#CENPECexplica: Currículo e livro didático Entenda o funcionamento do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e sua importância para a educação básica no País
Por João Marinho
Quase R$ 1,4 bilhão, cerca de 32 milhões de estudantes atendidos, mais de 170 milhões de exemplares e mais de 170 mil escolas beneficiadas.
Nesta quinta-feira, 27 de fevereiro, comemorou-se o Dia Nacional do Livro Didático, e, nesse período, é importante lembrar a importância do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), o segundo maior do gênero no mundo, perdendo em tamanho apenas para o chinês.
A importância do PNLD
Em reportagem para a revista Educação, no entanto, o autor Carlos Dias destaca que, em termos de complexidade e transparência, a política brasileira supera a chinesa. “Enquanto o governo chinês centraliza todo o processo, inclusive a escolha dos livros, o programa brasileiro opera em um nível de democracia e de transparência que dá margem a poucas críticas, tanto de alunos e educadores quanto de autores e editoras”, diz o texto.
A diretora de Tecnologias Educacionais do CENPEC Educação, Maria Amabile Mansutti, concorda: “A política evoluiu até se tornar uma das maiores que nós temos na educação. Há, em primeiro lugar, uma análise pedagógica criteriosa dos livros apresentados por editoras e autores. Essa análise é publicada e comunicada, seguindo orientações oficiais, e há um guia que norteia a escolha dos livros pelos professores”. Confira a história do PNLD no infográfico ao fim desta reportagem.
Segundo Mansutti, essas características tornam o PNLD bastante completo e interessante. “É uma política completa, porque não oferece apenas o material, mas também a avaliação desse material e a possibilidade de escolha pelos professores e pelas escolas. O quadro dos avaliadores é também importante, pois são especialistas brasileiros notórios na área da educação que participam das análises”.
Para Maria Aparecida Laginestra, coordenadora da Olimpíada de Língua Portuguesa, a autonomia de professores e escolas é um dos maiores ganhos do Programa. “Não apenas o professor, mas a escola tem esse poder, essa autonomia de selecionar o livro que considera mais adequado. Essa escolha vem de baixo para cima, a partir dos professores e da direção da escola e depois chega às secretarias municipais e estaduais de Educação, o que permite levar em conta quem, afinal, são os meninos e meninas que estão na escola pública, sem deixar de seguir critérios técnicos e pedagógicos”.
Como funciona o PNLD?
O processo de formulação de um livro didático começa, na verdade, nas trocas e decisões entre autores e editoras anos antes de falarmos do Programa. Apenas a produção editorial, sem considerar o planejamento e a escrita da obra, pode estender-se por até dois anos – e precisa dialogar com os documentos curriculares vigentes no Brasil. Atualmente, por exemplo, os livros já deverão estar adaptados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O Ministério da Educação (MEC), por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), publica, então, um edital convocando os interessados (editoras) a participar do PNLD, com um conjunto de regras e parâmetros a serem seguidos.
As editoras têm, então, um prazo para inscrever e enviar suas obras para análise. Todas as inscrições são validadas de acordo com as normas do edital e, caso haja inconsistências, as obras podem ser excluídas.
As etapas seguintes são de análise dos atributos físicos e análise pedagógica das obras. No primeiro caso, o responsável é, desde 1999, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da Universidade de São Paulo (USP): é preciso que o livro atenda a normas técnicas publicadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e que comprove qualidade e resistência para ser durável e adaptado ao manejo por parte dos estudantes.
A análise pedagógica, por sua vez, é realizada por especialistas na área da educação e atende a regras publicadas em edital próprio. Os especialistas são responsáveis por investigar a correção dos conceitos, inadequações ao currículo, falhas na proposta de aprendizagem e até mesmo incorreções ortográficas, além de avaliar as características pedagógicas do material.
Algumas falhas excluem a obra imediatamente do PNLD. Outras podem ser corrigidas pelas editoras e autores dentro dos prazos estabelecidos pelo edital, mas a soma de um determinado número delas também pode levar à exclusão.
Se o livro for aprovado, passa a integrar um guia consultado por professores e escolas que traz também as resenhas com as características pedagógicas das obras apontadas pelos especialistas, a fim de subsidiar as escolhas.
A encomenda dos livros fica a cargo do diretor da escola, após uma etapa em que os professores, os coordenadores pedagógicos e a própria direção definem coletivamente quais livros, afinal, serão utilizados pelos alunos daquela unidade, de acordo com os documentos curriculares e com o projeto político-pedagógico (PPP) da própria escola. Para participar, a escola precisa fazer a adesão ao PNLD e integrar o Censo Escolar.
A seleção dos livros pelas escolas é, por sua vez, modulada pela decisão da rede pública local. Dependendo da rede, é possível que cada escola selecione a coleção de obras que desejar, que um grupo de escolas se una para escolher o material, ou que toda a rede receba os mesmos livros. Seja qual for a modalidade, os professores devem participar do processo.
Após receber os pedidos das escolas, o FNDE passa a negociar as obras com as editoras, com base nas informações do alunado a ser atendido e conforme projeções a partir do Censo Escolar, que pautam também a distribuição. Finalmente, os livros chegam às escolas por meio de um convênio com os Correios. Assista ao vídeo.
Alcance com alternância
Todo esse processo acontece alternadamente, em cerca de quatro em quatro anos, de acordo com as etapas da educação básica.
educação
infantil;
anos
iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano);
anos
finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano);
ensino
médio.
