#OrgulhodeEnsinar: valorizar a docência é preciso!

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#OrgulhodeEnsinar: valorizar a docência é preciso!

Não importa há quanto tempo dá aulas, pra qual etapa de ensino leciona ou a região do país onde mora – todas(os) educadoras(os) enfrentam desafios comuns, aprendem a cada dia e buscam valorização

Por Stephanie Kim Abe

Existem, no Brasil, 2,2 milhões de professoras e professores na educação básica. A maioria são mulheres (81%), tem ensino superior com licenciatura (91,3%) e leciona para os anos iniciais do ensino fundamental (62,6%). Mas ainda há cerca de 4,8 mil, ou 0.2%, que não possuem ensino fundamental.

Há professoras(es) que ensinam em escolas multisseriadas, que dão aulas em duas ou três escolas ou que moram longe da instituição de ensino. Há quem trabalha em escolas da periferia, leciona para estudantes de diferentes etapas de ensino ou concilia as aulas com o mestrado ou doutorado. Alguns(as) sonharam em ser professor(a) a vida toda e outros(as) lecionam por conta das circunstâncias socioeconômicas em que se encontrava. Há quem já tenha sofrido ameaças de pais, batido na porta de estudantes pra trazê-las(os) de volta pra escola ou pagado material do próprio bolso para oferecer à(ao) aluna(o).

Nesse mar de diferentes histórias e realidades, é difícil achar consensos. Um dos poucos que prevalece é de que a profissão docente, infelizmente, não é valorizada. Segundo a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) 2018, que avalia a percepção de educadoras(es) sobre condições de trabalho e qualificações e é organizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cerca de 89% das(os) docentes dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio acreditam que a sua profissão é desvalorizada pela sociedade.

A professora Martamiria Delmiro dos Santos Ferreira, de Vitória de Santo Antão (PE), resume bem alguns dos muitos desafios que as(os) educadoras(es) enfrentam no seu dia a dia:

Trabalhar mais do que a média de carga horária, ganhar menos em comparação com profissionais que têm ensino superior, não ter plano de carreira e formação continuada estruturados, lidar com situações em sala de aula que muitas vezes fogem da nossa área, não ter condições adequadas de trabalho.”

Martamiria Delmiro dos Santos Ferreira

O Portal Cenpec conversou com quatro professoras de diferentes regiões brasileiras. As educadoras contam um pouco das suas histórias, do que elas mais gostam da profissão e do que aprendem todo dia em sala de aula. Apesar das trajetórias diversas, todas creem que é preciso mais valorização docente e têm muito orgulho da profissão que exercem. Conheça a história delas a seguir.

#OrgulhodeEnsinar
Em homenagem ao Dia das(os) professores(as), o Cenpec está promovendo nas suas redes sociais a campanha #OrgulhodeEnsinar. Para participar, grave um vídeo de um minuto contando porque você também se orgulha da sua profissão. Compartilhe o vídeo em suas redes sociais com as hashtags #OrgulhodeEnsinar #Cenpec pra gente repostar. Participe!


Martamiria Delmiro dos Santos Ferreira

Professora do ensino fundamental I da Escola Municipal Constâncio Maranhão – Vitória de Santo Antão (PE)

Como professora de uma escola da zona rural multisseriada de Vitória de Santo Antão (PE), município localizado na região metropolitana de Recife, Martamiria sabe bem que os desafios que ela enfrenta são potencializados pela especificidade do território em que atua:

Foto: arquivo pessoal

Na escola do campo, nosso olhar está voltado para todas as turmas ao mesmo tempo. Enquanto em uma escola urbana temos que pensar, durante uma semana, em cinco situações didáticas que iremos vivenciar com as crianças, na zona rural temos que pensar cinco situações para a Educação Infantil, cinco para o 1o ano do fundamental e por aí vai. Tudo ao mesmo tempo. Sem falar nas condições de acesso a equipamentos, transporte etc. É uma diferença muito grande, tanto para as(os) estudantes quanto para a(o) profissional que trabalha ali.”

