Aprendizagem solidária e a educação além dos muros da escola
#CENPECexplica: Aprendizagem solidária Metodologia difundida em mais de 40 países integra conteúdos curriculares e formação científica à participação e à promoção da cidadania e da solidariedade
Por Redação – Portal CENPEC Educação
Em muitas escolas de ensino médio, os estudantes aprendem sobre o ciclo de crescimento das plantas a partir de aulas expositivas, textos didáticos e desenhos em livros e lousas, podendo alcançar ou não os objetivos de aprendizagem.
Em outras, como na escola de ensino médio Ronaldo Caminha Barbosa, em Cascavel (CE), os estudantes têm a oportunidades de aprender na prática, ao mesmo tempo que intervêm na realidade em que vivem e exercitam outras habilidades previstas naBase Nacional Comum Curricular (BNCC): empatia, cidadania, solidariedade, raciocínio científico e protagonismo. É o que propõe a metodologia da aprendizagem solidária.
Na escola Ronaldo Caminha Barbosa, os estudantes puderam aprender sobre o ciclo de crescimento das plantas, os tipos de solos e biomas, práticas de agricultura sustentável e diversos outros conhecimentos curriculares a partir da realização do projeto “AGRI+: combatendo a escassez de água e melhorando a agricultura com polímeros sustentáveis”, que ganhou o 2º lugar na 6ª edição do Prêmio Respostas para o Amanhã, iniciativa da Samsung com coordenação técnica do CENPEC Educação.
A ideia surgiu depois que os alunos perceberam que as hortas plantadas na região não se desenvolviam adequadamente em razão do solo salino e seco.
Com base em estudos coordenados pela professora Joseline Maria Sousa Nascimento, com apoio dos professores Celiane Silva de Carvalho e Juciano Teixeira de Freitas, um grupo de estudantes desenvolveu um composto à base de cascas de manga e abacate e de bagaço de cana-de-açúcar que conseguia reter água no solo. A solução não somente é de baixo custo, mas também biodegradável e com potencial para ser utilizada em outras regiões do País.
Educação para além dos muros
A aprendizagem solidária envolve a prática ativa dos quatro pilares da educação estabelecidos pela UNESCO no Relatório Delors e que, no Brasil, foram desdobrados nas 10 competências gerais da BNCC.
Quatro pilares da educação do século XXI, da UNESCO
• Aprender a aprender: as atividades educativas devem promover a motivação, permitir que o estudante construa novos sentidos e aplique conhecimentos teóricos em contextos reais, gerando novas aprendizagens.
• Aprender a fazer: as atividades educativas devem permitir o desenvolvimento de habilidades básicas para a vida, o trabalho e o exercício da cidadania ativa, tais como trabalhar em equipe, tomar decisões em situações inesperadas ou difíceis, assumir responsabilidades e se comunicar de forma eficaz.
• Aprender a ser: as atividades educativas devem promover a reflexão sistemática sobre valores e atitudes mobilizados, favorecendo o desenvolvimento de resiliência e de atitudes em prol do coletivo.
• Aprender a conviver: as atividades educativas devem promover uma formação para a participação cidadã e social de forma prática e direta, gerando oportunidades de interação positiva tanto dentro do grupo escolar quanto na inter-relação com pessoas, organizações e realidades sociais diversas.
No projeto desenvolvido na Ronaldo Caminha Barbosa e em outras experiências de aprendizagem solidária no Brasil e no mundo, crianças, adolescentes e jovens têm a oportunidade de colocar em ação os conhecimentos curriculares aprendidos na escola, para atender às necessidades percebidas na realidade do território em que se inserem.
A atuação em contextos reais permite-lhes aprender novos conhecimentos e desenvolver competências e habilidades fundamentais para uma educação que responda aos desafios do nosso tempo.
Quando trabalhamos conteúdos apenas com aulas expositivas, limitamos as possibilidades de construção de sentidos e significados para as aprendizagens dos estudantes.
Nem sempre é possível propor que o conhecimento escolar extrapole seus muros, mas as boas práticas nos mostram que a educação pode e deve ir além do cumprimento burocrático do currículo oficial.”
Existem várias nomenclaturas ao redor do mundo para definir essa concepção pedagógica focada numa aprendizagem que se faz com a cabeça, o coração e as mãos: aprendizagem solidária, aprendizagem e serviço solidário, voluntariado educativo, service learning, entre outras. Isso porque ela é praticada, pelo menos, desde início do século XX – e já chegou a mais de 40 países em toda parte do mundo.
