Carnaval é uma excelente oportunidade para aprofundar o interesse de crianças, adolescentes e jovens por diferentes manifestações culturais. Confira seis festas que acontecem no continente americano Conteúdo publicado originalmente na plataforma Educação&Participação
Por João Marinho
Sempre bastante aguardado no Brasil, o Carnaval é também rico em manifestações culturais – e pode ser uma excelente oportunidade de trabalhar aspectos como música, arte, moda, história, cultura de massa e diversidade étnico-cultural.
Nesse sentido, o Portal CENPEC Educação aproveita o mês de fevereiro e a proximidade do Carnaval para trazer informações sobre a origem da festa e como ela é celebrada em seis diferentes localidades do continente americano.
Deuses, festas, navios
A rigor, as raízes do Carnaval são múltiplas, e há dúvidas até mesmo sobre a origem da palavra.
Na Roma antiga, por exemplo, ocorria a Saturnália no mês de dezembro. Durante o festival – que ocorria em em honra a Saturno, divindade agrícola que reinou em uma era dourada, segundo a mitologia –, celebrava-se o fim do ano agrário e religioso e faziam-se votos para que o ano seguinte fosse benéfico.
Nesse período, as normas sociais eram relaxadas ou mesmo invertidas. As pessoas dançavam pelas ruas, participavam de banquetes em que mestres serviam escravos e havia certa liberdade de expressão – os escravos não podiam ser punidos pelo que diziam. O encerramento do festival era marcado por um sacrifício em honra a Saturno.
Nas Saturnálias, um antepassado do que hoje conhecemos como carro alegórico – o carrus navalis ou carrum navalis – passava pelas ruas, levando pessoas seminuas. Para alguns autores, é desse nome que deriva a palavra “carnaval”.
O carrus navalis (carro naval) tinha esse nome por se assemelhar a um navio, talvez influência de celebrações religiosas do Egito antigo, onde se realizavam procissões com barcos no Nilo.
Isso porque os próprios romanos assimilaram o culto à Deusa egípcia Ísis e, no mês de março, celebravam o Navigium Isidis, que marcava o início da temporada de primavera na navegação. A festa em honra a Ísis sobreviveu na Península Itálica pelo menos até o ano 416 e contava com um carrus navalis mais típico, que singrava as águas do Mediterrâneo.
A tese mais aceita para a origem da palavra “carnaval”, no entanto, é que ela se deve ao latim medieval carnelevāre ou carnileāria, que indicava a véspera da Quarta-Feira de Cinzas, quando se inicia o período da Quaresma cristã, em que não se pode comer carne. A expressão é derivada do latim clássico carnem levāre, que significa “abster-se de carne” .
Uma questão de calendário, ou como se calcula a Páscoa?
A relação do Carnaval com a Quaresma é íntima devido ao calendário da Páscoa. Em 325, o I Concílio de Niceia definiu a Páscoa cristã como móvel, para diferenciá-la da judaica.
De acordo com aquela decisão, a Páscoa passou a ser comemorada no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se sucede ao equinócio de primavera no hemisfério norte (equinócio de outono aqui, no hemisfério sul). Esse é o Domingo de Páscoa ou da Ressurreição, que marca o fim da Semana Santa, iniciada no Domingo de Ramos.
Por sua vez, a Semana Santa, de seis dias, soma-se a um período de preparação, jejum e oração de 40 dias. É a Quaresma, que faz referência aos 40 dias em que Jesus Cristo teria jejuado no deserto, de acordo com a Bíblia.
No Ocidente, a Quaresma tem sido observada pelo menos desde o fim do século IV – e, desde 1091, por decisão do papa Urbano VI, é oficialmente iniciada na Quarta-Feira de Cinzas, quando se realiza a missa das cinzas, ritual em que são queimados os ramos abençoados no Domingo de Ramos do ano anterior, cujas cinzas são misturadas à água benta.
Dessa forma, o Carnaval acabou por se fixar como o “último momento” em que os fiéis, sobretudo católicos, podem “cometer excessos” no calendário litúrgico cristão antes da preparação, comedimento e expiação dos pecados que devem observar durante a Quaresma e até à chegada da Páscoa.
No entanto, o tom festivo, debochado e até de licenciosidade que conhecemos hoje é realmente uma herança pagã. O já citado festival romano da Saturnália, embora ocorresse em um momento diferente do ano, é reconhecido como uma das raízes do Carnaval, mas comemorações similares são encontradas ainda na própria Roma, com a Lupercália, em honra ao Deus Lupércio, depois identificado com o grego Pã; na Grécia, com as Dionisíacas, festas em homenagem a Dioniso (Baco, para os romanos); e no Egito, nas festividades para Osíris, para citar algumas.
