#CENPECexplica: Fundeb na prática Romualdo Portela de Oliveira comenta os principais debates e os possíveis caminhos para o principal mecanismo de financiamento da educação básica
Por João Marinho
A vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) vai até 31 de dezembro deste ano. A aprovação de uma legislação que substitua ou prorrogue o Fundo para 2021 é, portanto, urgente.
Nas palavras de Romualdo Portela de Oliveira, mestre e doutor em Educação e Livre Docência pela Universidade de São Paulo (USP), ex-coordenador de Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e atual diretor de Pesquisa e Avaliação do CENPEC Educação, “é impossível hoje voltarmos à situação pré-Fundef“.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1998 a 2006, antecedeu o atual Fundeb e introduziu mudanças radicais no sentido de redistribuição de recursos públicos para o ensino fundamental. A partir de 2007, o Fundeb continuou a mesma política, estendendo-a também ao ensino médio – até 31 de dezembro de 2020.
Quando houve o Fundef e depois o Fundeb, foram induzidas modificações importantes na distribuição de competências entre as redes, ampliando brutalmente o processo de municipalização do ensino, de tal forma que não há como voltar à situação anterior: seria um desastre completo.”
Romualdo Portela de Oliveira
Continuando a série CENPEC explica: Fundeb na prática, o especialista deu a entrevista a seguir ao Portal CENPEC Educação, sobre as principais discussões que deverão ser travadas em torno do Fundeb ao longo deste ano.
Fundeb: consensos e dissensos
Portal CENPEC Educação: Considerando o fim do Fundeb para 2020, qual seria agora o prazo mais adequado para votar uma nova lei para financiar a educação básica no Brasil?
Romualdo Portela de Oliveira: Neste ano, a emenda constitucional que gerou o Fundeb e tem uma vigência de 14 anos deixa de existir. Então, não somente é verdade que algo precisa ser aprovado ainda em 2020, como o ideal é que seja aprovado o mais rapidamente possível, para que possam ser realizados os estudos técnicos, montar as matrizes para os processos de redistribuição, entre outros ajustes.
Até porque, se não houver uma votação mais para o início do ano, corre-se o risco de que o Fundeb ou seu substituto seja votado apenas depois das eleições municipais, porque os políticos estarão em campanha.
Na verdade, não é inusitado que haja atropelos. Para se ter uma ideia, a lei do Fundef foi aprovada em um dia 24 de dezembro e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD), em 20 de dezembro – mas a situação ideal é sempre aprovar cedo.
Portal CENPEC Educação: Quais são os debates mais importantes que estão em discussão nas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) hoje no Congresso Nacional?
Romualdo Portela de Oliveira: Para mim, há três pontos. Primeiramente, o aumento da complementação da União, e por várias razões… mas a primeira delas é que a complementação da União é a base redistributiva do Fundeb entre os estados.
O Fundeb tem um mecanismo que gera uma certa redistribuição entre municípios, no interior de cada estado, mas entre os estados em si, esse mecanismo é a complementação da União, que começa pelos estados mais pobres.
Portanto, para que avancemos na redistribuição, é preciso aumentar essa complementação. Nesse sentido, o número que está no relatório da deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) sobre a PEC 15/15, que está há mais tempo em discussão no Congresso, é importantíssimo: 40%.
Portal CENPEC Educação: É um número bem superior à complementação atual, que não ultrapassa 10%…
Romualdo Portela de Oliveira: Sim, e aí, de maneira complementar a isso, aparece outro aspecto, que é o segundo ponto importante no debate: hoje, essa complementação é aos estados e, portanto, há uma distorção porque há estados pobres em que existem municípios ricos e estados ricos em que existem municípios pobres.
Essa realidade, claro, diminui o efeito redistributivo de uma política como o Fundeb – e vem, então, crescendo a tese de que deve haver um processo que leve em conta os dois aspectos, o estado e os municípios, de tal maneira que se garanta uma complementação para os municípios pobres nos estados ricos, que, no sistema atual, não recebem complementação, além de reduzir o repasse de recursos para os municípios ricos que existem nos estados mais pobres.
