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Retomada das aulas presenciais: muito planejamento e participação
Não é o momento de decidir datas ou prever retorno, mas sim de planejar com tempo e com muita participação esse processo complexo
- José Alves
Por Stephanie Kim Abe
As aulas semipresenciais no Tocantins, que estavam programadas para começar no próximo dia 3 de agosto, foram adiadas para setembro. Seria o primeiro estado a retomá-las nesse formato, de acordo com levantamento do portal G1 publicado no dia 21 de julho.
Em notícia divulgada no portal do órgão hoje (23/07), sobre a reprogramação do início das aulas nessa modalidade, a Secretaria de Educação afirma que “a medida leva em conta a prioridade do Governo do Estado em colaborar para o enfrentamento à contaminação à Covid-19”. Atualmente, o estado do Tocantins tem cerca de 19 mil casos confirmados e mais de 300 mortes pela doença.
Considerando esse cenário no estado, Rosilene Lagares, professora da Universidade Federal do Tocantins e membro do Fórum Estadual de Educação do Tocantins (FEE-TO), acredita que sendo otimista, essa volta seria em outubro. “Mas isso sendo muito otimista. Eu particularmente penso que esse ano não deveríamos voltar”, diz.
O adiamento vai ao encontro da preocupação de professores, gestores, pais e pesquisadores de todo o país que avaliam que ainda não é o momento de se permitir o retorno presencial das crianças à escola, dado o cenário da Covid-19 no Brasil.
De acordo com o levantamento do G1, outros oito estados e o Distrito Federal planejam essa retomada entre os meses de agosto e setembro. No estado de São Paulo, maior rede de ensino do país, ela está prevista para o dia 8 de setembro.
A decisão da volta às aulas tem que ser baseada em evidências científicas e médicas, portanto é uma decisão da alçada dos infectologistas. E também em um consenso, no âmbito do município e do estado, com toda a comunidade escolar, levando em consideração todos os protocolos e medidas para evitar o contágio
Anna Helena Altenfelder, Presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação
Mesmo que não seja o momento de voltar às aulas, falar sobre esse processo agora é importante para que não se repita o que aconteceu com a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, em meados de março: fechamento abrupto de escolas e uma adaptação forçada das atividades pedagógicas.
“Nós não conseguimos nos planejar na suspensão das aulas. Isso aconteceu de uma hora para outra, tivemos que reorganizar todo o sistema de ensino. Tivemos que pensar na questão dos contratos dos funcionários, depois na questão pedagógica das atividades remotas…Fomos trocando o pneu com o carro andando. Então agora é pensar esse retorno”, explicou a profª. Márcia Bernades, presidente da Undime SP e dirigente municipal de educação de Atibaia, durante a videoconferência A retomada das aulas presenciais nas escolas públicas em São Paulo, realizada no dia 16 de julho.
Esse processo, que já é complexo por si só, se torna ainda mais difícil se pensarmos na diversidade da rede de ensino brasileira e nas desigualdades sociais do país. Por isso, ainda que órgãos ou entidades disponibilizem documentos e notas de orientação para a construção de protocolos para a retomada das aulas, caberá aos municípios, de acordo com as suas realidades, construir e colocar em prática essas medidas.
“Nós não podemos querer que as aulas voltem de uma forma precipitada, por uma questão técnica ou burocrática. Primeiro, devemos atentar para as recomendações que preservam o direito à vida como prioridade absoluta. Oficialmente, eu não tenho conhecimento de nenhuma autorização de conselho municipal de educação do Brasil que tenha se manifestado a favor de qualquer retorno presencial de aulas”, declara o professor Manoel Humberto, membro do Conselho Municipal de Neópolis (SE) e presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme).
A primeira ação que deve ser estruturada na rede – caso ela ainda não exista – é a criação de uma comissão especial, interfederativa. Em seu documento de orientação, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) chama essa estrutura de Comissão Municipal de Gerenciamento da Pandemia da Covid-19 e Comissões Escolares de Gerenciamento da Pandemia da Covid-19.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) também recomenda em seu documento orientador que seja criado um comitê estadual, que inclua diversos setores envolvidos na questão, não apenas a área de educação.
