#CENPECexplica: Alfabetização em foco Lançado no dia 05/12, o foco do programa, parte da Política Nacional de Alfabetização, é incentivar práticas de leitura, escrita e oralidade em família
Na última quinta-feira (5.12), o Ministério da Educação (MEC) lançou o programa Conta pra Mim, como parte da Política Nacional de Alfabetização (PNA). O foco é incentivar práticas de leitura, escrita e oralidade entre pais e filhos, o que o programa denomina de literacia familiar.
Para orientar como as famílias podem introduzir essas práticas em seu cotidiano, o MEC divulgou uma série com cinco vídeos, além de um guia e a apresentação do programa, disponíveis na plataforma on-line da PNA. O programa prevê ainda a distribuição de livros sobre “assuntos da família brasileira”, além de guias e tutoriais para pais e a instalação de espaços de leitura em espaços público.
Durante a cerimônia de lançamento do programa, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, destacou a importância da literacia familiar na aprendizagem das crianças. “O programa é revolucionário, pela primeira vez existe uma iniciativa de valorização da leitura em família”, afirma.
Recursos, materiais e treinamento de tutores
“Os dados mostram que o quadro de alfabetização não é bom. Nas duas últimas provas da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) tivemos mais de 50% dos alunos com desempenho muito abaixo do esperado. Isso significa que esses alunos não são leitores proficientes. Esse programa é a nossa resposta para mudar isso”, declara o secretário de alfabetização do MEC, Carlos Nadalim. Segundo o secretário, a proposta do programa é que as crianças levem para casa as práticas de contação de histórias, leitura, diálogo familiar e motivação da oralidade entre pessoas da mesma família.
Além do conteúdo virtual, o ministério anuncia a criação de 5 mil espaços em creches, pré-escolas, museus e bibliotecas, que deverão ser criados até o final de 2020. Denominados “Cantinhos Conta pra mim”, esses espaços receberam famílias de baixa renda com crianças de 3 a 5 anos e que recebam o Bolsa Família. Segundo o MEC, a ideia é oferecer a cada família três oficinas, com duração de uma hora cada, em que aprenderão a “praticar as técnicas de literacia”.
Para atuar como “tutores de leitura” nesses locais, o programa prevê o treinamento de professores da rede pública estadual e municipal. Essa capacitação será realizada pelo MEC a partir de janeiro de 2020. Os tutores deverão receber bolsas de incentivo de R$ 300 a R$ 400. O treinamento deve acontecer por meio de um curso semipresencial, constituído por aulas presenciais ministradas por técnicos da secretaria de alfabetização, assim como por meio da plataforma de ensino à distância do MEC. O governo estima a participação de 10 mil bolsistas. A adesão de municípios e estados ao programa deve acontecer no primeiro semestre do ano que vem.
Para a implementação dessas ações em todo o país, com sua vasta extensão territorial e diversidade cultural, o governo destinará R$ 45 milhões. O recurso também será utilizado para a elaboração de “kits de literacia”, composto por livros infantis, caderno de desenho, giz de cera e o guia de orientações.
Weintraub, ao comentar sobre o teor dos livros a serem oferecidos no kit, antecipa:
Serão historinhas bonitinhas do Brasil, do folclore do Brasil. A preocupação de trazer Maurício de Sousa [que ilustrará os livros pautado em conteúdo do próprio MEC] foi para dar o ar de brasilidade, resgatar a história, a cultura e os valores.”
Abraham Weintraub
Maria Alice Junqueira, coordenadora do Letra Viva Alfabetiza, programa do CENPEC Educação voltado à formação continuada de professores alfabetizadores, reflete sobre a importância de ofertar às crianças obras de literatura infantil diversas e de qualidade:
Para formar leitores – ainda mais pequenos leitores – é importante possibilitar o contato com livros de gêneros diferentes e com uma diversidade de autores e ilustradores consagrados que despertem a sensibilidade das crianças para o que é belo, interessante e instigante, de forma a desenvolver o gosto literário.”
Maria Alice Junqueira
Guia de literacia familiar
Esta publicação, disponibilizada para download na plataforma do programa, contém “orientações e dicas simples e diretas” sobre como colocar em prática estratégias de literacia familiar. Para Nadalim, essas técnicas são facilitadoras da alfabetização.