A igreja católica inicialmente tentou combater essas tradições, mas, por fim, no ano 590, o Carnaval acabou incorporado ao calendário – e, ao longo do tempo, assimilou brincadeiras de rua, sátiras aos poderosos, críticas sociais, bailes de máscaras, fantasias e carros alegóricos. Finalmente, das características subversivas iniciais, acabou organizado em grandes eventos ao redor do mundo.
Introduzido pelos colonizadores portugueses por meio do entrudo – jogos e brincadeiras de rua relatados desde 1553 em Pernambuco, cujo nome deriva dos bonecos gigantes de madeira e tecido das brincadeiras carnavalescas portuguesas do fim da Idade Média, que também recebiam o nome de entrudos –, mas também influenciado pela cultura francesa e diferentes tradições locais, o Carnaval brasileiro talvez seja o mais conhecido, em suas diferentes manifestações. No entanto, outras versões, como as tradicionais máscaras de Veneza, na Itália, ou o Mardi Gras de Nova Orleans, nos Estados Unidos, são igualmente famosas.
Nas Américas, no entanto, há outros Carnavais sobre os quais não se fala muito – e que podem ser apresentados aos educandos, visando a aprofundar o conhecimento da diversidade cultural no continente. Vejamos alguns.
Canadá: frio e folia
Alternando períodos de observância e de ausência, o Carnaval da cidade de Québec, capital da província de mesmo nome no Canadá, foi declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e tem sido celebrado desde pelo menos o fim do século XIX.
As comemorações se tornaram ininterruptas apenas em 1955, o que não impediu que o Québec Winter Carnival se consagrasse como um dos maiores festivais de inverno do mundo.
A principal atração são as paradas que contam com o mascote Bonhomme – um boneco de neve com gorro vermelho – e com luzes e esculturas de gelo. Há também festas públicas e privadas, espetáculos, queima de fogos e bailes que desafiam as pessoas a saírem de casa em uma temperatura de até -10º C.
O verão brasileiro contrasta com o inverno canadense. Por isso, é interessante observar a festividade no Canadá, que ocorre em meio ao frio e à neve, tradicionalmente entre os últimos dias de janeiro e os primeiros dias de fevereiro, com duração média de 15 dias.
Veja como é festejar o Carnaval no frio intenso do Canadá.
Trinidad e Tobago: tradição negra
Localizado a apenas 11 quilômetros da costa venezuelana, o país insular celebra o Carnaval, que remonta ao século XVI, no período tradicional, ou seja, imediatamente anterior à Quarta-Feira de Cinzas. É uma das mais importantes festividades de sua cultura.
O último país a dominar Trinidad e Tobago antes da independência foi o Reino Unido, mas os franceses mantiveram o controle das ilhas até o século XVIII e foram os responsáveis por introduzir o Carnaval no país, por meio de bailes de máscaras frequentados apenas pelos proprietários das grandes plantações.
Impedidos de participar dos bailes, os escravos negros criaram, então, um Carnaval “paralelo”, que, além de assimilar elementos da festa europeia, caracterizou-se pelo colorido, sátiras e pelo domínio de ritmos musicais afro-caribenhos nascidos no país, com destaque para o calipso e, atualmente, a soca. Há competições musicais, sendo que o título de Rei do Calipso (Calypso Monarch) é bastante prestigiado.
Assista ao vídeo sobre o Carnaval de Trinidad e Tobago ao som de uma soca do produtor e cantor Kernal Roberts.
Equador: frutas e brincadeiras de rua
A tradição equatoriana da cidade de Guaranda se remete ao Carnaval de rua, com brincadeiras que lembram os antigos carnavais brasileiros e seus lança-perfumes.
O interessante é o uso de balões de água, farinha e até mesmo ovos e lama, que são lançados contra amigos e familiares, mas também em direção a desconhecidos na rua. Uma espuma colorida muito parecida com creme de barbear, a carioca, é também bastante popular.
Já na cidade de Ambato, a festividade recebe o nome de Festa das Flores e Frutas. Mais “comportado”, esse Carnaval existe desde o começo dos anos 1950 como uma celebração pelo renascimento da cidade, que sofreu um grave terremoto em 1949 no qual morreram mais de 5 mil pessoas. É caracterizado por festas de rua, escolha da rainha da cidade e carros alegóricos orgulhosamente decorados com flores e frutas. Outras cidades equatorianas também comemoram o Carnaval, e há música, dança, fantasias e roupas típicas.
