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Dois dias para refletir sobre educação e equidade
Seminário discutiu democracia, educação e equidade, e lançou índice que aponta desigualdades no aprendizado
- Caia Amoroso
Por Suzana Camargo
Gestores públicos, pesquisadores do Brasil e do exterior e a sociedade civil discutiram, nos dias 25 e 26 de junho, as desigualdades na educação, a justiça social e o sistema democrático brasileiro durante o Seminário Democracia, educação e equidade: uma agenda para todos.
Promovido pela Fundação Tide Setubal, pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pela representação da UNESCO no Brasil, com apoio dos veículos de imprensa Valor e Nexo Jornal, o seminário foi realizado nas dependências do Insper, em São Paulo.
Um dos destaques do evento foi o lançamento da ferramenta para auxílio do reconhecimento das desigualdades educacionais nas várias regiões do país: o Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IDeA), que leva em conta a aprendizagem geral, aliada a recortes socioeconômicos, de raça e de gênero.
O indicador foi idealizado pelo professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), José Francisco Soares, e revelou dados preocupantes de desigualdades na educação.
O fortalecimento das questões que envolvem as desigualdades educacionais foi o principal objetivo do seminário, segundo aponta Marlova Noleto, da UNESCO.
Noleto comenta como surgiu a ideia de realizar o evento: “Em primeiro lugar, porque são pilares da democracia a justiça social e a equidade. Nós, como agência da ONU, líder de educação, somos responsáveis pela implementação, junto aos países-membros, do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4), que trata de educação de qualidade, equitativa e inclusiva”.
O que precisamos fazer é promover a inclusão com igualdade de acesso e oportunidades, para que possamos atingir uma educação de qualidade e conseguir promover, de fato, justiça social e oportunidades plenas para todos.”
Marlova Noleto
O ODS 4 é um dos 17 objetivos e metas globais declarados pela ONU, que visam estimular ações nos 193 países-membros da organização, para os próximos 15 anos e que formam a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. São cinco princípios iniciados com a letra “P” como foco: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parceria.
Fazendo referência ao Insper, Maria Alice Setubal, presidente da Fundação Tide Setubal e membro do Conselho de Administração do CENPEC Educação, destacou a importância do evento ter sido realizado em uma universidade “em um momento no qual muitas vozes estão questionando o conhecimento e a pesquisa científica”. A socióloga ainda ressaltou o fato de o seminário ter tratado de questões nacionais, mas ampliando a discussão para um nível internacional.
O diálogo entre profissionais de dentro e de fora do Brasil e instituições que têm interesse nos temas do seminário proporciona uma discussão sobre qual o papel dos diferentes agentes políticos, sobretudo, das organizações da sociedade civil, no combate às desigualdades e no fortalecimento da democracia no país.”
Maria Alice Setubal
Os palestrantes internacionais foram: Juan Cruz Perusia, do Instituto de Estatísticas da UNESCO-UIL; Atílio Pizarro, do Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação – OREALC/UNESCO; e Marc Fleurbaey, coordenador do Painel Internacional sobre Progresso Social – International Panel on Social Progress (IPSP), economista e professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.
Foram dois dias de intensas discussões sobre os temas propostos – democracia, educação e equidade –, em que profissionais e especialistas apontaram as desigualdades nas condições de acesso à educação e nos resultados do desempenho educacional de crianças e jovens brasileiros, destacando que o problema é ainda maior em determinados grupos étnico-raciais e entre a população mais pobre.
O primeiro dia do seminário teve como principal foco o tema das desigualdades educacionais e foi fechado para convidados. Estiveram presentes técnicos e dirigentes de instituições do campo educacional, integrantes de organizações da sociedade civil (OSCs), pesquisadores e gestores públicos, como secretários de Educação de vários estados. O ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, esteve entre os presentes.
A mesa inicial de debates “Definição e medidas de qualidade, equidade e desigualdade em educação” foi composta por José Francisco Soares, da UFMG, e Juan Cruz Perusia, da UNESCO.
Em comum, os dois palestrantes afirmaram que a educação é reconhecida como direito humano básico e que não deveria ser afetada por circunstâncias sociais sobre as quais os indivíduos não têm gestão, como questões de gênero, lugar de nascimento e grupos étnicos aos quais pertencem.