Martamiria Delmiro dos Santos Ferreira

A professora trabalha há 20 anos com os anos iniciais do ensino fundamental, desde que largou Contabilidade – desejo dos pais – para perseguir seu sonho: curso Pedagogia.

Trabalhando em duas redes municipais de ensino (ela também dá aulas em Jaboatão dos Guararapes), ela acredita que a sala de aula é muito mais que um espaço para oferecer conteúdos. É o aprender a conviver em sociedade que mais a encanta no ambiente escolar – e que a faz ser, como professora, uma eterna estudante:

O chão da escola funciona como um espaço de vivências de aprendizagem. E o que eu mais gosto são essas relações que se colocam ali.”

Martamiria Delmiro dos Santos Ferreira

Ao longo dos anos, ela viu melhoras na escola em que trabalha, como na questão da infraestrutura e da estruturação da formação continuada na rede. Essa última, aliás, é um dos pontos que ela considera essenciais de ser perseguido pelo profissional da educação:

A formação deve ser contínua, porque as(os) professoras(es) precisam preparar aulas significativas, que dialoguem com a realidade das(os) estudantes ao mesmo tempo que atendam as especificidades da área em que atua. Nós precisamos nos apropriar de conhecimentos sobre ferramentas que podemos usar para sempre melhorar a nossa prática.”

Martamiria Delmiro dos Santos Ferreira

Mas a valorização da carreira docente, a seu ver, ainda está longe de ser conquistada. “As(Os) jovens, por exemplo, não têm perspectiva nenhuma de seguir a carreira de professor(a), pelo que veem da profissão”, lamenta.

Um desejo para o futuro 

“Precisamos sair do discurso de que ser professor(a) é um dom e colocá-lo como profissional. E, como toda(o) profissional, sua carreira precisa ser valorizada. Precisamos de políticas públicas que assegurem uma mudança sistêmica, de longo prazo, na educação.”
Martamiria Delmiro dos Santos Ferreira


Eliane de Jesus

Professora da Creche Municipal Pequeno Príncipe – Porto dos Gaúchos (MT)

Foto: arquivo pessoal

A trajetória de Eliane na educação é marcada pelas condições de seu território. A começar pela própria escolha do curso, que se deu muito mais por dinâmica social do que por um desejo de ser professora:

No município onde eu morava, em Goiás, haviam poucos cursos disponíveis. Tentei História, mas não passei. No ano seguinte, resolvi tentar Pedagogia. Como as oportunidades no meu município não era muitas, quando concluí o curso não fui atuar em sala de aula. Só quando vim para Mato Grosso com meu companheiro é que prestei concurso e acabei passando.”

Eliane de Jesus

Depois, quando quis continuar os seus estudos, novamente a distância – e as condições da carreira – dificultaram a sua vida. “Eu tive que me deslocar mais de 700 km pra fazer mestrado, deixando minha família e minha filha pequena. E o nosso plano de carreira não tem uma valorização salarial justa e adequada para uma pós-graduação”.

Hoje mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), ela lembra da dificuldade que teve quando começou a dar aulas na educação infantil, em 2014:

O início foi muito desafiador, porque os estágios no ensino superior não te dão uma dimensão real do que é a prática em sala de aula. Você tem uma experiência de uma semana em sala de aula, mas ela não é sua. Quando você começa como professora há uma cobrança muito maior. Levei uns três meses para me adaptar.”

Eliane de Jesus

Uma vez familiarizada, ela se apaixonou pela educação infantil e desde então segue lecionando para essa etapa de ensino. No mestrado, focou na área da Infância, e pretende seguir com o doutorado. Para Eliane, foi a prática que realmente a ensinou, e continua ensinando, sobre a profissão, muito mais que a teoria:

Eu percebi que muitas das teorias de aprendizagem e de desenvolvimento que eu tinha aprendido na universidade ajudavam sim na minha prática pedagógica, mas que eu tinha que sair um pouco delas, parar e olhar as crianças. Aprender a ter paciência e a ouvir. Entender o que essa criança de 2, 3 anos de idade me dizia sobre o seu desenvolvimento, o que ela gosta de aprender, como ela gosta de aprender, como se dá o seu aprendizado, o que a deixa mais confortável ou não.”

