#CenpecTiradeLetra: alfabetização na pandemia, como avançar?
Em um cenário de perdas de aprendizagem, será preciso planejamento, esforço e trocas para não deixar nenhum(a) estudante para trás. Saiba como o Cenpec se propõe a ajudar e como participar
Por Stephanie Kim Abe
Conforme novas pesquisas vão sendo feitas, mais concretude é dada aos prejuízos que a pandemia trouxe à educação de crianças e adolescentes do Brasil e do mundo. Os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua – IBGE), por exemplo, alertam para a situação de crianças de 6 e 7 anos em alfabetização.
Segundo a pesquisa, de 2019 a 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças nessa faixa etária que não sabiam ler e escrever, de acordo com os seus responsáveis – um total de 2,4 milhões de crianças entre 6 e 7 anos nessa situação em 2021.
Os dados também mostram como a pandemia afetou de forma desigual crianças de diferentes recortes sociais. A diferença no percentual de crianças brancas nessa faixa que não sabiam ler e escrever aumentou de 8,5% em 2019 para 12,3%. Entre as crianças mais pobres, o percentual aumentou de 33,6% para 51%, de 2019 a 2021; enquanto, entre as mais ricas, o aumento foi de 11,4% para 16,6%.
Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e coordenadora de projetos do Cenpec, comenta como esses dados retratam uma realidade brasileira que já existia, mas que, com a pandemia, se agrava e nos faz questionar o projeto de país que estamos construindo:
As crianças pardas e negras sempre estiveram para trás. Mas a pandemia aprofundou essa desigualdade que já existia. As crianças ricas, embora também tenham sofrido com a perda de aprendizagem, estão em escolas privadas que vão se debruçar sobre a questão e mitigar essas perdas. Vale lembrar que 80,5% dos estudantes da educação básica estão na rede pública. Ou seja, é uma questão de equidade. Que país queremos se não conseguimos alfabetizar metade das nossas crianças logo no começo?”
Maria Alice Junqueira
Voltar às aulas e esperançar
Com a volta às aulas neste ano letivo, as(os) educadoras(es) começam a perceber ao vivo o que essas pesquisas têm mostrado.
Se as crianças já começam com uma desvantagem de aprendizagem na fase inicial da sua vida escolar, esse gap tende a se agravar conforme avançam de ano. Porque se as crianças não aprendem a ler e a escrever direito, não aprendem outras disciplinas. Elas vão ficando cada vez mais defasadas, e isso gera uma bola de neve.”
Maria Alice Junqueira
Apesar das imensas perdas, alguns(as) especialistas acreditam que é possível sim recuperar essas aprendizagens e tomar medidas para que as crianças voltem a avançar.
A professora Dra. Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo, da Universidade Federal de São João del-Rei (MG), é coordenadora da pesquisa Alfabetização em Rede, que conta com mais de 100 pesquisadores(as) de 28 universidades de todos os estados do país debruçados(as) em compreender a situação da alfabetização das crianças no Brasil durante a pandemia de Covid-19. Ela chama atenção para alguns pontos que tem visto com a pesquisa, como o desenvolvimento das crianças em outras habilidades:
Muitas(os) professoras(es) relataram como alguns dos ganhos a intimidade que tanto elas(es) como as crianças passaram a ter com as novas tecnologias, que antes não usavam. Como grande parte do ensino remoto foi feito via WhatsApp, as crianças desenvolveram bem a oralidade, porque tinham que gravar vídeos ou mandar áudios para as(os) professoras(es). Elas tinham que recontar histórias que leram, ou que as(os) professoras(es) contaram para elas.”
Maria do Socorro A. N. Macedo
É para poder levantar de fato quais estudantes aprenderam e o que aprenderam durante esse período que uma avaliação diagnóstica é tão importante nesse começo de ano letivo.
No caso da alfabetização, é importante realizar um diagnóstico para saber o quanto as(os) estudantes aprenderam a ler ou não, em que parte do processo elas(es) estão (se ainda têm familiaridade com o sistema de escrita, se sabem só decodificar as sílabas, se sabem escrever seus nomes etc.)
Maria do Socorro A. N. Macedo
Para a coordenadora, uma das maiores preocupações é em relação à pressão quanto às avaliações externas de larga escala, que podem atrapalhar o planejamento daqueles(as) professores(as) que têm se pautado no resultado da avaliação diagnóstica que eles(as) têm realizado com seus próprios instrumentos para pensar o acompanhamento ideal para cada criança.
Para Maria Alice, esse instrumental de avaliação precisa ter base em critérios científicos, que permitam comparações:
Quando eu tenho um bom instrumento de avaliação e aplico a mesma prova para todos os primeiros anos de todas as escolas, garanto um dado de rede, que é fundamental para o planejamento da Secretaria. É importante ter um diagnóstico padronizado que gere resultados para que as(os) docentes consigam mapear quais habilidades prioritárias foram ou não consolidadas, para se planejar pedagogicamente.”
