% são mulheres negras. A taxa de homicídios das mulheres negras é 5,2 para cada 100 mil, muito maior do que o dado para não negras, de 2,8 para 100 mil.

Os dados são do Atlas da Violência 2020, iniciativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Ministério da Economia.


Orgulho negro e acesso à educação

Para Katia Regis, coordenadora da primeira licenciatura do Brasil em estudos africanos e afro-brasileiros, o crescimento da população que se autodeclara negra é o reflexo dos anos de luta do movimento negro e também do acesso à educação. “A população negra que tem mais acesso ao conhecimento efetivo da história africana e afro-brasileira passa a se ver mais positivamente como negra”, diz. Conhecendo sua história, as pessoas negras assumem o orgulho da sua cor.

A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), em 2014, apontou que houve crescimento no acesso de negras(os) à universidade e à pós-graduação, mas a desigualdade em relação às(aos) brancas(os) ainda é grande.

No grupo de pessoas de 15 a 24 anos que frequentava o nível superior, 31,1% de estudantes eram brancas(os), enquanto apenas 12,8% eram pretas(os) e 13,4% pardas(os). O número de estudantes negras(os) – soma de pretas(os) e pardas(os) – no mestrado e no doutorado mais que duplicou de 2001 a 2013, passando de 48,5 mil para 112 mil. Mas, ainda assim, apesar de representarem a maior parte da população brasileira, estudantes negras(os) representam apenas 28,9% do total de pós-graduandos.


Segundo o IBGE, a população negra engloba pessoas pretas e pardas.

Fonte: IBGE, Características étnico-raciais da população: classificações e identidades, 2018.

Nessa perspectiva a política afirmativa de cotas é fundamental para tentar corrigir a distorção histórica. Para Eloi Ferreira de Araújo, que foi presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), a política das cotas nas universidades brasileiras é um dos caminhos mais importantes para que esses números não se repitam no próximo Censo.

Ainda de acordo com os dados da Pnad, 13% das(os) negras(os) com idade a partir de 15 anos ainda são analfabetas(os). Somando todas as raças, o total de pessoas que não sabem ler nem escrever no país chega a 10% da população. O maior percentual de analfabetismo entre a população negra está registrado no Nordeste, 21%. Depois vêm o Norte e o Sul, abaixo da média, cada um com 10%, seguidos da região Centro Oeste, 9% e do Sudeste, com 8%.


Conhecimento para uma educação antirracista

  • O cotidiano eivado pelo racismo – Ocupação Sueli Carneiro (2021)
  • EMICIDA: “O racismo está no nosso cotidiano”
  • JTCultura: Cida Bento fala sobre racismo estrutural e violência policial
  • Feminismos Plurais: Conversa de Djamila Ribeiro com Silvio Almeira sobre racismo estrutural

Veja também