Eliane de Jesus

Ela faz questão de trazer esses ensinamentos a suas(seus) estagiárias(os), já que também é professora no curso de pedagogia da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat): “A pedagogia é a sua formação, mas você vai aprender a ser professor sempre. É o ‘ser fazendo’ – como já dizia Paulo Freire”.

Para Eliane, é visível a falta de interesse ou conhecimento da sociedade sobre a educação pública quando ela vê ataques ao patrono da educação brasileira e ao ensino nas universidades públicas, ou a propagação de fake news, tal qual a história do “kit gay” nas escolas. Ela acredita que as pessoas precisam ter mais conscientização para poder debater a qualidade do ensino e realmente levar a sério e valorizar a educação no país:

Nós temos muitos chavões: ‘a educação transforma’, ‘a criança de hoje vai ser o adulto de amanhã e vai transformar o mundo’. Os políticos gostam muito de usar essas frases nas suas palestras, mas não defendem ou colocam a educação como prioridade. Precisamos de uma conscientização a nível nacional do que é a educação e a sua importância.”

Eliane de Jesus

Um desejo para o futuro

“Eu acredito no ‘esperançar’ de Paulo Freire. Eu acho que a gente pode melhorar esse cenário, mas o caminho é o diálogo e o envolvimento dos professores nas discussões relacionadas à educação. As mudanças não são instantâneas. Talvez elas não venham enquanto eu estiver lecionando, mas para as gerações futuras.”
Eliane de Jesus


Gleanne Silva Rodrigues

Professora do 3o ano do ensino médio da Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Jaime Alencar de Oliveira – Fortaleza (CE)

Foto: arquivo pessoal

Para Gleanne, não foi difícil escolher a profissão docente na época do vestibular:

Eu sabia que queria ensinar, desde pequena, nas brincadeiras de infância, mas não tinha o curso muito definido. No terceiro ano, eu tive a certeza, pois me apaixonei por redação, no Enem, e me tornei monitora da escola onde estudava. Então fui fazer Letras.”

Gleanne Silva Rodrigues

Trabalhando há dois anos e meio como professora de Língua Portuguesa em uma escola estadual, ela diz que sempre soube que a profissão não era muito valorizada – mas isso não a impediu de seguir o seu caminho.

No terceiro ano, sempre temos essas discussões sobre qual carreira você vai seguir. Eu falava que seria professora, e eu ouvi de boa parte das(os) minhas(meus) professoras(es): ‘não faça isso com você’. Apesar de ter consciência da desvalorização, era o que eu realmente queria fazer.”

Gleanne Silva Rodrigues

Este ano, com a pandemia, Gleanne acredita que ficou mais evidente a visão distorcida que a sociedade tem das(os) professoras(es), pois mesmo trabalhando em ensino remoto, “muitos nos vê como profissionais que ficaram de férias até agora”.

Quando temos uma greve de professores, a primeira nomenclatura que é dada pra nós é que somos ‘vagabundos’. Mas, na verdade, estamos tentando garantir os nossos direitos, que são ameaçados constantemente. E os direitos dos professores ameaçados é também uma ameaça à educação.”

Gleanne Silva Rodrigues

Ao mesmo tempo, a pandemia também reforçou a máxima de que o professor está aprendendo sempre, por mais difícil que seja: “este ano, tivemos que aprender a estar distante. Foi uma dificuldade, mas foi positiva quando vimos que conseguimos transformar a sala de aula, se reinventar”.

Um desejo para o futuro

“Professor(a) é uma profissão que precisa estar sempre estudando. Eu pretendo melhorar cada vez mais a qualidade do que eu faço em sala de aula. Espero que o nosso país tenha representantes que valorizem também os professores deem condições de estudo para eles e melhores condições de ensino para as(os) estudantes.”
Gleanne Silva Rodrigues


Adriana de Oliveira

Professora de arte do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Itaquera – São Paulo, SP

O que não falta para Adriana é experiência. Em mais de 30 anos trabalhando como professora, ela já passou por escola particular, estadual e municipal, já deu aulas para crianças, adolescentes e adultas(os) e tem formação em Artes Plásticas, Pedagogia e Direção Escolar, por diferentes faculdades.

