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Petronilha B. Gonçalves e Silva: Diversidade em diálogo na educação
Referência na área de educação e relações étnico-raciais, a professora doutora fala sobre marcos legais, como olhar para as desigualdades educacionais e valorizar o diálogo
- Tamara Castro
Por Stephanie Kim Abe
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva tem larga trajetória de sucesso na educação. Passou pela docência e coordenação pedagógica antes de chegar a ocupar cargos na Secretaria Estadual de Educação e no Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul.
Não à toa ela é referência na área de educação e relações étnico-raciais. Professora Emérita da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), ela foi a primeira mulher negra a ter assento no Conselho Nacional de Educação (CNE), tendo sido indicada pelo movimento negro e exercido seu mandato de 2002 a 2006.
Nesse período, foi relatora do Parecer CNE/CP n.º 3/2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. O documenta regulamenta a Lei 10.639/2003, que inclui no currículo da educação básica a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira.
Em 2011, Petronilha foi admitida pela presidente Dilma Rousseff na Ordem Nacional do Mérito, em reconhecimento a sua contribuição à educação brasileira. Ela também foi conselheira do Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial (2015 – 2016) e do World Education Research Association (WERA), entre 2009 e 2016, representando a Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) (ABPN).
Recentemente, a professora participou do lançamento do Painel de desigualdades educacionais no Brasil, do Cenpec, e trouxe importantes contribuições para a importância de olhar para os dados trazidos pelo painel para encontrar estratégias de combate às desigualdades.
Retomamos esse e outros aspectos relativos à educação para as relações étnico-raciais na entrevista abaixo.
À medida que uma escola considera natural que alguns avancem e outros não, ela já tem um projeto de sociedade excludente.”
Petronilha B. Gonçalves e Silva
Portal Cenpec: Em uma das suas pesquisas mais recentes, a senhora fez um estudo sobre pesquisas de educação das relações étnico-raciais em instituições educacionais. Qual a importância de termos pesquisas acadêmicas sobre a temática?
Petronilha B. Gonçalves e Silva: A gente vive em um país pluriétnico e multirracial. Isso significa que, apesar de termos pontos em comum, porque somos uma nação, também temos diferentes compreensões da vida, das relações entre as pessoas, da construção da sociedade. Esses pontos distintos têm a ver justamente com a origem étnico-racial.
Desde que a ocupação europeia começou por aqui, no século XVI, os estabelecimentos de ensino, em todos os níveis (dos pequeninos aos doutorandos), sempre valorizaram notadamente as fontes, os pesquisadores e a bibliografia europeia. Mas o fato de os europeus terem estado no poder não significa que essa é a única influência ou a mais importante para a nossa formação.
A educação para as relações étnico-raciais traz o reconhecimento das nossas diferentes raízes e, mais do que isso, promove o diálogo, mostrando que nenhuma é mais valiosa ou importante do que as outras. Todas devem ser necessariamente valorizadas. O grande objetivo é colocar em diálogo cada um sendo o que é, sem deixar de ser o que é. É muito trabalho? Claro, mas se a gente prestar atenção, em comunidades onde existem pessoas de diferentes pertencimentos, isso já acontece. Então que aprendemos com elas.
Portal Cenpec: Se pensarmos como marco a Lei 10.639/2003, como a senhora avalia a implementação da educação antirracista nos últimos tempos? O que tem melhorado e o que ainda precisa avançar bastante?
Petronilha B. Gonçalves e Silva: Se pensarmos que todo esse movimento de mudanças ganhou mais força, inclusive com as leis, nos anos 2000, e entendendo que a sociedade brasileira começou a se construir em 1500, percebemos que estamos muito séculos atrás na desconstrução de uma mentalidade dominante, que é antiga, e reconstrução com base em novos valores.
Ainda temos resistência às mudanças. Na minha opinião, o que mais atrapalha é o preconceito. Tem gente que ainda acha que a Europa é “A” civilização e que o que vem de lá ou dos Estados Unidos é o que há de melhor já produzido no mundo. Outros que cultivam a ideia de que os grupos mais abastados da sociedade são aqueles que sabem o que é melhor para todos.
As relações sociais são muito complexas. Em cada região existem particularidades. E há também questões que se interseccionam, pois as relações étnico-raciais também têm a ver com as relações de gênero, geracionais, etc. No fundo, são relações de poder, em que alguns querem se manter no poder e pra isso depreciam os demais.
Então é uma construção que eu acho que tem tido muito progresso. Poderia ser melhor? Claro que poderia! Vai demorar a ser muito bom? Eu não sei, depende das pessoas. Mas eu avalio que não vai ser tão rápido e não vai ser tão devagar.