Os palestrantes também comentaram que os enfoques equitativos precisam ter como objetivo o enfrentamento desses obstáculos. Para tanto, o acesso à educação não pode ser condicionado às características do indivíduo e do contexto em que ele vive.
Soares defendeu o desenvolvimento de medidas e estratégias para que todos tenham garantido o direito de aprender. Ele afirmou que “a aprendizagem é a outra face do direito”, por isso é importante olhar para o resultado dessa aprendizagem, o que é possível com a adoção de políticas públicas.
A mesa “As desigualdades educacionais como problema: formulação científico-social”, formada por Naércio Menezes Filho, da USP e Insper; Nestor Lopez, do IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas) Argentina; e Ana Maria F. Almeida, da Unicamp, trouxe questões voltadas para o interior da escola.
Aluno real e aluno ideal foram conceitos introduzidos por Nestor Lopez, que sublinhou ser fundamental que os professores aprendam a lidar com o aluno real e com todas as disparidades de ensino entre alunos brancos e negros, meninos e meninas, crianças mais ou menos pobres.
Ana Maria Almeida comentou não ser possível pensar em equidade e garantia de direito de aprendizagem se não forem levadas em conta as condições adequadas de trabalho para os professores, como formação, salário, hora-atividade, entre outros aspectos. Almeida ressaltou que o professor é um ator importante no processo, mas sozinho não faz “mágica”: ele precisa de estruturação.
Dados preliminares identificados em um levantamento sobre experiências educacionais de várias localidades do país, com aplicação de métodos de aprendizado voltados a redução das desigualdades na educação, foram apresentados por Vanda Ribeiro, da Unicid, e Cláudia Vóvio, da Unifesp. Ao lado de Carolina da Costa, do Insper, e Priscila Fonseca da Cruz, do Todos pela Educação, elas compuseram a mesa “Políticas Públicas e experimentações pedagógicas voltadas à redução das desigualdades educacionais”.
O painel “Pobreza, educação e desigualdades: panorama da pesquisa em línguas inglesa, francesa e portuguesa” foi apresentado pelas docentes da UFMG Maria Alice Nogueira, Tânia Rezende e Viviane Ramos, que analisaram dois estudos sobre pobreza e educação. “Um deles faz um levantamento teórico da questão e diagnostica a relação entre pobreza e educação observando, por exemplo, de onde ela vem e como evolui”, explicou Maria Alice.
Esse estudo evidenciou que as pesquisas têm mostrado que a desigualdade entre alunos ricos e pobres, em vez de diminuir como gostaríamos, está aumentando.”
Maria Alice Nogueira
Tânia Rezende observou que os estudos continuam apontando que há forte influência da origem social dos alunos sobre o desempenho escolar. “A escola não consegue sozinha resolver o problema da desigualdade porque se trata de uma questão social. Isso não significa, porém, que o sistema de ensino não possa fazer nada. A política educacional incide sobre os efeitos da desigualdade reforçando ou minimizando esses efeitos”, comentou.
Sobre o segundo estudo apresentado durante a mesa, Maria Alice relatou que se trata de ações de combate à pobreza, suas frentes de atuação e de que forma combatem a desvantagem dos alunos pobres na aprendizagem – e que se deparou com uma multidimensionalidade de frentes.
“Existem ações que vão desde pensar o que fazer com a criança no período fora da escola, até tentar conectar a escola com seu entorno, buscando parcerias com as famílias e instituições sociais. Outras ações promovem a educação infantil, no sentido de preparar as crianças para um sucesso no universo escolar, prevenindo contra possíveis fracassos”, citou a docente.
Maria Alice destaca, ainda, a criação e formação de novos profissionais para a escola. “A figura do agente de ligação família-escola é muito citada. Trata-se de uma função criada recentemente de um profissional que está nas escolas públicas justamente para fazer essa ponte entre a unidade escolar e as famílias dos estudantes”, conta.
O último painel do primeiro dia do seminário, “Qualidade e desigualdade da aprendizagem na América Latina: resultados do TERCE – Terceiro Estudo Regional Comparativo e Explicativo, produzido pela Unesco”, foi apresentado por Atílio Pizarro.