Recomendações e estudos sobre a retomada das aulas
Compilamos alguns dos principais documentos publicados de orientação para a organização e o planejamento da retomada das aulas presenciais:
Subsídios para a Elaboração de Protocolos de Retorno às Aulas na Perspectiva das Redes Municipais de Educação (Undime)
Diretrizes para protocolo de retorno às aulas presenciais (Consed)
Guia Covid-19 – Reabertura das Escolas (Campanha Nacional pelo Direito à Educação)
Diretrizes para a educação escolar durante e pós-pandemia (Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação)
Educação em tempos de pandemia – direitos, normatização e controle social – Um guia para Conselheiros municipais de educação (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)
Nota técnica: O retorno às aulas presenciais no contexto da pandemia da Covid-19 (Todos pela Educação)
“Esse trabalho intersetorial é importante para que a responsabilidade não caia sobre os diretores da escola ou o secretário. Tem que ser compartilhada com outros setores”, diz a presidente da Undime SP.
Ela também defende uma comissão dentro da comunidade escolar, que seja responsável por entender o espaço físico e tenha a representação de todos os setores, inclusive as famílias.
No Tocantins, houve a criação da Comissão de Estudos e Sistematização de Orientações e Normas, em 29 de abril, com o objetivo de assegurar a reorganização do calendário escolar. De acordo com Rosilene Lagares, porém, essa comissão foi constituída apenas por membros da Secretaria e do Conselho Estadual de Educação.
São essas comissões interfederativas que têm ficado responsáveis por elaborar os protocolos sanitários. Os protocolos estaduais podem servir de referência para os municipais, e ambos os documentos servirão para que as gestões escolares elaborem os seus, de acordo com a realidade da sua escola.
Rosilene Lagares avalia que o protocolo criado pela Comissão do estado segue as recomendações de outros documentos, nacionais e internacionais. “De acordo com as notícias divulgadas (porque não tivemos acesso ao documento), vemos toda uma preparação em relação às recomendações sanitárias, tanto que é um retorno híbrido, para poucas pessoas, escalonado. Então não é irresponsável. Mas acaba sendo-o porque nós estamos em um momento de crescimento dos casos”, revela.
Tanto o estado de São Paulo quanto o município já estão elaborando e discutindo protocolos sanitários para a volta às aulas presenciais. No caso da capital paulista, a minuta desse documento foi elaborada por uma Comissão criada na Secretaria Municipal de Educação, com a participação dos coordenadores das áreas pedagógicas, de recursos humanos, de alimentação e de planejamento, e com especialistas da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina e UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo).
“Ele é um protocolo muito bem detalhado, uma equipe técnica muito comprometida com o que deve ter sido requisitado. Você vê nitidamente que é uma equipe de infectologistas”, explica Ivan Ferreira Santos de Carvalho, professor da Educação Infantil da rede municipal de São Paulo.
Porém, não basta ter protocolos específicos e detalhados, se eles não podem ser efetivados.
“Se olharmos para as medidas colocadas para a Educação Infantil, por exemplo, e confrontarmos com o que temos como eixo da nossa prática pedagógica – que são as brincadeiras e as interações -, percebemos que se seguirmos o protocolo não faremos o nosso trabalho de Educação Infantil. Ao mesmo tempo, se não o colocamos em prática, não teremos um mínimo de segurança”
Ivan Ferreira Santos de Carvalho, professor da Educação Infantil da rede municipal de São Paulo.
Além da questão pedagógica, sobre como os protocolos podem ser colocados em prática em diferentes etapas de ensino, há a questão da infraestrutura da escola e dos recursos disponíveis.