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Portal Cenpec: Para avançarmos mais, como podemos pensar ações, seja gestão escolar, docentes ou secretarias de educação, que promovam mudanças sistêmicas, estruturais e perenes?
Petronilha B. Gonçalves e Silva: Me parece que é importante o cultivo de uma proximidade entre escola e comunidades – mas não no sentido de a comunidade interferir na ou comandar a escola. Os movimentos sociais (negro, indígena, de mulheres) também precisam estar cada vez mais atentos e presentes na escola. As propostas que geram mudanças exigem de nós pensarmos uma nova escola, um novo jeito de convivência dentro das instituições de ensino.
Portal Cenpec: Com a pandemia, a gente viu que muitas desigualdades educacionais se agravaram. É o caso, por exemplo, da questão da evasão e abandono escolar – que atingiu, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), três vezes mais estudantes negras(os) e indígenas. Também temos dados de que estudantes pobres e negras(os) demoram mais a voltar às aulas presenciais, ao mesmo tempo que são as(os) mais atingidas(os) pela falta de estrutura e de acesso ao ensino remoto. Como a gestão educacional precisa se planejar levando em conta esses dados?
Petronilha B. Gonçalves e Silva: Essa questão requer o olhar não só da secretaria, mas das(dos) supervisores de ensino, das secretarias de educação, da gestão escolar. Como esses atores pensam e se organizam para passar os encaminhamentos para as escolas – sejam elas públicas ou particulares. É preciso ter um diálogo e uma construção conjunta de política pública entre as mantenedoras das escolas particulares e as secretarias de educação, pois todas e todos são cidadãs(os) e orientadas(os) pelos conselhos municipais, estaduais e nacional de educação.
Além disso, é importante que as(os) professoras(es) conheçam as leis de educação. Não só conheçam, mas que leiam, discutam e interpretem essas determinações legais a partir da sua própria realidade. Já temos um robusto aparato legal para garantir uma educação voltada às relações étnico-raciais.
Quem realiza a prática na sala de aula não pode conhecer os textos legais só de ouvido, apenas pelo que coordenadoras(es) ou supervisoras(es) dizem. Isso requer uma direção escolar forte, que esteja comprometida com essa visão e que abra espaço para esse estudo e essa discussão nas reuniões pedagógicas, onde sejam construídas as interpretações da lei para aquela escola, à luz da filosofia que ela segue e que está registrada no seu regimento.
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Portal Cenpec: Pensando nessas desigualdades educacionais, que tipos de ações a gestão escolar e educacional precisa realizar para chegar a esses que são os mais atingidos pela exclusão escolar e desnaturalizá-la?
Petronilha B. Gonçalves e Silva: Não sei se em primeiro lugar, mas é importante que todas(os) – gestoras(es), professoras(es) se perguntem sempre: eu estou a serviço de que e de quem? De minhas(meus) estudantes ou de um grupo social específico? Se de um grupo único, o que ele pretende? E, principalmente, qual é o projeto de sociedade que me orienta? Eu trabalho para um projeto de sociedade em que todas(os) estejam incluídas(os)? Ou eu estou a favor de um projeto que é pra manter privilégios para um único grupo social?
Se eu sou professora de uma escola pública, a minha atividade e o meu ensino não podem se dirigir a um único grupo. O meu papel é pôr as diferentes visões e projetos de sociedade em diálogo. A gente sabe que as(os) professoras(es) influenciam suas(seus) estudantes, então o projeto de sociedade das(dos) professoras(es) marca suas(seus) estudantes.
É preciso tomar cuidado pra que esse projeto de sociedade não desenraize as(os) alunas(os). Eu lembro de uma professora de uma escola em São Carlos que era ótima. Ela não admitia que suas(seus) estudantes não aprendessem, então se fosse preciso, ela dedicava mais tempo fora da sala de aula para ajudar cada um a aprender e tirar dúvidas. Todas(os) tinham um nível muito bom. Mas ela transmitia a elas(es) o desejo de pertencerem ao grupo social dela, pois ela dizia: “Vejam só, eu tenho o meu carro. Eu tenho isso, tenho aquilo. Vocês vão querer ser como eu? Ou vão querer ser como o pessoal ali da comunidade?”
Não é que as(os) estudantes não pudessem almejar pertencer à classe média alta, mas talvez esse não fosse o ideal deles. Para elas(es), talvez o ideal fosse trabalhar bem e muito para fortalecer a sua própria comunidade e, futuramente, realizar a trajetória que quisessem. Nós, professoras e professores, não temos que trazer as(os) estudantes ao nosso projeto de sociedade. Mas a partir do nosso projeto, temos que criar possibilidade de aprendizagem para que consigam construir os seus próprios projetos – que evidentemente não são individuais, estão sempre ligados a um grupo étnico-racial, a uma comunidade.
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