Maria Alice Junqueira
Campanha #CenpecTiradeLetra
Apesar desse cenário difícil, é possível avançar. Para isso, é preciso agir rápido, juntar esforços e compartilhar experiências para ajudar as crianças a avançarem na alfabetização. É pensando em como contribuir com docentes, gestoras(es) e escolas na superação desse problema que o Cenpec prepara a campanha #CenpecTiradeLetra.
Live #CenpecTiradeLetra O lançamento da campanha aconteceu na terça-feira (dia 22/2), às 18h, em uma live com Maria Alice Junqueira noperfil do Cenpec no Instagram. As próximas serão nos dias: 3/3 (quinta-feira), 8 e 15/3 (terças-feiras), sempre às 18h. Marque na agenda e participe!
Como explica Maria Alice:
O Cenpec trabalha há mais de 30 anos com projetos de sucesso, pesquisas e assessorias nas áreas de letramento e alfabetização, como o Alfaletrar e o Letra Viva. Com essa campanha, a nossa intenção é fazer chegar todo esse conhecimento acumulado que temos onde mais se precisa: no chão da escola. Acreditamos que nossa experiência e conhecimento serão muito úteis para as(os) professoras(es) encontrarem subsídios para os seus planejamentos.”
A campanha #CenpecTiradeLetra tem como base materiais já produzidos e disponibilizados pelo Cenpec, como as vídeodicas da série Tirando de Letra. Divulgadas no Portal Cenpec e no canal do YouTube do Cenpec, as 16 produções, de um minuto de duração cada, trazem dicas simples e diretas a educadoras(es) e familiares sobre diferentes aspectos da alfabetização e do letramento.
A série nasceu da experiência da pandemia vivida em dois projetos do Cenpec: o Letra Viva Alfabetiza e o Letra Móvel. O primeiro tem como objetivo qualificar processos e práticas de alfabetização e letramento por meio da formação de uma rede local, envolvendo técnicos(as) da secretaria de Educação, um(a) coordenador(a) pedagógico(a) e um(a) professor(a) de cada escola da rede. Entre 2019 e 2021, o projeto desenvolveu sua metodologia em cinco municípios do Vale do Ribeira (SP).
O segundo foi uma iniciativa da Comunidade Cenpec em parceria com a Fundação Tide Setubal para apoiar crianças do 1º ano do ensino fundamental de uma escola da periferia da capital paulistana por meio de chamadas de vídeo de WhatsApp durante a pandemia.
Não estamos falando de ‘tirar de letra’ no sentido de algo que é fácil de se fazer, que requer poucas ações. Muito pelo contrário. Será preciso muito trabalho, empenho, profissionalismo e metodologias para recuperar a aprendizagem desses(as) estudantes. Mas, em se organizando e trabalhando com profundidade, podemos ‘tirar de letra’ esse processo, no sentido de que é possível sim fazer e, então, avançar.”
Maria Alice Junqueira
As ações da campanha também devem estimular a participação de educadoras(es), gestoras(es), coordenadoras(es) pedagógicas(os), familiares e demais membros da comunidade escolar que tenham dúvidas e incertezas ou queiram compartilhar experiências sobre como alfabetizar crianças ou como ajudar nesse processo.
Para Maria Alice, ainda que a defasagem de aprendizagem seja uma questão que toda(o) docente sempre teve que lidar no dia a dia, a pandemia traz um contexto inédito que requer esforços conjuntos para que as soluções pensadas aos problemas atuais sejam mais efetivas:
Nós nunca tivemos que lidar com tanta dificuldade ao mesmo tempo. Docentes de todos os anos escolares terão que lidar com estudantes não alfabetizadas(os), agora com um percentual maior e, talvez, com uma heterogeneidade maior entre elas(es). Por isso, é fundamental que estejam trocando ideias e construindo caminhos juntas(os).”
Maria Alice Junqueira
Escuta essa: alfabetização no podcast O Assunto
Os dados da Pnad Contínua sobre alfabetização foram tema do podcast O Assunto, do G1, no dia 09 de fevereiro. Como convidada, a pedagoga Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho do Cenpec, comentou os dados e explicou por que o ensino remoto amplia as desigualdades. “Antes da pandemia, já era um desafio garantir que todos aprendessem. Agora, piorou”, diz ela.
O episódio também conta com a participação da educadora Sônia Madi, especialista em Língua Portuguesa e Didática, idealizadora da Olimpíada de Língua Portuguesa e voluntária no projeto Letra Móvel, desenvolvido pela Comunidade Cenpec. Ouça:
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