Compra de equipamentos de proteção individual (EPIs), mudanças na configuração das salas de aula e do espaço como um todo, itens de higiene pessoal nos banheiros e aquisição de equipamentos e materiais para diminuir o compartilhamento dos mesmos são apenas algumas dessas muitas adaptações. Por isso, é preciso fazer um diagnóstico da rede.
“A escola terá condições de seguir todos os protocolos necessários? Principalmente considerando a questão de recursos materiais e financeiros para se adequar, já que há a falta de espaço para circulação, a superlotação de salas, o número escasso de funcionários. O que conhecemos da escola brasileira revela que a minoria delas tem condições de abrir. Então será um desafio de gestão da rede, de discutir quais escolas terão e quais não terão essas condições”, explica Anna Helena Altenfelder.
Rosilene Lagares chama atenção também para a necessidade de garantir transparência e participação nas discussões e tomadas de decisões. Ainda que faça parte do Fórum Estadual de Educação (FEE-TO), ela diz que não tiveram acesso ao planejamento na íntegra dessa retomada das aulas semipresenciais.
“Só conseguimos ter acesso às notícias, e conseguimos outras informações conversando com as pessoas. Mas o plano em si, nós não tivemos”, diz.
De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, a proposta foi enviada a todas as unidades de ensino da rede estadual, e o manual de boas práticas de higiene previsto está sendo produzido e será distribuído para as 493 escolas estaduais.
Também houve críticas quanto à falta de participação em todo o processo. De acordo com a pesquisadora, os resultados das discussões da Comissão só foram apresentados para a sociedade, e não discutidos.
Essa comissão passou um mês trabalhando. Depois, a proposta de calendário só foi apresentada para os outros órgão e instituições, em dois dias, e não foi bem-vinda. Não houve um processo de diálogo e participação ampla, porque não houve tempo.
Rosilene Lagares, professora da Universidade Federal do Tocantins e membro do Fórum Estadual de Educação do Tocantins (FEE-TO)
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação no estado do Tocantins (Sintet) se posicionou contra as medidas de retomada da Secretaria, em nota divulgada um dia depois que o órgão discutiu o plano com as entidades, em 04 de junho.
Esta semana, no dia 21 de julho, o Ministério Público do Tocantins (MPTO) expediu ofícios à Secretaria Estadual Educação (Seduc) e ao Conselho Estadual de Educação (CEE), requerendo que seja enviado, no prazo de oito dias, o Plano de Ação para retomada das aulas presenciais.
“A retomada das aulas não pode ser decidida sem uma profunda discussão com a rede – e isso inclui professores, famílias, comunidades, alunos, funcionários. Os gestores e a Secretaria precisam ouvir muito”, defende Anna Helena Altenfelder.
A complexidade da retomada das aulas presenciais é visível se considerarmos não só a reorganização do calendário ou da criação de protocolos – que por si só são tarefas complexas -, mas também aspectos como a reorganização curricular, as questões socioemocionais de professores, alunos e funcionários, e a diversidade da rede.
Para Rosilene Lagares, o planejamento de volta às aulas deveria ser feito de forma horizontal e bem dialogada, levando em consideração o Plano Político Pedagógico da escola e o Plano Municipal de Educação.
“São dois instrumentos de planejamento históricos e fundamentais, que foram defendidos plenamente pela sociedade, e eu não vejo ninguém falando sobre eles agora”, diz.
Ela também defende que sejam priorizadas novas formas de vínculo entre família e escola, além da formação de professores.
Para Anna Helena, há muito foco na burocracia – o que tem deixado de lado aspectos importantes do processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
“Claro que vamos ter que pensar em resolver questões legais – não acredito em cancelar o ano letivo nem na aprovação automática -, mas elas não podem estar dissociadas ou ser mais importantes do que a discussão sobre como vamos garantir que as crianças aprendam aquilo que elas têm direito”, defende.
Veja o depoimento de Anna Helena Altenfelder, Presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação, sobre o tema Volta às Aulas, na websérie Vozes Educadoras, lançada pelo CENPEC Educação.
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