Foto: arquivo pessoal

Com essa bagagem, é evidente pra Adriana as disparidades do mundo e como, infelizmente, o direito à educação, que deveria ser acessado por todos(as), está longe de ser efetivamente alcançado:

Quando você tem essa vivência de diferentes públicos e olha um(a) estudante da escola particular e da escola pública, você tem um choque muito grande das desigualdades do Brasil, que estão tão próximas, dentro de São Paulo. E percebe que há genialidade dentro das escolas públicas também. Isso traz uma visão muito mais ampla e te faz querer ser um(a) agente transformador(a) da realidade que as(os) estudantes vivem.”

Adriana de Oliveira

É por essa trajetória que ela sabe muito bem a importância de olhar para a especificidade de cada aluna(o):

Antes mesmo de ensinar o conteúdo em sala de aula, a gente tem que lidar com os desafios da(o) própria(o) estudante – que também acabam sendo os nossos. Tem aluno que não foi alimentado, que não tem material, que trabalha, que cuida dos filhos menores em casa, que mora longe, que sofre abuso sexual. As(os) professoras(es) precisam conhecer e entender o seu grupo.”

Adriana de Oliveira

Justamente por causa desses muitos desafios que enfrenta, para Adriana, é essencial que as(os) docentes tenham condições de trabalho que lhe garantam saúde, tanto física quanto mental, além de formação continuada.

Se a gente não estiver nessa caminhada de ir atrás de novos conteúdos, das mudanças, da informação, de novos cursos, novos olhares, não vamos conseguir ter diálogo com a nova geração que vem aí. Somos todos seres incompletos – e eu quero saber sempre mais.”

Adriana de Oliveira

Nessa busca por novos conhecimentos, nos últimos quatro anos a professora tem estudado a questão da descolonização, buscando resgatar a nossa história a partir das culturas indígenas e afro-brasileiras, sendo hoje mentora em Direitos e Estudos Étnico-raciais no curso de Design Laboratório Jurídico da Universidade de São Paulo (USP).

A gente entra na educação achando que vai ensinar, mas, na verdade, a gente aprende. Porque a gente começa a ter a troca com o aluno, ver a fome de educação e cultura que ele tem, entender a complexidade do que ele vive, e percebe que só uma faculdade que fizemos lá atrás não vai nos calçar pra todas as necessidades que ele tem.”

Adriana de Oliveira

Um desejo para o futuro

“As políticas públicas precisam nos dar plano de carreira, pra sentirmos que o tempo que estamos dentro da escola nos faz crescer; salário digno, para que possamos comprar livros, pagar terapia, ter um plano de saúde, fazer uma pós-graduação; formação continuada; plano de aposentadoria – tudo o que os governantes estão querendo tirar da gente.”
Adriana de Oliveira


Valorização docente em pauta

Ao longo do mês de outubro, estamos preparando e divulgando diferentes ações para homenagear as(os) profissionais que dedicam a vida na construção de uma educação de qualidade a todas e todos. Acompanhe nossas produções e compartilhe com a #OrgulhodeEnsinar.


Painel das desigualdades educacionais no Brasil

É sabido que, entre os fatores internos da escola que impactam a aprendizagem dos(as) estudantes, o papel das(os) professoras(es) é um dos mais importantes. Por isso, a valorização docente é uma estratégia essencial para o enfrentamento das desigualdades educacionais. Para pensar em como efetivá-la, é necessário entender o cenário em que se encontram as(os) docentes no contexto educacional: a sua remuneração, as suas condições de trabalho, a sua escolaridade, a possibilidade de plano de carreira etc.

No Painel das desigualdades educacionais no Brasil, é possível encontrar de forma direta e interativa os dados sobre a formação inicial de professoras(es) da educação básica brasileiros(as). Os filtros permitem ainda analisar os dados por município e estado. Há também dados sobre barreiras para a permanência escolar (evasão, abandono e distorção idade-série).

Acesse o Painel e navegue pelos dados


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