“[As práticas] são importantes para que as crianças depois sejam alfabetizadas corretamente no primeiro ano do ensino fundamental. Os pais vão encorajar seus filhos a tomar gosto pela leitura. Eles serão exemplo de pessoas que cultivam hábitos de leitura. Serão leitores para os filhos”, afirma.
Entre as orientações contidas no guia estão:
Interpretação verbal: aumentar a quantidade e a qualidade dos diálogos com as crianças;
Leitura dialogada: interagir com a criança durante a leitura em voz alta, fazendo, por exemplo, perguntas sobre a história em si;
Narração de histórias: interagir com as crianças durante a contação de histórias;
Contatos com a escrita: familiarizar as crianças com a escrita;
Motivação: aumentar a motivação das crianças em relação à leitura e à escrita.
Embasamento científico O Ministério da Educação cita como referência desse programa o gráfico de Heckman, trabalho do economista estadunidense vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2000, James Heckman. Segundo esse estudo, quanto mais cedo for feito o investimento em educação, maior o retorno social. Assim, o investimento na educação da primeira infância seria a estratégia mais adequada para reduzir os custos sociais com educação, segundo Heckman.
Os estudos internacionais em que o programa do MEC se baseia afirmam:
… crianças estimuladas por meio da literacia familiar tendem a apresentar melhores resultados em testes internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). […] As práticas de linguagem, leitura e escrita entre pais e filhos são comuns em países mais desenvolvidos, a exemplo do Canadá e dos Estados Unidos”.
MEC, 2019
Para Weintraub, “cientificamente os resultados são muito robustos para as famílias que leem para seus filhos”. No entanto, um aspecto a se notar é que, entre as 27 referências bibliográficas do guia disponibilizado para download no site do programa, nenhuma traz estudos desenvolvidos em território nacional.
A professora Liane Araújo (UFBA), em entrevista ao Portal CENPEC publicada em setembro, afirma a importância de se levar em conta os resultados de pesquisas cognitivas, em que a PNA se baseia. No entanto, “pesquisa não pode se confundir com prática pedagógica, que precisa dar conta de diversos aspectos, afinal, a escrita é um objeto de conhecimento complexo e multifacetado”, afirma.
… a prática também contribui para o conhecimento pedagógico, para evidências de outra natureza. Assim, julgar resultados de pesquisas como suficientes para validar reducionismos metodológicos e salvacionismos políticos é uma imposição que desconsidera, inclusive, a própria pedagogia.”
Liane Araújo
Literacia familiar e papel da escola
A respeito do foco na família para o sucesso da alfabetização das crianças, Maria Alice Junqueira reflete: “A alfabetização tem diversas facetas. Não existe uma só questão que, se resolvida, todos os alunos se alfabetizam. Se fosse assim, o problema já teria sido solucionado”.
Em sua visão, as políticas públicas de alfabetização devem conferir centralidade ao papel da escola e apresentar um programa de formação de professores robusto. “Para se alfabetizar, são necessárias políticas públicas sérias do ponto de vista técnico e consistentes no que toca à formação de professores. A família pode ajudar sim, e muito, no letramento das crianças, mas a responsabilidade de alfabetizar e letrar é da escola e é um direito das crianças, por isso é lá que que o foco das políticas públicas deve estar”, afirma.
Sobre o papel da família, a especialista pondera:
A parceria entre escola e família é sempre bem-vinda e deve ser fomentada. Vários estudos mostram que, principalmente a mãe, tem um papel fundamental na formação do gosto pela leitura. No entanto, essa não pode ser ‘A’ política de alfabetização nem a bala de prata para os problemas que o Brasil enfrenta em relação a alfabetização.”
Maria Alice Junqueira
Por sua vez, o professor Clecio Bunzen, professor de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em entrevista ao Portal CENPEC, ao tratar dos sentidos e usos do termo ‘literacia familiar’, questiona a pertinência de “discussões pontuais e concepções eurocêntricas para discutir ‘infância’ e ‘família'”. Para o especialista, há um afastamento das pesquisas e reflexões brasileiras sobre tais temáticas:
Um conceito de ‘literacia familiar’ no singular não parece dar conta das diferentes práticas de letramento que ocorrem nos lares, nas comunidades e nos mundos de letramento das crianças e de seus familiares. Provavelmente, teríamos que repensar o conceito de ‘família’ e inserir questões mais amplas sobre gênero, etnia, raça e desigualdade social para compreender os usos das escritas em determinados contextos brasileiros.”
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