Isso tem sido chamado de modelo misto. É uma proposta importante, porque assim se avançaria na pauta de redução das desigualdades no que diz respeito ao financiamento, mas há uma questão importante envolvida, que diz respeito a não prejudicar, com essas mudanças, os municípios que, mesmo sem dinheiro sobrando, têm conseguido fazer políticas de educação de boa qualidade.
Permanência ou prazo de validade?
Portal CENPEC Educação: E qual seria o terceiro ponto importante para um novo Fundeb?
Romualdo Portela de Oliveira: Uma bandeira histórica, que é enfatizar a necessidade que a aplicação dos recursos públicos seja feita nas escolas públicas – a tese da exclusividade.
Primeiramente, porque é a educação pública que atinge as grandes parcelas mais empobrecidas da população e, em segundo lugar, porque tem havido uma ofensiva de setores empresariais que visam ao lucro na educação.
Nesse sentido, poderia haver um processo de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, em detrimento do atendimento de qualidade para as populações mais vulneráveis.”
Portal CENPEC Educação: Hoje, não há essa exclusividade?
Romualdo Portela de Oliveira: Há algumas exceções, envolvendo, por exemplo, as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs), creches conveniadas etc.
É verdade que essas exceções têm uma lógica de transição, no sentido de não “zerar” porque significaria desatender à população, mas também de fazer um processo de empoderamento das redes públicas para que elas atendam às demandas.
A tese da exclusividade impacta particularmente a questão dos convênios, mas há um risco importante colocado hoje, que é o surgimento de propostas de natureza privatista, como os vouchers, e não há estudos que mostrem que iniciativas assim reduzam as desigualdades.
Portal CENPEC Educação: É importante que agora o Fundeb se torne permanente?
Romualdo Portela de Oliveira: Parece haver um consenso nesse sentido, mas, de minha parte, acredito que há necessidade de ponderação.
Veja: somente estamos discutindo o Fundeb este ano porque ele tem prazo de validade, e também não teríamos o Fundeb se o Fundef não tivesse sido transitório.
Quando há um prazo de validade, isso força que a sociedade se debruce sobre a questão, avalie aquela política e decida se quer continuá-la ou não – e, se continuar, como aperfeiçoá-la.”
Ademais, hoje, temos um Congresso que certamente, do ponto de vista do interesse popular, é pior que os que votaram o Fundeb e o Fundef, e esse Congresso será responsável por votar a permanência?
O Fundeb e o PNE
Portal CENPEC Educação: Além dos 40% de complementação da União, já é possível falar sobre outros aspectos que estarão presentes no relatório da deputada Dorinha?
Romualdo Portela de Oliveira: Ela sinalizou uma série de modificações, mas somente vamos saber na apresentação. A permanência deverá estar entre elas. De toda maneira, existe hoje, com os dados que a deputada já definiu, uma confluência muito grande de apoio à sua proposta, inclusive com os 40% de complementação da União.
De fato, insisto, para avançarmos na educação, é preciso aumentar a complementação – e talvez 15%, que é o que o Ministério da Educação (MEC) defende, por exemplo, seja um percentual muito baixo. Nesse sentido, mesmo que haja uma “queda de braço”, os 40% são um ponto de partida importante para o debate.
Portal CENPEC Educação: Como toda essa discussão sobre o Fundeb conversa com a proposta de financiamento no Plano Nacional de Educação (PNE)?
Romualdo Portela de Oliveira: Ah, o PNE é inclusive mais radical, porque trabalha com a ideia de investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, e isso significa passarmos de algo em torno de 6% para 10% – um aumento de quase dois terços.
Isso, de fato, permitiria um grande aporte de recursos para a educação básica, para atender aos desafios reais que temos como país. Porque, veja, o Brasil não resiste, na verdade, a comparações internacionais sobre gastos ou investimentos em educação.
O nosso investimento em educação é, na realidade, baixo. É falsa essa ideia de que basta apenas pegar o percentual do PIB e dizer que gastamos até mais que outros países.”
Além disso, se observamos dois itens absolutamente estratégicos para a qualidade da educação, que são o salário dos professores e as condições de trabalho dos docentes, estamos entre os piores do mundo.
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