Em outras palavras: em um ano, o edital de convocação do PNLD contempla livros didáticos para a educação infantil. No ano seguinte, para os anos iniciais do fundamental – e assim por diante. Já a escolha das obras pelas escolas é feita no ano anterior à entrega.
Por exemplo, em 2020, foi aberto o edital do PNLD 2021, que contempla o ensino médio. De fevereiro de 2020 a março de 2021, as editoras têm de cumprir uma série de prazos e requisitos para incluírem e validarem seus livros didáticos, obras literárias e materiais de apoio, já que, atualmente, o PNLD foi ampliado e inclui também software, obras pedagógicas e de gestão, de reforço e correção de fluxo, entre outras.
As obras aprovadas vão compor, no próximo ano, o Guia Digital do PNLD 2021, que trará suas resenhas – e poderão ser analisadas e selecionadas por professores, escolas e redes de ensino, que as receberão no ano seguinte.
Apenas daqui a três e quatro anos, haverá outro edital de convocação contemplando o ensino médio (três anos para obras literárias, obras didáticas por área de conhecimento e obras didáticas específicas; e quatro anos para obras de Projetos Integradores e de Projeto de Vida).
Nesse intervalo, os editais do PNLD contemplarão outras etapas da educação básica, e o FNDE se limitará a repor exemplares para o ensino médio levando em conta o Censo Escolar e os livros devolvidos pelos alunos às escolas, já que todos eles são reutilizáveis. O EJA é contemplado em edital próprio à parte, no PNLD EJA, abrangendo ensino fundamental e médio para jovens e adultos.
Desafios e oportunidades para melhorar
É claro que há desafios na gestão de uma política tão grande e complexa – e pontos onde há necessidade de melhorias. “Nem sempre, a escolha segue o ideal. Uma lacuna, por exemplo, é que falta instruir os professores para que conheçam bem o material e as metodologias dos livros, a fim de subsidiar as escolhas de forma mais aprofundada”, diz Maria Amabile Mansutti.
Especialmente no que diz respeito à BNCC, a formação dos professores é uma lacuna importante. A BNCC trouxe mudanças significativas nos ensinos fundamental e médio, mas carecemos de uma política consistente de formação para que os professores se apropriem dessas mudanças e possam escolher melhor os livros didáticos, produzidos em conformidade com a Base.”
Maria Amabile Mansutti
Para Maria Aparecida Laginestra, o desafio inclui também a formação inicial dos professores. “Na Olimpíada de Língua Portuguesa, detectamos, nos relatos de prática dos professores, que muitos tiveram dificuldades em orientar os alunos na categoria Documentário, que passou a integrar o concurso em conformidade com a BNCC. É um sinal de que a formação inicial dos professores ainda não está plenamente alinhada à BNCC. Além disso, é preciso que haja também uma política de formação continuada”, comenta.
De fato, apenas no final do ano passado, o MEC homologou a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), que adapta o currículo dos cursos superiores de licenciatura às exigências que a BNCC traz aos professores. A readequação desses cursos começa neste ano e segue até dezembro de 2021 – quatro anos depois que a BNCC para o ensino fundamental foi aprovada.
Outra questão importante é uma política que aponte o destino para os livros e materiais que compõem a chamada reserva técnica. Para evitar que os estudantes fiquem sem material em caso de abertura de novas turmas ou novas escolas, o FNDE faz uma reserva técnica, que recebe também exemplares recusados pelas escolas quando, por exemplo, há atraso na entrega e os livros chegam muito depois de iniciado o ano letivo.
Como nem toda a reserva é utilizada, os livros acumulam-se e ficam desatualizados. Em janeiro último, o jornal O Estado de S. Paulo publicou reportagem segundo a qual cerca de 3 milhões de livros didáticos nunca utilizados seriam descartados. Informações como essa levantam questionamentos se o País não deveria passar a investir em formatos digitais, em vez de livros físicos.
Laginestra comenta que a digitalização é um processo inegável na educação, mas que o livro físico permanece importante: “Temos muitos ‘Brasis’, e as condições necessárias para uma digitalização completa não existem em muitos deles. Há locais no País, afastados dos grandes centros – em comunidades quilombolas, por exemplo –, onde a internet não chega… ou chega com má qualidade, até mesmo discada. A realidade do celular, do Wi-Fi, 3G e 4G não é a realidade de todos esses Brasis: nem todos têm essa possibilidade de acesso, e, em alguns, permanece o livro físico mesmo – mas a educação precisa contemplar todos os alunos e todas as realidades”.
Acredito que teremos de migrar para o digital, mas paulatinamente. Caso contrário, corremos o risco de beneficiar quem já conta com a infraestrutura necessária para essa migração, acentuando as desigualdades.”
Maria Aparecida Laginestra
Quanto ao descarte dos livros não utilizados, o ideal é combater os erros de gestão que geram desperdício e fazer uma análise técnica para determinar se todos, realmente, teriam de ir para o descarte.
“Que essa análise seja feita com muito critério, com muita consistência e com muita transparência. Que fiquem claros quais critérios serão utilizados para decidir se o livro deve ou não ser descartado. É bem importante não deixarmos que essa discussão ponha (…) em xeque a importância e a validade do livro didático”, comentou Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação, aoJornal Nacional.
ALBUQUERQUE, E. B. C.; FERREIRA, A. T. B. Programa nacional do livro didático (PNLD):mudanças nos livros de alfabetização e os usos que os professores fazem desse recurso em sala de aula;
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