Assista ao vídeo mostrando as “guerras” com balões de água e outros produtos no Carnaval de Guaranda, no Equador.
México: adeus, mau humor
Os colonizadores espanhóis foram os responsáveis por levar o Carnaval ao México, onde é celebrado em mais de 200 comunidades por todo o país. Os dois maiores e principais acontecem nas cidades de Veracruz e Mazatlán.
Embora mais recente historicamente, o de Veracruz chama a atenção pelo tamanho e pela duração, que pode chegar a nove dias, sempre com desfiles, concertos públicos e eventos especiais em restaurantes, bares, casas noturnas e a céu aberto.
O destaque, porém, vai para a Queima do Mau Humor. É quando os mexicanos de Veracruz literalmente queimam, na principal praça da cidade, personagens, políticos, ideias, acontecimentos e quaisquer coisas indesejáveis – até vírus e doenças. O ritual conta ainda com a leitura de um texto sobre quem está sendo “queimado”.
Há, então, a escolha da rainha e do rei do Carnaval, as festas e, no final do período, o enterro de Juan Carnaval: os foliões vestem-se de preto como luto pelo fim dos folguedos. Há, inclusive, a leitura de um testamento.
Veja como é a Queima do Mau Humor na abertura do Carnaval de Veracruz, no México.
Colômbia e a batalha das flores
O Carnaval da cidade de Barranquilla, na Colômbia, foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2003 e é considerado a segunda maior festa do gênero no mundo, atrás do Rio de Janeiro.
Com forte apelo folclórico, é uma celebração que data, pelo menos, desde o século XIX: as atividades da cidade são paralisadas, e as ruas são tomadas por foliões.
O ponto mais esperado e que marca o início da festa é a Batalha das Flores, um desfile de seis horas, liderado pela recém-coroada rainha do Carnaval, marcado por muita música, fantasia, carros alegóricos e cor, que celebra as criações mais originais e extravagantes.
Na sequência, há também a Grande Parada. Ritmos típicos, como o mapalé e a cumbia, embalam a comemoração, que conta ainda com uma série de atividades e festas ao ar livre.
Assista a uma parte da Batalha das Flores em Barranquilla, Colômbia.
Bolívia: sincretismo e religiosidade
Também reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, o Carnaval da cidade de Oruro, na Bolívia, conta com mais de 200 anos de existência e remete-se a antigas tradições indígenas, depois incorporadas à tradição cristã ligada à Virgem da Candelária.
O Carnaval de Oruro tem origem na Festa de Ito, comemorada pelo antigo povo uru, que celebrava seus Deuses por meio de danças que invocavam as divindades andinas de Pacha Mama e Tio Supay.
Proibidos pelos espanhóis de honrar suas divindades, os urus as sincretizaram com a Virgem e o Diabo, reforçando a principal característica do Carnaval de Oruro hoje em dia: as Diabladas, danças em que os foliões usam máscaras e trajes demoníacos, cuja origem pode ser também o período pré-hispânico, quando roupas similares apareciam na dança de Lhama Lhama, em honra do Deus Tiw, dos urus.
Assista a uma Diablada de Oruro, na Bolívia.
Que clássico de Carnaval diz mais sobre você?
“Ó morena moreninha / Flor do jardim tropical / És de direito e de fato / A rainha do meu carnaval” (Ary Barroso, Flor tropical, 1950).
“Carnaval, desengano / Deixei a dor em casa me esperando” (Chico Buarque, Sonho de um Carnaval, 1966).
“Deixa o frevo rolar / Eu só quero saber / Se você vai ficar / Ai meu bem sem você não há carnaval / Vamos cair no passo e a vida gozar” (Hino dos Batutas de São José, 1952).
Euforia, paixões, arrependimentos, dores de cotovelo… O Carnaval desperta sentimentos intensos e contraditórios. É também tema de inúmeras canções que marcaram época e renascem todos os anos no Brasil, no ritmo da batucada.
Quer saber que canção carnavalesca revela seu jeito de ser? Participe do teste a seguir.
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Essa folia tem história(s): oficina pedagógica que pesquisa as memórias que as famílias dos estudantes têm sobre o Carnaval e propõe a organização de um baile carnavalesco.
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