O TERCE objetiva: avaliar o nível de aprendizado dos alunos da educação básica da América Latina e do Caribe; obter informações sobre o contexto dessa aprendizagem para identificar os fatores que influenciam nela; e fornecer informações válidas e confiáveis para contribuir com tomadas de decisão em políticas educacionais que ajudem a melhorar a qualidade da educação.
O estudo apresentado por Pizarro teve como foco o desempenho de alunos dos países pesquisados em matemática, leitura e ciências naturais. No caso do Brasil, o estudo afirmou que mais de 60% dos alunos do quarto ano do Ensino Fundamental têm desempenho entre muito ruim e regular em leitura e matemática.
No segundo dia do seminário, o debate se debruçou sobre justiça social e democracia. As palestras foram abertas ao público e transmitidas por streaming. O Portal CENPEC Educação retransmitiu todo o evento.
A mesa “A relação entre Estado e sociedade civil para a promoção de justiça social e fortalecimento da democracia” teve como convidados: Maria Alice Setubal, presidente da Fundação Tide Setúbal; Celina Maria de Souza, da UFBA; e Ricardo Paes de Barros, do Insper. Maria Alice destacou dois pontos que estiveram presentes em todas discussões ao longo do dia.
Falar de democracia no Brasil e equidade nos remete a pensar, por um lado, na Constituição de 1988, a redemocratização e pensar nas políticas públicas que, a partir dessa data, buscaram enfrentar as desigualdades – e, por outro lado, uma sociedade civil que já existia antes desse período e que se fortalece muito na criação de vários institutos, fundações, organizações de base, coletivos, movimentos sociais com uma pluralidade e vibração muito importantes.”
Maria Alice Setubal
O Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IDeA), lançado durante o seminário, foi desenvolvido por pesquisadores da Fundação Tide Setubal e idealizado pelo professor José Francisco Soares.
O IDeA aponta o nível de aprendizagem de estudantes em cada município brasileiro e ao mesmo tempo identifica a desigualdade de aprendizagem entre grupos sociais definidos por nível socioeconômico, raça, ou gênero.
O indicador apresenta uma perspectiva diferente do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que avalia o sistema educacional brasileiro de forma global, com foco no nível de aprendizado.
“Basicamente, com a construção do indicador, possibilitamos trazer para o debate algo que estava faltando, as desigualdades. Sabemos que elas são invisíveis na escola e muitas vezes uma criança que tem desempenho ruim é a representante de todo um grupo que não está aprendendo como deveria aprender. A plataforma chama nossa atenção para isso e observa os grupos, para além dos indivíduos”, explica Soares.
Anna Helena Altenfelder (foto), presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação, considera o IDeA um indicador fundamental.
“Ele aponta que, num município com Ideb alto, por exemplo, como foi dito pelo José Francisco, pode ocorrer de meninos negros aprenderem menos que meninos brancos, por uma série de questões sociais e de raça, fato que não se pode permitir e precisa ser combatido. Podemos admitir diferenças, desde que elas não tenham marcas de grupos raciais, gênero ou nível socioeconômico”, afirma.
Para Anna Helena, a escola precisa se aprofundar no enfrentamento desses problemas, “pois o ambiente escolar reproduz intensifica e gera desigualdades”.
Sobre o IDeA
o IDeA se concentra na aprendizagem dos estudantes que concluíram a primeira e a segunda etapas do Ensino Fundamental (5º e 9º anos) nos municípios brasileiros.
Ele evidencia situações de baixo nível de aprendizagem e de desigualdades para que essas duas dimensões do direito à educação de qualidade sejam assumidas como problemas sociais e se tornem objeto de ações transformadoras pelos formuladores de políticas, gestores públicos, a comunidade da educação e a sociedade como um todo.
A concepção se baseou nos dados públicos das edições da Prova Brasil, de 2007 a 2015, que mede desempenhos em língua portuguesa e matemática, para estabelecer referências de aprendizado, comparando-se o desempenho dos estudantes brasileiros com aqueles dos países da OCDE.
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