Hoje, a pedagogia da aprendizagem-serviço solidário é desenvolvida em todos os níveis e modalidades educacionais, da educação infantil à universidade, em instituições de ensino público e particular, das mais diversas confissões religiosas e nos mais díspares contextos sociais e culturais do mundo.”
María Nieves Tapia
Aliás, também podem ser identificadas práticas de aprendizagem solidária na educação não formal, como em formações oferecidas por organizações da sociedade civil (OSCs) e movimentos sociais.
No início de 2018, foi lançada no Brasil a RBAS, com o objetivo de fortalecer essa perspectiva educativa no País. Desde então, a rede tem realizado formações, buscado mapear iniciativas e ações que tenham relação com a aprendizagem solidária e trocar experiências entre escolas, OSCs, fundações, institutos, movimentos sociais e outros atores que realizam projetos deeducação integrale outras perspectivas convergentes com a metodologia.
Estudar conteúdos de língua e literatura, ler e analisar um conto são aprendizagens. Doar livros é um ato solidário. Aplicar o que foi aprendido para difundir a leitura, construindo um espaço de leitura em um centro comunitário é aprendizagem-serviço solidário.”
• São destinadas a atender de forma limitada e eficaz as necessidades reais, sentidas junto com a comunidade e não apenas para ela;
• São ativamente protagonizadas pelos estudantes desde o planejamento até a avaliação;
• São intencionalmente planejadas de forma integrada com os conteúdos de aprendizagem (conteúdos curriculares, reflexão, desenvolvimento de habilidades cidadãs, trabalho e pesquisa).
As práticas de aprendizagem solidária, portanto, são caracterizadas por uma dupla intencionalidade, solidária e formativa, que se articulam simultaneamente. Além disso, as intenções, objetivos e atividades devem estar especificamente articulados e intencionalmente planejados.
O Guia traz
os quadrantes de aprendizagem solidária.
Originalmente desenvolvidos pela Universidade de Stanford e adaptado pelo CLAYSS,
eles nos permitem identificar como uma ação se posiciona em relação à intencionalidade
solidária e à intencionalidade formativa.
Com base nos dois eixos de intencionalidade, é possível identificar quatro quadrantes:
Quadrante 1: pesquisa escolar, estágios sem intervenção, trabalhos de campo e outras atividades de pesquisa e prática que envolve os estudantes com a realidade de sua comunidade, mas considerada como objeto de estudo.
Quadrante 2: iniciativas pontuais de solidariedade, doações e outras ações assistemáticas com intencionalidade assistencial, mas sem articulação com a aprendizagem formal ou intencional. Elas atendem a uma necessidade específica em um tempo limitado. A principal beneficiária é a comunidade, ainda que não haja necessariamente contato direto com ela.
Quadrante 3: voluntariado institucional sem relação curricular e outras atividades que têm por objetivo fortalecer ou promover a participação e o comprometimento das famílias nas propostas solidárias. Embora esse tipo de programas tenha um impacto na vida e no desenvolvimento pessoal de crianças, adolescentes e jovens e possa ser uma estratégia efetiva para a formação cidadã, seus aspectos formativos são paralelos à aprendizagem curricular.
Quadrante 4: experiências, práticas e programas que oferecem simultaneamente uma alta qualidade de serviço solidário ou intervenção social e um alto grau de integração com as aprendizagens curriculares. Os jovens são protagonistas, o público-alvo é coprotagonista, e ambos se beneficiam do projeto.
No Guia,
é possível encontrar orientações de como transformar uma atividade que se
enquadre em qualquer um dos quadrantes numa atividade efetiva de aprendizagem solidária.
De acordo com Kátia Mori, para transformar um projeto educacional em um projeto de aprendizagem solidária, a escola precisa abrir um canal de diálogo com a comunidade:
O aluno precisa conversar com a comunidade, fazer parcerias e pensar juntos o que é melhor para eles. Com isso, o aluno estuda muito mais profundamente aquele conteúdo que ele vai precisar para resolver aquela situação-problema.”
Kátia Gonçalves Mori, doutora em Educação e integrante da RBAS
Saiba mais
A RBAS também está à disposição para apoiar iniciativas, trocar experiências e acolher novos membros interessados em práticas educativas para o desenvolvimento integral dos sujeitos. Para informações, escreva para aprendizagemsolidariabr@gmail.com;
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